"Lula é a força em
função da qual todos os atores políticos se organizam: a âncora de
previsibilidade eleitoral, que confere memória à disputa e interdita
brechas à ascensão de outsiders". Artigo de Carlos Andreazza, publicado
no jornal O Globo:
Leio com perplexidade
análises que projetam no dia 24 de janeiro — data estabelecida para o
julgamento de Lula em segunda instância — a solução do problema em que
consiste o ex-presidente. Problema que, diga-se, a parcela do Brasil
que, por exemplo, beatificou Cármen Lúcia criou (recriou) para todo o
país, ao endossar bovinamente o enredo — escrito por Janot e seus
meninos, e editado por Fachin — que criminalizou a atividade política e
que, afinal, igualou a ação corrupta de grupos em busca de
enriquecimento individual ao projeto autoritário de assalto ao Estado
para permanência no poder, de captura da máquina pública para financiar a
estrutura do partido, promovido pelo PT.
Deu no que deu.
Se rastejam todos os
políticos na mesma lama, ora: aí se revitaliza aquele do qual o
brasileiro se lembra, aquele experimentado, sob cujo governo — dane-se
que origem da crise em que ainda nos afogamos — havia emprego e crédito
fartos etc. Se são todos igualmente bandidos, Lula é o mais antigo e
conhecido — espécie de segurança na hora de escolher um entre os
marginais. Para ele, a lama é medicinal.
E aí?
O homem, carta fora
do baralho em 2016, é hoje o melhor produto do jacobinismo de extração
janotista, reerguido pela sanha dos justiceiros cuja estupidez agora faz
de um Roberto Barroso — o Gilmar do mensalão — o herói na luta contra a
impunidade. Parabéns! Essa é a caça às bruxas em decorrência da qual
Lula ganhou de presente um discurso até para falar novamente em golpe: o
de que derrubaram o governo popular para pôr no lugar um — segundo a
narrativa da facção mais influente do Ministério Público — ainda mais
criminoso.
Com esse texto sob
medida para palanque, e com a fibra político-eleitoral que a ideia de
resistência vende, ademais num ambiente conflagrado por tática desenhada
pelo próprio “perseguido”, como supor que mais um julgamento — não
importa em que instância — possa frear uma campanha que há meses testa
limites e prospera? Como, aliás, não supor que a provável nova
condenação não seja mais combustível à estratégia — fundamentada em
vitimização e politização das ações judiciais — que o ex-presidente
concebeu para si?
Faz tempo que o
“problema Lula” deixou de ser matéria de tribunal. Daí meu assombro ante
a expectativa de que a decisão de 24 de janeiro possa significar revés
para o ex-presidente; de que a chancela do TRF-4 à sua condenação por
Moro tenha a mais mínima chance de tirá-lo do jogo e clarear o tabuleiro
de 2018. É como se não fosse talvez mesmo o oposto: mais uma etapa no
projeto de judicialização do processo eleitoral, esse em que Lula
investe para tentar se impor formalização de candidatura adentro, mas do
qual sairá candidato mesmo que não possa ser.
Alguém duvida de que
já nos confinamos a um pleito em que porção relevante do eleitorado —
tanto maior quanto mais próximo do dia 7 de outubro Lula for impedido de
disputar — votará em desagravo a um cidadão legalmente culpado? De que a
eleição do próximo presidente será em parte um plebiscito sobre a tal
injustiça cometida contra Lula?
Este é o Brasil: país
em que um indivíduo condenado pela Justiça lidera todas as pesquisas,
sujeito cuja eventual (improvável) prisão representaria força eleitoral
poderosa a ponto de lhe recuperar a capacidade de transferir votos como
para Dilma Rousseff. Eis um ponto relevante — a força de Lula para
levantar outro poste. As mesmas pesquisas indicam que — embora ainda
considerável — já não é a mesma. É verdade. Mas verdadeiro também é que,
uma vez sem Lula, o PT não terá candidato — a ser de todo construído —
como Dilma. Jaques Wagner, por exemplo. Um político profissional, que
governou a Bahia por dois mandatos e cuja proeminência eleitoral no
Nordeste pode compensar fração da perda de alcance do ex-presidente para
terceirizar votos. Que o leitor não se iluda: o candidato do PT — Lula
ou não — estará no segundo turno. Lula ou não, Lula será.
Há mais a ser considerado.
Não são poucos os
agentes políticos — inclusive adversários — que torcem (trabalham) por
Lula em 2018. Não para que vença a eleição (se acontecer, porém,
paciência); mas a que chegue a outubro livre para disputá-la. O que está
na mesa é a conservação do sistema; circunstância em que pouco
interessará a saúde do país. Convém atentar para a agenda tanto do STF —
principal garantidor da insegurança jurídica no Brasil — quanto do TSE.
Não é só a presumível revisão da jurisprudência que hoje autoriza o
cumprimento de pena após condenação em segunda instância; mas também a
possibilidade de que se afrouxem os critérios de inelegibilidade
definidos na lei da Ficha Limpa.
Lula é a força em
função da qual todos os atores políticos se organizam: a âncora de
previsibilidade eleitoral, que confere memória à disputa e interdita
brechas à ascensão de outsiders. Mas não somente; pois também é o
termômetro que afere a temperatura da Lava-Jato. O cálculo sobre sua
sobrevivência é ciência exata: se, com tudo que corre contra si,
condenado em primeira instância, sentença virtualmente confirmada em
segunda, sujeito a ser ainda (provavelmente neste ano) apenado no
processo relativo ao sítio de Atibaia, conseguir concorrer à
Presidência, terá sido porque a operação fracassou. O raciocínio
consequente é óbvio: se ele — ainda que derrotado nas urnas — vencer,
ninguém mais cairá.
Lula é o indulto de Natal do establishment projetado para 2018.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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