MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 1 de maio de 2012

Entenda como leis traçaram repulsa ao lixo e veto à reutilização em SP


'Lixo foi seguindo o fluxo de exclusão da cidade', diz historiadora.
Pesquisadora diz que catadores foram estigmatizados com legislação.

Luigi Parrini Do G1 SP

Despejo de lixo em chácara, em 1912 (Foto: Arquivo/Prefeitura de São Paulo)Despejo de lixo em chácara, em 1912 (Foto: Arquivo/Prefeitura de São Paulo)
A relação de distanciamento que o paulistano criou com o lixo que produz, transportando o material para lixões distantes das regiões centrais, foi criada há mais de um século. O Código Estadual Sanitário de 1894, foi o primeiro grande conjunto de leis que abordou a destinação dos resíduos sólidos, como o lixo doméstico e o depositado nas vias públicas.
“[O Código] traçou uma geografia do resto na cidade”, define a historiadora Rosana Miziara, autora do livro “Nos rastros dos restos: as trajetórias do lixo na cidade de São Paulo”. O Código estabeleceu mais de 500 artigos sobre procedimentos de higiene e saúde pública e jogou o problema da disposição e tratamento do lixo para os cantos do município, explica a historiadora.
Os lixões entram em funcionamento, e são situados a partir de um raio de dois quilômetros do centro de São Paulo. “Era onde ficavam bois, vacas, pobres, imigrantes. O lixo foi seguindo o fluxo de exclusão da cidade”, afirma.
Essa disposição geográfica deu origem a um problema até hoje presente na gestão do lixo na capital paulista: a dificuldade de transporte dos resíduos para os aterros, na periferia da cidade. “Não há centrais de reciclagem mais próximas aos grandes centros populacionais da cidade, o que mascara o problema”, diz Rosana.
Influenciada pelo Código, a prefeitura privatizou a coleta e a população não pôde mais manipular o lixo e reaproveitá-lo manualmente. As pessoas, a partir de então, deveriam colocar o lixo na rua, e não poderiam armazenar os resíduos nos quintais, apenas em latões galvanizados, conhecidos como poubelles.
A coleta passou a ocorrer em horário regulamentado, sujeitando moradores a multas e proibindo catadores paralelos de lixo, que adquiriram uma condição de ilegalidade e estigmatização, que persiste até hoje. “Os imigrantes (que faziam a maior parte desse trabalho) começaram a ser perseguidos e proibidos”, explica a historiadora.
Rosana enxerga, no processo de regulamentação e de evolução técnica da coleta, um incentivo ao aumento de produção de resíduos e a imposição de uma superioridade moral de quem se distancia do lixo, desestimulando formas de reutilização dos resíduos antes do descarte.
A historiadora cita como exemplo de incentivo a essa mentalidade uma campanha publicitária federal de 1972, estrelada por um personagem chamado Sujismundo. O homem era simpático, mas andava jogando lixo pelas ruas, acusado pelo narrador de não respeitar o bem comum. Na peça, ele tropeça e cai dentro de uma lata de lixo. O narrador termina a propaganda com o slogan “Será que agora ele vai aprender? Povo desenvolvido é povo limpo”.
Soluções
A prefeitura de São Paulo, ao longo do século XX, tentou implantar soluções para tornar mais eficiente a coleta e diminuir o impacto do lixo na poluição da cidade. Incineradores começaram a ser usados em 1905 e foram abandonados em 2002, com a desativação do incinerador Vergueiro. Na década de 1920, foram criadas estações zimotérmicas, onde o lixo era fermentado e reaproveitado como composto orgânico.
No começo da década de 1970, as latas foram trocadas por sacolas plásticas, os carros de tração animal foram aposentados e usinas de compostagem, versões atualizadas das estações zimotérmicas, foram colocadas em atividade, assim como as estações de transbordo, intermediárias entre as residências e os aterros sanitários. O primeiro aterro foi inaugurado em 1927, às margens do rio Tietê, substituindo os lixões Anhanguera, na Barra Funda (Zona Oeste), e Quarta Parada, no Belenzinho (Zona Leste).
Para Rosana Miziara, uma mudança de mentalidade, porém, é fundamental para aumentar o aproveitamento dos resíduos sólidos da cidade e diminuir o impacto ambiental do descarte de lixo pela população. “Não vejo nenhuma campanha para a conscientização sobre o lixo. Sempre se culpa a pessoa. Faltam campanhas educativas em que a população seja conclamada a participar do aproveitamento dos resíduos”, diz a historiadora, que também aponta a necessidade de a indústria se responsabilizar pela produção e recolhimento do lixo.

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