O rádio brasileiro nasceu em 7 de setembro de 1922 e se reinventa a cada ameaça de extinção. Dagomir Marquezi para a revista Oeste:
Numa
quinta-feira, 7 de setembro de 1922, o Brasil comemorou o primeiro
centenário de sua Independência com uma grande Exposição Internacional
no Rio de Janeiro. Participaram do evento 10 mil expositores do Brasil e
de outros 15 países.
O
então presidente da República, Epitácio Pessoa, compareceu para a
inauguração da exposição e fez um discurso que aparentemente ninguém
registrou. E, no entanto, era um discurso histórico. Não tanto pelo seu
conteúdo.
A
fala presidencial marcava a primeira transmissão de rádio do Brasil. A
voz de Epitácio Pessoa, captada por um microfone, foi transformada em
impulsos elétricos e transportada por um fio até um transmissor de 500
watts fabricado pela Westinghouse. O transmissor amplificou o sinal
elétrico e o enviou a uma antena fincada no Morro do Corcovado (ainda
sem o Cristo Redentor — a estátua só seria inaugurada nove anos depois).
Da
antena, a voz de Epitácio Pessoa viajou pelo ar e alcançou alguns dos
80 receptores instalados em Niterói e Petrópolis. Chegou a cruzar 350
quilômetros até um ouvinte em São Paulo. Era, há apenas 100 anos, um
milagre tecnológico. A iniciativa foi obra do “pai da radiodifusão
brasileira”, o médico, professor, antropólogo (entre outras atividades)
Edgar Roquette Pinto.
Edgar Roquette Pinto
Essa
primeira transmissão foi precária, e nenhum ouvinte conseguiu entender
muita coisa. O que importa é que o rádio havia nascido para os
brasileiros. E que nossas vidas não seriam as mesmas depois daquele 7 de
setembro.
Teatro de Mistério
A
primeira emissora regular só começaria a operar mais de sete meses
depois, em 30 de abril de 1923: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que
recebeu o prefixo PRA-2. Outras iniciativas pioneiras aconteceram
também em Pernambuco, São Paulo e Ceará.
Em
1936 nasceu a primeira potência radiofônica comercial brasileira — a
Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ela foi a primeira em gêneros como
radioteatro, radionovela (Em Busca da Felicidade) e programas de
auditório. A Nacional lançou em 1941 o primeiro programa jornalístico: o
Repórter Esso.
O
Brasil não entrou atrasado nessa onda. As primeiras emissoras regulares
do mundo surgiram na Holanda e no Canadá em 1919. Mas foi nos Estados
Unidos que o negócio se expandiu e virou o mercado de massa adotado
aqui. Receptores de rádio ocupavam o centro da sala dos brasileiros. As
pessoas se reuniam para ouvir shows, noticiários, novelas, humorísticos,
como o Balança Mas Não Cai. Fora a transmissão dos jogos de futebol,
claro.
A
radiodramaturgia tornou-se uma poderosa indústria de entretenimento.
Infelizmente, quase tudo o que foi produzido por décadas se perdeu. A
nossa velha mania de destruir o passado não perdoa. Não temos nada
parecido com o site norte-americano Old Time Radio.
Mas ainda restaram alguns poucos registros, como este trecho da novela O
Direito de Nascer, transmitida pela Rádio Nacional na década de 1950:
Um
dos maiores nomes dessa época de ouro do rádio brasileiro foi Hélio do
Soveral, português de nascimento e cidadão de Copacabana por adoção.
Entre várias produções para a Rádio Nacional, fez enorme sucesso no país
inteiro com seu Teatro de Mistério. As aventuras do Inspetor Santos e seus auxiliares Minoro e Sueli viraram um clássico da radiodramaturgia brasileira.
Chiados e ruídos misteriosos
Até
a década de 1940 o receptor de rádio era um trambolho ligado na tomada
que operava apenas com o som precário da faixa de AM, cheio de
interferências e chiados. Essa imobilidade unia as famílias ao redor do
rádio. Seu reinado foi ameaçado em 1950 com o surgimento da televisão. A
TV passou a ocupar o centro das atenções. O rádio parecia condenado à
morte lenta e irreversível.
Mas
se reinventou. Os japoneses trocaram as pesadas válvulas por levíssimos
transistores. No início dos anos 1960 todo mundo queria ter um radinho
como o Spica — pequeno, leve, portátil. Nessa época se popularizou uma
nova faixa de frequência — a FM, com um som bem melhor e em estéreo.
Radio Spica
Para
sobreviver ao império da televisão, as emissoras começaram a se
especializar. Algumas se dedicavam ao futebol ou ao jornalismo; outras
(especialmente as FM) só transmitiam música. E até as emissoras musicais
se subdividiam em gêneros — sertaneja, rock, MPB, clássicos, etc.
Esse
modelo de rádio AM/FM se consolidou através das décadas. Mas tinha uma
limitação geográfica. Estações FM atingem no máximo o território de uma
grande cidade. Estações AM podiam chegar um pouco mais longe, como em
cidades vizinhas, mas com um som muito precário
Os
que queriam ouvir mais longe eram adeptos de um terceiro tipo de
frequência, as ondas curtas (SW, ou Short Wave). A princípio, os
receptores estavam capacitados a pegar estações do mundo inteiro. Na
prática, a recepção era um festival de chiados e ruídos misteriosos.
Para que a transmissão de uma emissora em Londres ou Buenos Aires
chegasse até nós, eram necessárias condições perfeitas de meteorologia, e
o receptor deveria estar afastado dos centros urbanos.
Do Oiapoque ao Chuí
Permanecemos
nesse cenário AM/FM/SW por décadas. Pouca coisa mudou. O rádio, amigo e
companheiro de cada dia, foi ficando para trás. Uma das poucas
novidades foi a criação da DAB, a rádio digital. Essa frequência surgiu
como o caminho para uma transmissão estável e com boa qualidade sonora e
se tornou bem conhecida em países como Reino Unido, Austrália e
Noruega. O sistema foi testado no Brasil em 2009. E nunca mais se tocou
nesse assunto.
Rádio DAB
Outra experiência muito interessante foi a criação da rede de rádios por satélite SiriusXM.
Através dela, o assinante pode atravessar o país de um oceano a outro
no seu carro (ou trem) sem falhas na recepção. São dezenas de canais de
altíssima qualidade na grade da SiriusXM, com atrações exclusivas e
programação variada. Infelizmente esse sistema está limitado aos EUA e
ao Canadá.
Com
o novo milênio, veio a popularização da internet. E o rádio velho de
guerra parecia mais uma vez condenado ao ostracismo e à agonia. Que
nada. Um século depois de inaugurado no Brasil, o rádio está no auge.
O
melhor receptor de rádio hoje é o mesmo aparelho que virou seu banco,
seu táxi, seu correio e seu cinema, entre outras coisas: o celular
(computadores e tablets idem). O rádio transmitido pela internet ignora
distâncias. O ouvinte de Oiapoque pode ouvir a Chuí 87.9 FM. O ouvinte
de Chuí pode ouvir a Fronteira 104.9 FM, de Oiapoque.
A
internet fez também com que a tradicional chiadeira acabasse. A
qualidade da recepção de uma emissora de sua cidade é igual à qualidade
de uma emissora que está transmitindo do Cazaquistão, da Austrália ou da
Groenlândia.
O Jardim de Rádios
Como
ouvir rádio pela internet? As lojas de aplicativos estão repletas de
possibilidades — RadiosNet, Simple Radio, myTuner Radio, Radio Mobi,
Replaio, etc. A maioria desses aplicativos é gratuita com publicidade
visual (que você pode eliminar com um pagamento). Através deles, você
pode escolher emissoras locais, procurar estações por localização
geográfica ou por gêneros. É muito mais fácil e preciso do que girar um
botão e observar um ponteirinho no dial.
Um desses aplicativos dá um passo além em matéria de inovação. O Radio Garden
mostra um globo terrestre, e o usuário acha emissoras através do mapa. É
um receptor “geográfico”, que muda o conceito de sintonia que a gente
tinha até agora. Você clica em Lucas do Rio Verde, um pontinho verde no
Estado de Mato Grosso, e descobre que lá existe uma emissora chamada
Regional FM. Através do próprio aplicativo você pode chegar ao site da
rádio, conhecer sua programação, etc.
Aplicativo Rádio Garden
Nessa
nova fase o próprio conceito de rádio não corresponde mais ao que já
foi. Hoje, o rádio e seu derivado, o podcast, se confundem como mídias.
Algumas grandes emissoras já misturam os dois modelos em um único
aplicativo — como a BBC e a Jovem Pan.
Rádios de todos para todos
Possuir
uma emissora de rádio já foi muito complicado no Brasil. Você precisava
de uma sede, funcionários, equipamento pesado, apoio publicitário,
transmissores e uma grande antena instalada em terreno próprio. Fora a
licença de funcionamento, que em geral passava pelo pedágio de algum
político corrupto. Agora, qualquer pessoa com dois bons microfones e um
computador ligado à internet pode criar sua própria web rádio. Algumas
empresas oferecem a instalação e a manutenção da estação por preços ao
redor de R$ 100 por mês.
Cem
anos depois do discurso inaugural de Epitácio Pessoa, o rádio está cada
vez melhor. Transmite em tempo real a pulsação simultânea da humanidade
em centenas de milhares de vozes e músicas. E tudo isso cabe no seu
celular.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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