Integrantes da banda Gurizada Fandangueira afirmaram ao MP gaúcho que fogo não foi causado por sinalizadores usados por eles, mas por uma pane em um equipamento da casa
Diego Zanchetta - O Estado de S. Paulo
Evelson de Freitas/AE
Boate tinha apenas uma saída
SANTA
MARIA - Em depoimento dado ao Ministério Público, integrantes da banda
Gurizada Fandangueira afirmaram que o incêndio que matou 231 pessoas na
boate Kiss, em Santa Maria (RS), na madrugada de domingo, 27, não foi
causado por sinalizadores manipulados por eles, mas sim por uma pane
elétrica no equipamento da boate.
"Eles
dizem que o sinalizador era de fogo frio, sem pólvora, que não poderia
incendiar material algum. E que já haviam usado isso em outras
apresentações, inclusive na mesma boate", afirmou a promotora Valeska
Agostini, que cuida do caso com o promotor Joel Oliveira Dutra. Por sua
vez, os donos da boate afirmaram que não haviam autorizado nenhuma
apresentação pirotécnica no local.
O
Ministério Público do Rio Grande do Sul já indica que poderá acusar
Elissandro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, além dos integrantes da banda
Marcelo de Jesus Santos e Luciano Bonilha, pelo crime de homicídio com
dolo eventual - situação em que a pessoa assume o risco de matar alguém,
mesmo não tendo intenção. A pena é de até 12 anos de reclusão em regime
fechado.
Os
quatro, até agora tratados apenas como suspeitos, estão presos
temporariamente em celas isoladas na Penitenciária de Santo Antão, a 15
km de Santa Maria.
Para
os promotores Veruska Agostine e Joel Oliveira Dutra, que cuidam do
caso, é “muito grave” o fato de os donos da boate não terem fornecido à
Polícia Civil imagens do circuito interno de TV e terem retirado antes
da perícia realizada nesta segunda-feira, 28, todos os registros do
caixa central da boate.
A
saída repentina dos quatro suspeitos de Santa Maria também motivou o
pedido de prisão temporária feito pela polícia e aprovado pelo
Ministério Público.
O
chefe da Polícia Civil do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Júnior,
vinha trabalhando com a hipótese de homicídio culposo - quando não há
intenção nem se assume o risco de matar -, cuja pena é de no máximo 5
anos de reclusão. Depois das suspeitas de que as imagens de TV possam
ter sido ocultadas, o policial também passou a trabalhar com a hipótese
de homicídio com dolo eventual.
Contra
os donos da boate também pesa o fato de a boate Kiss não ter saídas de
emergência. Há ainda a suspeita de superlotação da casa no dia da
tragédia.
No
caso dos integrantes da banda, o dolo eventual poderá ser caracterizado
porque os sinalizadores têm uso interno proibido, de acordo com o
Ministério Público.
‘Pena dura’.
O governador gaúcho, Tarso Genro (PT), esteve pela manhã em Santa Maria
para anunciar as prisões. “A pena tem de ser dura para que esse tipo de
tragédia não se repita”, disse.
Os
promotores relataram que os dois proprietários da boate se recusaram a
fornecer imagens do circuito interno de TV sob o argumento de que o
equipamento não funcionava havia dois meses.
O
caixa registrador do estabelecimento também não tinha dados da noite da
tragédia, o que aumentou as suspeitas de superlotação da casa - segundo o
Corpo de Bombeiros, pelo menos 1,5 mil jovens estavam no espaço com
lotação máxima para mil pessoas.
“Nosso
objetivo é fazer uma varredura em relatos de sobreviventes pelas redes
sociais e chamá-los para depor. Só assim vamos conseguir chegar com
precisão aos fatos que se sucederam antes e depois do incêndio”, afirmou
o chefe da polícia gaúcha. “Surgiram muitos obstáculos à investigação
que geraram a necessidade da prisão temporária.”
A
prisão temporária dos quatro tem duração de cinco dias, prorrogáveis por
igual período. A polícia não descarta convocar nos próximos dias
autoridades da Prefeitura de Santa Maria para explicar a falta de
fiscalização e de alvará do estabelecimento. “Estamos no início dos
trabalhos e outras prisões não estão descartadas”, afirmou Marcelo
Angyone, delegado regional responsável pelo caso.
Os
advogados de três dos quatro suspeitos não se manifestaram nesta
segunda. Já Márcio Ciprone, que defende Mauro Hoffmann, diz que seu
cliente não cuidava de “nada referente à fiscalização do local ou à
contratação de bandas” e o gerenciamento da casa era feito por seu
sócio, Elissandro Sphor, que também foi preso. “Ele nunca autorizou uso
de sinalizadores nem contratou banda. Ele era só sócio”, argumentou. “E a
boate não estava ilegal, ela pediu o alvará. Como a licença não foi
concedida, a boate tinha o direito adquirido para seguir funcionando.”
Ciprone
disse que seu cliente saiu da cidade por precaução, com medo da reação
da população. “Ele sempre esteve à disposição da Justiça”, disse.
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