"O Estado que oferece
minhocas aos alunos ao seu cuidado é o Estado que não deixa os
consumidores ingerirem mais do que uns poucochinhos de gramas de açúcar
com o café, nem sal com a comida num restaurante". Artigo de Maria João
Marques, publicado pelo Observador:
Comecemos o ano de
2018 agradecendo a Nosso Senhor e aos nossos governantes socialistas
(incluindo os que militam no PSD ou no CDS) o facto de não vivermos na
barbárie. Descrevo barbárie. São os países europeus da EU, com PIB per
capita aí pelo dobro do português, onde ocorrem atos dignos das invasões
vândalas que desmembraram o império romano. Dou um exemplo. Em qualquer
desses países vou tomar um chá no mais insuspeito estabelecimento e sou
bem capaz de terminar com um recipiente cheio de torrões de açúcar
(demasiadas vezes em duplicado, com torrões de açúcar branco e torrões
de açúcar demerara) para me servir quanto quiser.
Como disse, graças a
Nosso Senhor e aos nossos governantes socialistas em Portugal não somos
sujeitos a calamidades destas. Cá, a cada pessoa é fornecido um pacote
pequeno de açúcar, com sorte dois, cuja gramagem é governamentalmente
decidida (e, por patrocínio estatal, tem vindo a decrescer). Tudo
contado, embalado e fora do alcance das mãos pequeninas e cheias de
micróbios das crianças, seres endiabrados que como se sabe têm uma mania
compulsiva de deitar a mão a torrões de açúcar, lambuzá-los ou, pelo
menos, depositar neles doses massivas dos ditos micróbios, tudo antes de
devolver os torrões ao recipiente à espera de contaminar o próximo
cliente.
Felizmente temos
governantes que se preocupam connosco e gastam o dinheiro dos
contribuintes a decidir se os pacotes de açúcar têm cinco gramas de
açúcar ou se podem ser seis. O amor dos nossos governantes pelos seus
súbditos é tão grande que já aumentaram os impostos das bebidas
açucaradas. E proibiram no SNS toda a panóplia de comidas e bebidas que
se vendem nos cafés comuns portugueses. A partir do despacho de 28 de
dezembro último, alguém que vá visitar um familiar num hospital público,
ou que esteja longas horas à espera do fim de um exame ou de uma
operação de um ente querido, e querendo alimentar-se para não desfalecer
no hospital e acrescentar aos trabalhos dos médicos e enfermeiros, pode
ir à zona hospitalar onde se vendem legumes comer, sei lá, um iogurte
magro ou uns talos de aipo.
É especialmente bom
para crianças. Se levar o seu filho a visitar o avô que está muito
doente, pense que os gritos e os açoites que lhe dará quando o petiz (já
transtornado pelo ambiente hospitalar e pela doença do familiar) fizer
birra porque quer um ice tea em vez de um copo de água e um bolo em vez
de uma sanduíche de alface, será por um bem maior: a não ingestão de
açúcar.
Mas corações ao alto,
que se preparam para ir mais longe. Os nossos encantadores governantes
querem tirar os saleiros das mesas dos restaurantes. E dar preferência
aos alimentos biológicos nas compras alimentícias do Estado.
Garanto que não tenho
nada contra os produtos biológicos. Tenho uma certa tendência a
comprá-los também, desde os alimentos ao sabonete líquido para a casa de
banho. Já fui avistada a adquirir roupa de algodão biológica. Sucede
que os produtos biológicos costumam ser mais caros que os de produção
convencional. E as pessoas mais maldosas, que desconfiem que o amor dos
governantes socialistas pelos seus súbditos pode ser menor que infinito,
talvez vejam aqui uma oportunidade para apontar um tudo nada de
hipocrisia.
Afinal é nas cantinas
das escolas públicas que se oferecem aos alunos refeições miseráveis,
fazendo parte do menu minhocas e comida crua (que não sushi). O governo
que não quer gastar dinheiro nos alimentos das cantinas das escolas
públicas é o governo que quer começar a comprar alimentos biológicos,
que são mais caros. O Estado que oferece minhocas aos alunos ao seu
cuidado é o Estado que não deixa os consumidores ingerirem mais do que
uns poucochinhos de gramas de açúcar com o café, nem sal com a comida
num restaurante.
Felizmente que o
Altíssimo dotou os portugueses de pouca desconfiança para com as ações
do poder político e de pouca sensibilidade para notar hipocrisia. É
também por esta tão oportuna característica nacional que um grupo de
agremiações – excluindo o CDS e o PAN –, que nos últimos anos se
dedicaram a aumentar-nos os impostos, se quer atribuir a si próprio uma
isenção total de IVA. Isto num país onde as ditas agremiações, nos
últimos quinze anos, aumentaram a taxa máxima de IVA de 17% para 23%.
Isenção que, não fora
o veto do Presidente da República, se somaria à de IMI de que os
partidos gozam. Afortunadamente somos uns papalvos, porque em nenhum
país de gente com respeito por si própria se aceitaria que as tais
agremiações, que aumentam os impostos sobre a propriedade imobiliária
como se não houvesse amanhã, sob os aplausos dos tolos que querem
castigar ‘os ricos’, acumulassem imóveis isentos de impostos. Para mim, a
sede do PS tem uma vista catita desafogada e boa exposição solar;
certamente merecia um IMI com taxa agravada. E o PCP, grande
proprietário, dono de uma quantidade infinda de imóveis, vai bem lançado
para pagar o adicional do IMI.
Confesso que não vejo
qualquer razão, política ou moral, para os partidos estarem isentos dos
impostos que impõem aos cidadãos. Os partidos são essenciais à
democracia? Certamente. Os cidadãos e os contribuintes também são, bem
como as empresas que lhes dão emprego, todos gerando a riqueza que
sustenta os partidos.
Termino com um desejo
para 2018. Que, mais do que ao açúcar e ao sal em excesso, sejamos
intolerantes com o estado e os partidos exigindo aos cidadãos aquilo que
estas amáveis entidades não estão disponíveis para cumprir.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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