Clima seco torna as plantas capazes de sobreviver sem chuva.
Os agricultores tentam produzir alimentos sem devastar o sertão nordestino.
Conheça dois assentamentos da reforma agrária, onde os agricultores estão aprendendo um novo jeito de produzir no semiárido. O assentamento Boa Vista tem 1.400 hectares, onde vivem 38 famílias. Quando os primeiros moradores chegaram, há 11 anos, a vida não era fácil. Como a maioria dos assentados, no começo José da Silva lidava com roçado no tempo da chuva e criava algumas vacas de leite. Como a renda era pequena, ele teve que procurar trabalho fora.
A vida dos agricultores ganhou nova perspectiva com a chegada do projeto Dom Hélder Câmara ao assentamento, parceria do Ministério do Desenvolvimento Agrário com a ONU. “É um projeto de assessoria técnica, onde as pessoas podem reverter e melhorar a qualidade de vida no campo produtivo, social e também se inserir no mercado diferenciado”, conta Fábio Santiago, agrônomo do projeto.
Os técnicos do projeto aplicaram o conceito da agroecologia. “A ideia é fazer com que os conhecimentos tradicional e científico se encontrem e assim ter cada vez mais uma capacidade de convivência com as características da região semiárida”, explica Felipe Jalfim, coordenador do projeto.
A ideia é juntar tecnologia com a experiência dos agricultores e formar estoques de água, de alimentos, de forragem com sustentabilidade, sem destruir o meio ambiente. Assim, oito assentados decidiram trocar vacas por cabras leiteiras.
Os criadores do assentamento entraram no programa de merenda escolar do estado do Ceará, que compra todo o leite. José Cabral e a mulher Lurdes estão animados com a atividade. O rebanho deles ainda é pequeno, tem apenas seis matrizes. Mesmo com pouco leite, Lurdes decidiu começar um novo negócio: a produção de queijo de cabra.
As cabras passam o dia na caatinga, de onde vem o grosso da alimentação do rebanho. As vacas não sumiram do assentamento, mas o rebanho diminuiu bastante. Hoje, não passam de 140 cabeças.
Para o agricultor Ismael Mendes, as vacas têm outra utilidade: produzir esterco. Com a produção do dia no carrinho, Ismael segue para casa, vai alimentar um biodigestor instalado no quintal.
O esterco é misturado com água e carreado para dentro do biodigestor. O processo de fermentação produz o gás.
O gás segue direto para cozinha e Iraci garante que funciona bem. Além de trazer economia, o biodigestor é ecológico. “Ele deixa de desmatar a caatinga utilizando o gás metano, que é o gás produzido com biodigestor”, explica Felipe Jalfim.
A nova aposta dos assentados para aumentar a renda sem agredir o meio ambiente é o turismo rural. Uma das formas que o pessoal encontrou para melhorar a renda das famílias sem ter que avançar sobre novas áreas de caatinga, foi a instalação de uma pousada rural. Belos cenários, banho de açude e comidinha caseira são alguns dos atrativos da pousada, administrada pelos próprios assentados.
Outra comunidade que trabalha com o projeto Dom Helder Câmara no sistema de agroecologia desde 2003 é o assentamento Moacir Lucena, que fica na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte.
Em 700 hectares vivem 26 famílias. A maioria dos moradores trabalhava como meeiro na antiga fazenda de algodão, que foi desapropriada para dar lugar ao assentamento.
Hoje, Irapuã Gomes é presidente da Associação dos Moradores do Assentamento e conta que, para melhorar a alimentação das crianças, surgiu a ideia de plantar frutas no quintal das casas. Foi assim que chegaram aqui os primeiros pés de cajarana, tamarindo, manga, acerola, araticum. A ideia deu tão certo, que a produção de frutas virou negócio.
Com a ajuda do Dom Helder e da Coopervida, ONG que presta assistência técnica para o assentamento, os agricultores construíram uma pequena fábrica, que transforma as frutas em polpa. Já são 12 toneladas por ano. A maior parte da produção é vendida para os programas de aquisição de alimentos do Governo Federal.
Outra ideia que deu certo: uma horta comunitária que produz verduras e legumes. A produção é dividida primeiro entre as famílias. O que sobra é comercializado.
Quando as famílias foram assentadas, a área estava degradada por muitos anos de cultivo de algodão. Os agricultores demarcaram a reserva legal e há 12 anos vêm recuperando áreas de caatinga.
Com o desafio de produzir e ao mesmo tempo preservar, os agricultores optaram pelo sistema agrosilvopastoril: modelo desenvolvido pela Embrapa, que junta lavoura, pecuária e floresta na mesma área, sem desmatar, queimar nem usar agrotóxico. O cultivo é feito em faixas, deixando entre elas uma linha de plantas nativas.
Nas áreas onde a caatinga foi retornando, os agricultores decidiram produzir mel. Evandro da Silva é um dos novos apicultores do assentamento e mostrou com orgulho a Casa do Mel, construída dentro dos padrões da vigilância sanitária, para beneficiar o produto.
Dentro do princípio da agroecologia, para economizar pasto, cada família tem direito de manter apenas uma vaca leiteira, mas quase todos os assentados criam cabras e ovelhas, que ajudam a complementar a renda. Como os lotes individuais são pequenos, têm só 19 hectares, os rebanhos podem ter no máximo 70 animais.
Só se trabalha com animais mestiços, que passam a maior parte do tempo pastando na caatinga. Eles foram comprados com recursos que o projeto Dom Helder conseguiu a fundo perdido.
Tantas mudanças trouxeram mais renda e qualidade de vida para os assentados. A casa de José e Geilza tem móveis novos, criança saudável e comida boa feita com todo carinho no fogão a lenha. Os tempos difíceis de antigamente agora são só lembranças.
Hoje, além de feijão, a mesa do almoço tem arroz, galinha caipira, carne de bode, salada e, claro, suco, um delicioso retrato do novo perfil dessas famílias.
As mudanças no assentamento trouxeram mais do que dinheiro no bolso. Elas abriram uma nova estrada que essa gente agora tem orgulho em percorrer.
Seja nos tempos das águas, seja na seca, seu José Holanda e tantos outros agricultores estão aprendendo que a perpetuação da vida no sertão depende do conhecimento e da convivência harmoniosa com a caatinga.
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