Foto: Wilton Júnior/Estadão
O candidato Jair Bolsonaro (PSL) sorri após votar no Rio de Janeiro, na manhã deste domingo
Havia 73 anos o Brasil não escolhia pelo voto direto um militar
para ocupar a Presidência da República. Jair Bolsonaro (PSL) é o
terceiro oficial do Exército brasileiro a obter assim o cargo. Antes
dele, apenas Hermes da Fonseca (1910) e Eurico Gaspar Dutra (1945) o
haviam conquistado. A chegada do capitão, classificado em 69.º na Arma
de Artilharia da turma de 1977 da Academia Militar da Agulhas Negras
(Aman), reacendeu nos oficiais-generais das três Forças e em
pesquisadores acadêmicos temores da volta da política partidária para os
quartéis, um dos componentes da instabilidade que marcou a República da
proclamação, em 1889, ao fim do regime inaugurado em 1964 com a
deposição de João Goulart. Eis uma das razões pelas quais generais
ouvidos pelo Estado – da ativa e da reserva – afirmaram que a
administração Bolsonaro não significa a volta dos militares ao poder. “O
Exército como instituição não teve candidato. Bolsonaro tem a simpatia
de militares pelos valores que representa”, diz o general Luiz Gonzaga
Schroeder Lessa. A fala de Lessa, ex-presidente do Clube Militar, é
repetida na ativa. Na quarta-feira, 24, o Alto Comando das Forças
Armadas discutiu o significado da eleição de Bolsonaro para a Marinha, o
Exército e a Aeronáutica. “Para nós ele é um civil, político há 30
anos, que tem um passado militar”, disse um dos generais participantes
do encontro. Para ele, a história mostrou que a política partidária nos
quartéis não é “saudável”. Lessa concorda: “Vivi momentos difíceis na
minha vida militar por causa disso”. O afastamento dos militares da
política foi um processo iniciado no governo de Castelo Branco
(1964-1967). Ele fez reformas nas carreiras castrenses que aumentaram a
profissionalização das Forças. A ditadura, como um regime de crise,
lutou com um dos principais conflitos institucionais da República: a
autonomia relativa do Poder Militar em relação ao Poder Civil. De 1889 a
1985, a subordinação do primeiro ao segundo foi questionada por
incontáveis manifestos e dezenas de revoltas, golpes e contragolpes
militares. “Esta é uma linha comum a todo esse período republicano”,
disse o historiador Sérgio Murilo Pinto, autor de Exército e Política no
Brasil. As reformas de Castelo e o fim da guerra fria contribuíram para
que, após a redemocratização, em 1985, pela primeira vez na República, o
País vivesse um período de mais de 30 anos sem movimentos militares. “O
que nos manteve afastados da política após a chamada ‘volta aos
quartéis’ foi o profissionalismo da Força. Quando a política entra no
quartel, a instituição perde a identidade e a credibilidade”, diz um dos
generais do Comando Militar do Leste. A figura de Bolsonaro – ligada
aos militares – cria para os generais ainda o desafio de não permitir
que percalços do futuro governo afetem a imagem das Forças. “Isso nos
preocupa”, diz Lessa. Para um almirante, Bolsonaro se cercou de “bons
nomes retirados do generalato e que estão trabalhando nos programas
prioritários setoriais – mas isso é diferente de governar”. Na
Aeronáutica, um ex-membro do Alto Comando lembra que o compromisso do
setor tem “como fundamento a missão com o Estado, definida na
Constituição”. Para o cientista político Eliezer Rizzo de Oliveira há
risco de a política partidária voltar aos quartéis. “Há diferença entre
um governo com militares e um governo militar. Mas temos uma situação
nova, que é o surgimento de uma liderança carismática (Bolsonaro).” Para
ele, essa situação pode multiplicar lealdades e alternativas, com o
surgimento de novas candidaturas militares de forma semelhante ao fim da
Era Vargas (1930-1945), quando a política dividiu as Forças Armadas nas
candidaturas de Dutra (PSD) e do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). As
Forças Armadas ficaram divididas até o golpe de 1964. “O Exército atuava
para não permitir que a política tomasse rumos contrários ao que ele
pensava sobre o País”, diz Murilo Pinto. Em 1988, tentou-se subordinar o
Poder Militar ao Civil na Constituição, condicionando a ação deste ao
chamado de um dos três Poderes da República. Por fim, a criação do
Ministério da Defesa, em 1999, com a nomeação de civis para a pasta,
acentuou o afastamento dos militares da política. “Mas é um erro pensar
que eles, desde então, não faziam mais política. Faziam sim. E muita.
Apenas não faziam política partidária”, diz Rizzo de Oliveira.
Estadão Conteúdo
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