Lula fingirá redigir nova "carta ao povo", mas só a endereçará aos bobos. Artigo de Marcos Troyjo, via Augusto Nunes:
O objetivo desta
coluna é perguntar se você é um bobo brasileiro. Antes, porém, veja se
já leu ou ouviu estas palavras em algum lugar:
“O Brasil quer mudar.
Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o
desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justiça social que
tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de
encerrar o atual ciclo econômico e político”.
Tais frases resumem muito do que estamos sentindo agora, não é mesmo?
Bem, estes são os
períodos iniciais da famosa “Carta ao povo brasileiro”, lida pelo então
candidato Luiz Inácio Lula da Silva em 22 de junho de 2002.
Pouco adiante, a
“Carta” enfatiza: “Nosso povo constata com pesar e indignação que a
economia não cresceu e está muito mais vulnerável, a soberania do país
ficou em grande parte comprometida, a corrupção continua alta e,
principalmente, a crise social e a insegurança tornaram-se
assustadoras”.
Era o tempo do
risco-país a 2.500 pontos, num Brasil, segundo o outrora mítico Alan
Greenspan, sobre o qual pairava “um problema 100% político”.
Com a “Carta”, Lula e
PT ganharam crédito da comunidade financeira internacional, do
empresariado nacional, da opinião pública. Durante boa parte de seu
período no Planalto, Lula terceirizou parcela importante da gestão
macroeconômica, ainda que com presença não meramente nominal do
companheiro Antonio Palocci.
Em sua missiva de
2002, Lula apontava “o caminho da reforma tributária, que desonere a
produção”. Indicava ainda a importância da “reforma previdenciária, da
reforma trabalhista”. Defendia a “redução de nossa vulnerabilidade
externa”.
Nenhuma das aspas acima é inventada. Todas reproduzem ipsis litteris, os termos da “Carta”.
Lula e seu partido
prometiam aderir aos princípios de responsabilidade fiscal e metas de
inflação. Contratos seriam honrados; as dívidas do país, pagas. Uma nova
política industrial baseada no sacrossanto conceito de “conteúdo local”
surgiria.
Muitas das medidas
econômicas e sociais implementadas por Lula e Dilma, na contramão do que
pregava a “Carta”, pareciam dar resultado. O Brasil beneficiou-se com o
‘boom’ mundial de commodities. Alguns poucos empresários
refestelaram-se com linhas de crédito privilegiadas oferecidas por
bancos oficiais para promover empresas “campeãs nacionais”.
Fluxos de
investimento estrangeiro direto (IED) transcorreram intensamente — nem
sempre pelas melhores razões — para estabelecer produção local e, assim,
tirar proveito de um mercado interno superprotegido. Incentivos fiscais
para fabricantes de automóveis ou eletrodomésticos hipertrofiaram-se.
Diante desse quadro,
as reformas estruturais foram esquecidas ao longo do caminho. O modelo
econômico adotado por Lula-Dilma foi crescentemente se distanciando da
“Carta”.
Privilegiar consumo
em vez de investimentos, políticas setoriais em vez de horizontais, e
mercado interno em vez de comércio global não produziu mil maravilhas. O
“nacional-desenvolvimentismo” manteve o país intocado na armadilha da
renda média.
Ler a “Carta” de 2002 e compará-la aos resultados de 13 anos do PT na Presidência ou à atual pregação do partido é chocante.
As reformas estruturais, à época concebidas como imprescindíveis, hoje são combatidas pelo PT como parte de uma agenda golpista.
A “Carta” defendia
crescimento, mas em 2015, último ano inteiro do PT no poder, a fatia que
o PIB brasileiro ocupava da economia mundial mantinha-se igual à de
2002: apenas cerca de 2,9%.
Quanto a
“vulnerabilidade externa”, o legado da prática petista é uma indústria
brasileira mais acanhada, pouco competitiva e, destaque-se, mais
desnacionalizada.
O baixo crescimento e
instabilidade macroeconômica resultantes das administrações petistas
favoreceram um dramático processo de fusões & aquisições por parte
de conglomerados estrangeiros que se servem do pequeno valor comparativo
dos ativos empresariais brasileiros.
No âmbito dos
investimentos, o PT também deixou o Brasil mais “neodependente”. O
Brasil carece de liquidez de curto prazo para a melhoria da situação
fiscal bem como de IEDs.
As administrações
Lula-Dilma nada fizeram para apreciar nossa parca capacidade endógena de
poupar e investir —baixa ainda se comparada à de outras nações em
desenvolvimento.
Um país marcadamente
mais dependente do mundo, ao contrário do imaginado projeto “soberano”
de expansão econômica e inserção global, é o que nos foi entregue.
E o que dizer do
nível e sistematização da corrupção, que há 16 anos a “Carta”
pudicamente enxergava como “alta”? Ou ainda da “crise social” e da
“insegurança”, que o PT então classificava como “assustadoras.”
Rousseau dizia que
Maquiavel, fingindo dar lições aos Príncipes, dava grandes lições ao
povo. Lula, em 2002, fingindo comunicar-se com o povo, falava em verdade
ao mercado —os “yuppies, meninos” de então.
Nos próximos dias, Lula fingirá redigir uma carta ao povo. Mas, em verdade, só a endereçará aos bobos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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