As operadoras de aplicativos orientam as vítimas a denunciarem abusos e procurarem a polícia
A estudante não é um caso isolado: pelo menos duas vítimas de assédio de motoristas de carros de aplicativo procuram a Delegacia Especializada de Investigação a Violência Sexual todos os meses. Considerando que o boletim de ocorrência pode ser feito em qualquer batalhão de Polícia Militar ou delegacia, o número de casos pode ser ainda maior. Mas a maioria guarda uma semelhança: as vítimas são surpreendidas na volta para casa pós-festa, quando estão mais vulneráveis.
"Tem mais ou menos um ano que isso aconteceu. Estava pronta para ir à festa de formatura de uma prima e achei que seria mais seguro chamar um carro, já que estava sozinha. Durante todo o trajeto o motorista ficava me cantando e passou por um caminho diferente do que deveria. Parou em um lugar mais distante do local da festa e eu fiquei tão assustada que só abri a porta do carro e desci. Foi quando ele me chamou pelo nome, eu me virei e ele puxou o meu braço para tentar me beijar", lembra.
A delegada titular da Delegacia Especializada de Investigação a Violência Sexual, Larissa Mascotte, orienta as vítimas a fazerem o boletim de ocorrência comunicando o crime. Ele pode ser feito em qualquer posto policial ou delegacia, mas ela recomenda priorizar a delegacia especializada para agilizar o procedimento. Os casos são diversos, podendo envolver desde uma intimidação verbal ou uma cantada, até o motorista se masturbar na frente da vítima, tocá-la ou consumar o estupro.
"Geralmente, as vítimas estão sozinhas no veículo, voltando de uma festa, e o motorista percebe que ela está em uma situação de vulnerabilidade. É interessante que, na medida do possível, a mulher que tenha feito uso de bebida alcoólica evite pegar estes veículos sozinha", recomenda a policial.
Além do perigo dentro dos veículos, algumas mulheres têm medo fazer a denúncia na polícia porque o autor do crime, geralmente, têm acesso ao endereço da casa delas ou de alguém próximo, dependendo do ponto de embarque e desembarque solicitado.
Após uma experiência traumática, a empresária Thaís*, de 28 anos, aboliu o uso de aplicativos de mobilidade há cerca de dois anos e passou a usar somente o serviço de cooperativas de táxi quando precisa se locomover pela cidade.
"Eu estava com um vestido curto e me sentei no banco de trás. O condutor me cumprimentou como se já me conhecesse. Entendi que ele estava sendo apenas simpático e conversei normalmente, até que ele chegou o banco dele pra trás. Neste momento, ele disse que me viu numa casa de swing com uma amiga na noite anterior. Eu rapidamente neguei e disse que ele estava me confundindo. Ele continuou insistindo e, em determinado trecho do trajeto, passou a dirigir muito devagar e falar coisas como 'você não precisa ter vergonha, eu sou super liberal, aceito outros tipos de pagamento'. Fechei a cara e liguei para o meu namorado no viva voz, com quem eu estava indo me encontrar. Fiquei com muito medo depois disso ".
A dançarina Lorena*, de 25 anos, ainda se lembra de quando estava em casa em um domingo e recebeu a visita de um motorista de carro de app. "Estava em casa e minha mãe me disse que meu amigo Luís estava me procurando, mas eu não tenho nenhum amigo com este nome. Passei rapidamente pela janela para ver quem era e me desesperei ao ver um homem desconhecido me procurando pelo nome. Falei pra minha mãe que não podia atender e pedi para ela pegar mais informações. Ela anotou a placa do carro e eu fui pesquisar por curiosidade nos aplicativos que tenho de mobilidade, e vi que era um motorista que tinha feito uma corrida pra mim no mês anterior", lembra.
Depois disso, Lorena passou dois meses sem sair de casa. "Como eu moro muito longe, para sair é sempre com carro de app, e depois que aconteceu isso eu fiquei com muito medo. Hoje eu tomo todas as preocupações quando preciso sair, compartilho minha viagem com alguém e mando minha localização atual", relata.
Mecanismos de defesa
Muitas mulheres que já foram vítimas acabaram encontrando como meio de se protegerem armas de defesa pessoal. A loja virtual Self Defense Women de BH, por exemplo, que surgiu há cerca de quatro meses e comercializa produtos como spray de pimenta, chaveiro-alarme, armas de choque e soco inglês, viu suas vendas crescerem cerca de 10% em dezembro em relação a novembro.
"As pessoas estão procurando se proteger. Há uma procura muito grande por parte das mulheres e dos LGBT's. Acho que é porque, depois das eleições, as pessoas intolerantes pararam de ter vergonha de mostrar os seus preconceitos e escancaram o deboche ao movimento feminista", aponta.
A motivação para criar a loja partiu de uma experiência pessoal da fundadora do negócio, que pediu para não ter o nome publicado. "Eu era contra artigos de defesa pessoal porque achava violento. Até que eu e minhas amigas sofrermos uma situação bem desagradável no Centro da cidade. Era um feriado e tínhamos combinado de almoçar em um restaurante da região, mas estava fechado. Fomos procurar outro lugar para comer e um rapaz começou a nos seguir e passou a chegar muito perto, nos abraçar, até que eu falei pra ele não encostar. Aí ele respondeu que adorava mulher brava. Nós sentimos muito medo e depois disso desistimos de almoçar por ali. E isso foi de dia, no horário de almoço, em pleno Centro da cidade", lembra.
O que dizem as operadoras
A reportagem entrou em contato com as três principais operadoras de aplicativos de mobilidade em Belo Horizonte para saber qual o procedimento adotado em casos como este. A Cabify informou que solicita que todos relatem qualquer situação atípica e suspeita para a central de atendimento da Cabify, disponível 24 horas nos 7 dias de semana. "Além disso, também buscamos contatar e ouvir todos os envolvidos para entender o ocorrido ao ter conhecimento dos casos. Assim, podemos realizar as ações cabíveis, inclusive eventual suspensão ou bloqueio do motorista parceiro".
A operadora também respondeu que "disponibiliza o botão de segurança que está facilmente acessível para os passageiros durante toda a viagem no mapa da corrida, sendo exibida na lateral direita do aplicativo. Caso o passageiro se encontre em uma situação de emergência, ele pode entrar em contato direto com as autoridades policiais locais ao clicar no SOS. A empresa reforça que este recurso deve ser utilizado apenas para relatar incidentes relacionados à segurança do passageiro ou do motorista parceiro".
A 99 também informou que mantém o botão de segurança para que os passageiros possam ligar automaticamente para a polícia em caso de emergência, e que verifica o histórico público dos motoristas a partir de documentos como CPF, CNH e licenciamento. "Na 99, qualquer comportamento inadequado pode ser denunciado à Central de Segurança pelo telefone 0800-888-8999, que oferece auxílio imediato e apoio emocional. A ajuda pode incluir o envio de um carro em ocorrências em que a vítima se encontre em um local isolado, por exemplo", informou ainda, por meio de nota.
Já a Uber respondeu que adota medidas de segurança em todas as fases da viagem e que "qualquer acontecimento indesejado reportado pelo canal de ajuda do aplicativo é analisado e pode levar ao desligamento do usuário ou do motorista parceiro da plataforma se houver infração ao Código de Conduta da Comunidade. Em casos mais sérios, é importante também que a vítima faça um Boletim de Ocorrência, para que os órgãos competentes tenham ciência do ocorrido e possam tomar as medidas cabíveis. A Uber sempre permanece à disposição das autoridades para colaborar no curso de investigações, observada a legislação brasileira aplicável".
*Os nomes verdadeiros foram omitidos a pedido das vítimas.
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