Nem os analistas políticos mais pessimistas ousariam dizer tal coisa. 2014 chegou e provou que Regina Duarte estava mais certa do que seus detratores.
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Voltemos ao ano de 2002. Lula, o três
vezes não foi dessa vez, finalmente aparece na frente das pesquisas. Os
mercados se assustam, visto que há apenas uma década o mesmíssimo Lula
pregava um tal “socialismo democrático” em seus debates.
Com Paulo Francis e José Guilherme
Merquior tendo passado dessa para uma melhor, resta a Diogo Mainardi,
“praticamente” sozinho (id est, sozinho) criticar a euforia com
Lula – que ao contrário do que dizem, toma conta da Rede Globo, da
Folha de S. Paulo, da tal “classe média” (àquela época ainda chamada
“burguesia”). Reinaldo Azevedo ainda escrevia para a então melhor
revista do país, mas comercialmente fracote, Primeira Leitura.
De repente, algum analista anti-PT faz
um prognóstico: “Lula, um dia, ainda trará Copa das Confederações,
Olimpíada e Copa do Mundo para o Brasil, e o país do futebol não vai
ligar para a Copa do Mundo em seu solo, de tão insatisfeito com a
corrupção e a má gestão”.
Encerrem abruptamente a trilha sonora,
rebobinem a fita, tela preta. Nem Mainardi, nem Azevedo, nem Olavo de
Carvalho nem nenhum pessimista catastrofista reginaduartista ousaria
dizer uma coisa dessas. São todos contra o PT, mas sem exagero. Futebol é
a religião oficial do Brasil, defendida por verdadeiros ayatollahs
que literalmente matam e morrem em nome de sua crença. Podem falar mal
do PT, mas não falem uma besteira dessas – seria um pessimismo tão
extremista e radicalóide que nem os mais empedernidos anti-petistas
levariam a sério. That’s way too much. Sacaneiem o Lula, mas
não digam que o PT seria capaz de fazer o Brasil deixar de ignorar a
política e as eleições por 1 mês e só discutir essas coisas depois da
Copa. Até parece que estaria tão indignado com a corrupção e a
malversação pública assim.
Regina Duarte, Mainardi, Tio Rei, Olavo
ou quem quer que seja, marcado por seus discursos anti-PT, foram
“ridicularizados” (tentou-se, ao menos, embora eles no fim sempre se
mostrassem certos) sem falarem uma coisa dessas. Nem o mais pessimista e
implicante dos comentaristas políticos foi tão longe. O futebol seria
maior do que Lula.
Agora voltemos a 2014 e olhemos pela janela.
Faz sete anos que o lobby de
Lula deu certo e o Brasil foi “escolhido” para sediar a Copa de 2014. Um
ano antes, graças às jornadas de junho que coincidiram (na verdade,
foram forçadas a coincidir) com a Copa das Confederações, ouviu-se as
primeiras reclamações fora da imprensa especializada e dos comentaristas
ligados à tendência do ceticismo político (o dogma de não confiar em
políticos, em propaganda política, em grandes planos centralizadores e
impostos para serem bem geridos para o “social” por… políticos).
Entretanto, nem os mais alarmistas
pensariam que o país do futebol iria deixar de deixar tudo de lado por
causa de futebol logo com a Copa do Mundo no quintal. Que não iria se
animar com o jogo da seleção – logo o país que é acusado de ser patriota
apenas em Copa do Mundo, e não nas urnas.
Mas é isso o que vemos nas ruas. O PT
conseguiu tornar o grande prazer do brasileiro em motivo de vergonha. Em
algo a se lamentar. Nem mesmo os piores políticos não-petistas do país –
Maluf, Collor, Sarney – todos no colo do petismo, por perceberem as
vantagens de um partido que apenas quer enriquecer – teriam conseguido
tal façanha.
O exímio escritor David Foster Wallace,
em seu discurso de paraninfo “Isto é água”, transformado em ensaio,
narra a história de dois peixinhos que nadam pelo oceano, quando um
peixão cruza seu caminho e lhes diz: ”E aí, rapazes, como vai a água?”
Quando o peixão vai embora, um peixinho diz ao outro: “Água? O que
diabos é isso?”
Estamos já há alguns meses desencantados
em massa com a Copa. Todavia, perceber o que está diante de nossos
narizes o tempo todo – o que significa essa insatisfação – muitas vezes
permanece tão misteriosamente oculto quanto a água dos peixes no oceano.
Bairros
da periferia costumavam pintar as ruas com bandeiras nacionais, slogans
e bolas na rede. Crianças pediam dinheiro para a tinta de porta em
porta, mesmo quando a Copa era no Japão e na Coréia: o país inteiro
acordava de madrugada para ver um espetáculo.
As casas todas vibravam com verde e
amarelo. Nas escolas, até aulas de Matemática envolviam futebol.
Aprendia-se História citando-se os países da Copa. Mandela foi a grande
figura estudada na Copa de 2010, como aprendia-se Revolução Francesa
citando-se os monumentos que passavam na TV na Copa de 1998.
Havia um único assunto nas ruas: a
escalação da seleção. Todos pareciam conhecer em detalhes íntimos craque
por craque do time. Os técnicos eram mais xingados do que os juízes por
suas escalações impopulares. Romário quase ficou fora da Copa de 94 e o
líder do campeonato mundial são-paulino Raí, de capitão foi pro banco
depois da primeira fase. O técnico Parreira era mais xingado do que
político corrupto. Nem ter levado o título sob uma chuva de críticas,
todavia, o fez ser perdoado na Copa de 2006.
Agora andamos pelas ruas, depois de muita gente comemorar uma Copa no Brasil, e não vemos uma única criança com camiseta da seleção.
Nenhuma casa pintada. Nas lojas, algumas timidíssimas fitinhas verdes e
amarelas, as atendentes com camisas amarelas sem muita referência à
seleção. Parece que apenas o setor de turismo lucrou com a Copa – nem o
de brinquedos, nem o de roupas, nem nada.
Não se viu até o momento uma única
conversa de bar discutindo quem é o melhor atacante para a Copa. Se o
goleiro corre o risco de cometer novamente um frango histórico ou não.
Se veremos um jogo bonito. Se há risco de a final ser contra a Argentina
num Maracanã lotado. Se a Alemanha ou a Espanha estão mais preparadas
para serem o principal adversário.
Corremos um risco bizarro de ver o primeiro gol do Brasil e não ouvirmos fogos.
Andamos tão insatisfeitos com a Copa que
não percebemos o que é essa “água” ao redor de nós. O que significa, de
fato, o país do futebol estar mais insatisfeito com a gestão petista do
que feliz com uma Copa do Mundo? Não falamos de um país com grandes
preocupações intelectuais e morais, mas de um país que nunca viu
problema em garantir que só pensa em eleição depois da Copa.
Imagine-se
algum republicano na América dizendo que Barack Obama é tão ruim que
ninguém vai ligar para o Superbowl (e olha que o Superbowl é nacional,
já que os americanos parecem não gostar de nenhum esporte em que tenham
concorrência internacional). Seria ridicularizado, como por anos se fez
piada com Sarah Palin por dizer que via Putin invadindo a Ucrânia dali a
alguns anos (quem está rindo agora?). Todo o globo o consideraria um redneck fanático e cego, não alguém capaz de lidar com o país.
E imagine se os americanos achassem mesmo que
o governo está tão ruim que nem com uma das melhores escalações, com
rios de dinheiro, com finalmente um estádio caríssimo dado quase de
presente a um dos clubes mais populares do país e tudo o mais e ainda a
América se desinteressasse pelo Superbowl?
E não falamos apenas de jovens de
faculdades de Humanas cada vez mais transformadas em ativismo e pregação
política, mas um sentimento geral, que vai até a aposentados cansados
buscando apenas uma diversão coletiva (a única de linguagem
transmissível pelo país inteiro).
Ao invés de falar de alienação e fingir
uma oposição entre o futebol “não-crítico” e a mentalidade politizada
(ou seja, que acredita em propaganda partidária em faculdades), pense em
qual a grande felicidade para um povo sofrido, que quer se sentir o
melhor do mundo pelo menos em sua torcida.
E por que não se maravilhar com o
espetáculo? Nem todos os artistas podem se sentir culpados da falta de
crítica de seu público. São os melhores atletas do planeta em seu campo,
competindo entre si numa escalada de tensão que raras pessoas conseguem
aguentar. Podem ganhar rios de dinheiro, mas fazem o seu trabalho bem
para isso (é o público que paga pelo seu salário, e não políticos
tomando dinheiro do povo sem pedir licença, com poucas exceções). É algo
tão tecnicamente surpreendente que não deveria passar incólume. Mas
corre o risco de ser ignorado, por culpa do PT.
Não fosse o PT e seus planos faraônicos,
seu vezo em “defender estatais” apenas para usá-las como cabidão de
empregos não-produtivos para a companheirada e método para encher os
bolsos com o dinheiro do povo “legalmente”, sem precisar explicar que
foi Caixa 2 ou que todo mundo faz isso (e ainda dizer que estão
defendendo “a empresa do povo, de que o país inteiro se orgulha”), será
que sem isso haveria desencanto com a Copa?
E lembremos que o plano original era ter uma Copa em dezessete estádios
pelo país (um país quase do tamanho da América, o quinto maior país do
mundo). Que Lula garantiu em 2010 que, se o Brasil não estivesse pronto
para a Copa, voltaria a nado para a África.
Você
já foi para Manaus? (caso seja da região Norte, responda se já foi a
Porto Alegre.) É uma viagem quase intercontinental, uma distância que
poucos europeus enfrentam. Mas foi lá o PT e, da mesma forma que as
empresas estatais criadas na ditadura (com projetos ridículos como a
Transamazônica), gastou dinheiro do povo para colocar um estádio em
Manaus. Mesmo em Brasília, o estádio Mané Garrincha tem capacidade para
72 mil pessoas. A média de platéia de um jogo na capital federal costuma
ser de 5 mil.
Essa Copa foi feita pensando que o
brasileiro viaja assim, atravessando o país, toda hora que dá na telha.
Como se cidades como Cuiabá e Natal fossem grandes megalópoles
preparadíssimas para receber turistas coreanos e bósnios. Os políticos
se esqueceram de que o povo não ganha tanto quanto eles (justamente
porque eles ganham do povo).
Quando Dilma diz que os estrangeiros não
levarão embora o legado da Copa, infelizmente está certa. Gostaríamos
que pagassem e levassem tudo, pedra sobre pedra. Que o dinheiro que
deveria estar no bolso do povo voltasse para o bolso do povo. Mas ela
está feliz, enriquecendo empreiteiras com contratos com o governo que
financiam sua reeleição, enquanto o povo paga por cada grão de areia nos
estádios e ficará com eles empulhando a paisagem, e sem poderem ser
utilizados.
Obrigado, Dilma: o legado da Copa é
menos dinheiro no bolso da dona Josicreide da faxina, mais no bolso dos
empreiteiros que te financiam. Isso nenhum estrangeiro conseguirá
reverter.
O desastre com a Copa está sendo matéria mundial. O excelente portal American Thinker comentou o caso:
Eles ainda estão tentando terminar as
obras para a Copa em Curitiba, Cuiabá e Porto Alegre. Eu por acaso já
mencionei que os jogos começam em três semanas?
Que tal agora organizarmos eventos físicos (não apenas flash mobs falsos
no Facebook) em cada capital litorânea durante a Copa, ali na praia,
para toda a imprensa ver, esperando para ver por qual cidade Lula
voltará a nado? Será o melhor lugar para assistir a Copa e ser
“politizado” ao mesmo tempo. Aguardamos você, Lula! Pode ser o único a
vestir verde e amarelo – quem sabe se sinta um pouco como seu novo
amigo, Fernando Collor.
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