Com o orçamento cada vez mais apertado, jovens, que até então nem trabalhavam e nem estudavam, estão tendo que trabalhar
Esperando para ingressar na faculdade
de Engenharia Civil, Carlos Martins, 18 anos, já não pode mais se dar
ao luxo de dividir o tempo entre a internet e o videogame. Com o pai
desempregado há sete meses e a mãe tendo que arcar com as despesas
domésticas, vendendo cosméticos porta a porta, ele aproveita a
tecnologia para enviar currículos.
“Não dá mais para viver só com o dinheiro de minha
mãe. Tudo está aumentando e meu pai, que tem 46 anos, está com
dificuldade de conseguir uma vaga”, desabafa ele, complementando: “Além
de ajudar em casa e pagar minha coisas, quero estudar”.
Relatos como esse demonstram que a crise funciona
como um freio na chamada geração “nem-nem”, que vive às custas dos pais,
e nem trabalha, nem estuda. A realidade do garoto não é mais uma
exceção. Com a crise pesando no bolso dos brasileiros, os jovens estão
sendo pressionados a ingressar no mercado de trabalho mais cedo.
Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, revelam que o número de pessoas com
idade entre 14 e 24 anos fora da força de trabalho, ou seja, que não
trabalham nem procuram emprego, diminuiu na Bahia no primeiro trimestre
deste ano comparado com o mesmo período de 2014, passando de 1,364
milhão para 1,340 milhão.
Isso
significa dizer que 24 mil pessoas desta faixa etária saíram da zona de
conforto e foram em busca de uma oportunidade de trabalho. Contando os
dias para setembro chegar, Luís Paulo Alves, 16, não consegue mais
controlar a ansiedade e vem exagerando na comida.
A probabilidade de ganhar uns quilinhos a mais nem
de longe parece o incomodar. O motivo? Não é o show da sua banda
favorita, tampouco uma viagem para conhecer os parques da Disney. Mas,
para ele, é como se fosse. Daqui a pouco mais de dois meses, ele
realizará um sonho: trabalhar com carteira assinada. “Sempre quis
trabalhar para ajudar minha mãe”, conta, orgulhoso de ter sido
contratado como menor aprendiz no Centro de Distribuição do Maxxi
Atacado, em Simões Filho.
E essa pressão não atinge apenas os jovens. Os
idosos estão tendo que adiar a aposentadoria ou até mesmo retornar ao
mercado de trabalho para conseguir pagar as contas. O coordenador de
disseminação de informações do IBGE na Bahia, Joilson Rodrigues,
ratifica que essa redução entre as pessoas com idade entre 14 e 24 anos é
impacto do atual quadro econômico.
“A medida que a economia perde dinamismo há uma
pressão, inicialmente psicológica, mas, na sequência, também econômica,
para que esses jovens que não estavam oferecendo sua força de trabalho
passem a buscar uma oportunidade para preservar o orçamento doméstico”,
afirma.
Luís Alves revela que, de um grupo de dez amigos da
mesma faixa etária, quatro já estão trabalhando para ajudar nas despesas
de casa. “No ano passado, só dois trabalhavam”, lembra.
Perfil
O gerente de Recursos Humanos da Tel, empresa de
call center, Rodrigo Neri, diz que histórias como a de Luís Alves e
Carlos Martins são comuns. Ele acredita que o perfil do jovem brasileiro
mudou com a crise: “Hoje, eles não buscam trabalho apenas para ter
dinheiro para comprar a roupa da moda e bancar as festas. O motivo, na
maioria das vezes, é complementar a renda familiar”.
Segundo o gestor, houve um incremento de 20% no
número de novos currículos recebidos pela companhia baiana, este ano,
comparado com o mesmo período de 2014. “Recebemos entre 3 mil e 5 mil
currículos por mês, destes 70% são de jovens com idade entre 18 e 24
anos”.
Neri revela, ainda, que 80% dos cerca de 10 mil
empregados da companhia, hoje, têm idade entre 18 e 24 anos. Grande
oferta de vagas, área sem restrição de perfil e a não exigência de
experiência são as justificativas dele para o segmento de telemarketing
ser um dos que mais empregam jovens.
Para quem se interessa pelo setor, independente da idade, ele dá uma boa notícia: “Ofertamos pelo menos 400 vagas por mês”.
A
psicóloga do SineBahia Jocelina Badaró informa que, além do segmento de
telemarketing, atividade do comércio que trabalha com atendimento ao
público costuma dar mais oportunidade aos mais novos. “O jovem tem um
perfil mais dinâmico. Por isso, eles são mais requisitados para as lojas
de departamento e área de informática, por exemplo”. Ela diz que, se de
um lado falta experiência por causa da idade, por outro, os mais jovens
esbanjam vontade de aprender e ainda têm a capacidade de assumir
multitarefas.
Falta de qualificação dificulta mais a vida dos jovens
Diante de um mercado cada vez mais enxuto e
exigente, a situação dos jovens que integravam ou ainda fazem parte da
geração “nem-nem”, que nem estuda e nem trabalha, ficou ainda mais
delicada. Diante do atual cenário econômico, com o número de
desempregados crescendo mês a mês, sem qualificação, a probabilidade de
obter um posto de trabalho cai.
De acordo com a psicóloga do SineBahia Jocelina
Badaró, a postura comportamental conta na entrevista de emprego, mas o
principal problema dos candidatos de menos idade, hoje, é a falta de
qualificação. No entanto, ela reconhece que, além de procurar emprego,
muitos jovens procuram se qualificar.
“Às vezes não damos conta de que muitos deles
precisam do trabalho para bancar a qualificação”, pondera ela. E, diante
dos dados dos números da Escola Social do Varejo (ESV) - programa do
Instituto Walmart - em Salvador, parece que muitos da geração “nem-nem”
já se deram conta do cenário nebuloso e estão querendo correr atrás do
prejuízo.
De acordo com a gerente da ESV, Adriana Mariano, no
ano passado, eram 1,25 candidatos por cada vaga do curso gratuito
oferecido pela entidade. Este ano, no primeiro semestre, essa
concorrência subiu para 1,8. “Os jovens, hoje, não estão preocupados só
em começar a trabalhar mais cedo, mas também em ingressar com
qualificação. Afinal, eles sabem que isso também interfere na
remuneração”, analisa ela.
Fundada em 2010, a ESV oferece cursos gratuitos para
pessoas com idade entre 17 a 24 com conteúdos, vivências e práticas em
três áreas: Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS), Contexto das
Relações do Varejo (CRV) e Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC).
Os interessados em realizar o treinamento, que tem duração de 300 horas, podem se candidatar pelo e-mail esv.maxxiatacados@gmail.com ou
presencialmente no Maxxi Atacados Pau da Lima (Rua Pastor José
Guilherme de Moraes, 91) até 25 de julho. São 100 vagas. Mais
informações no telefone (71) 3709-2355.
Nenhum comentário:
Postar um comentário