A guerra entra em nova etapa com próxima anexação das regiões ocupadas pela Rússia e comandante da resistência ganha destaque. Vilma Gryzinski:
“Nós já acabamos com o Exército profissional da Rússia
e agora está na hora de derrotar o não profissional”. Esta é uma das
muitas frases atribuídas ao general Valeri Zaluzhni, o comandante das
Forças Armadas ucranianas.
As
estrelas dele estão em alta. Arquitetou e executou a contraofensiva que
pegou os russos de surpresa e conseguiu recuperar um pedaço da região
nordeste da Ucrânia.
O fiasco militar dos invasores foi tão grande que Vladimir Putin
decretou a mobilização de 300 mil reservistas – ou talvez até três
vezes mais – e antecipou o plebiscito fake nas regiões ocupadas de forma
a abrir caminho para a sua anexação.
Resultado: 87% a 99,2% “votaram” a favor.
Os
índices soviéticos parecem piada, mas o assunto é gravíssimo. Mesmo
inaceitável por qualquer padrão legal, o plebiscito cria uma situação
surrealista: se os ucranianos atacarem os invasores em seu próprio
território, num ato de autodefesa legítima, serão considerados
agressores.
Com
isso, a Rússia acha que torna aceitável, aos olhos do público interno,
qualquer tipo de reação. Inclusive aquela, a nuclear. O ex-presidente
Dimitri Medvedev, que hoje ocupa um cargo menor na estrutura de poder,
escreveu no Telegram que Estados Unidos e aliados não farão nada se for
usada uma arma nuclear tática numa “Ucrânia moribunda da qual ninguém
precisa”.
Provar
que a Ucrânia está viva e resistindo muito além do previsível é a
missão de Valeri Zaluzhni, que ganhou capa da revista Time com uma
chamada simples: “O General”.
Sair
na capa da Time não é mais o que já foi, mas nada diminui o mérito do
comandante flagrado em poucas fotos, com uma expressão que seus
admiradores definem como “russos, se preparem”.
Criar
heróis em época de guerra é uma reação normal, mesmo que este herói
esteja um pouco acima do peso, pareça mais do que seus 49 anos e não
tenha passado por um curso de media training.
À
Time, por exemplo, ele definiu com franqueza como foi planejada a
movimentação militar antes da invasão russa para dar a impressão que os
ucranianos estavam despreparados: “Eu tinha medo que perdêssemos o
elemento surpresa. Precisávamos que o inimigo achasse que estávamos em
nossas bases tradicionais, fumando maconha, assistindo televisão e
postando no Facebook”.
A
missão mais importante era não deixar Kiev cair. Forças especiais
russas tentaram nada menos que oito vezes tomar o aeroporto de Hostomel,
o ponto chave para a tomada da capital. Foram repelidas.
A
segunda era deixar o inimigo avançar em direção a uma armadilha.
Durante dias e mais dias, logo no início da invasão, circularam em todo o
mundo as imagens das intermináveis filas de tanques russos em estradas
ucranianas. A falta de reação parecia inacreditável, mas Zaluzhin tinha
um plano clássico: esticar até onde fosse possível o avanço inimigo e
depois atacar a vanguarda e a retaguarda.
“Eles dirigiram seus soldados para o matadouro. Escolheram o cenário mais conveniente para mim”.
Fazer
uma coisa fingindo que está fazendo outra foi uma tática aprimorada na
última virada. Fontes civis e militares, incluindo o presidente Volodymyr Zelensky, plantaram durante semanas que haveria um contra-ataque na região de Kherson.
Não
foi apenas uma cortina de fumaça. O ataque realmente aconteceu e ainda
está se desdobrando. Simultaneamente, foi desfechada a contraofensiva do
outro lado do país, na região de Kharkiv, com resultados mais sólidos.
Zaluzhin
conhece e respeita o inimigo. Nasceu numa base militar na Ucrânia ainda
no tempo da União Soviética e cursou os estudos militares quando a
influência russa era total. “Leio tudo que Gerasimov escreve”, disse ele
à Time.
Valeri Gerasimov é o chefe do estado-maior das Forças Armadas russas, autor da doutrina da guerra híbrida.
Mas,
na prática, os russos seguiram o caminho convencional, com uma
estrutura de comando mais rígida – e um despreparo em matéria de
logística, equipamento e capacidade de execução que foi uma surpresa
para os adversários tradicionais. A modernização militar tinha virado
iates ancorados em Chipre, disseram no começo da guerra conhecedores da
famosa corrupção reinante nas forças russas.
Os
ucranianos seriam uma cópia perfeita dessa estrutura desatualizada e
corrompida. Com influência e treinamento dos Estados Unidos e outros
aliados da Otan, começaram a mudar a partir de 2014, quando a Rússia
anexou a Crimeia e invadiu o território fronteiriço, onde uma parte da
população tem identidade com os russos.
Além
de treinamento em guerra moderna e flexibilidade operacional, sem
contar as armas e as informações passadas pelos americanos, eles têm a
motivação incomparável de estar defendendo a própria terra.
Na
nova etapa da guerra, serão testados como nunca. Putin não pode perder
essa guerra, sob risco de ser varrido do Kremlin. Perder, no caso,
significa qualquer coisa que não seja a submissão total da Ucrânia. Quem
aumenta a aposta tem que pagar o preço.
Um
vídeo no TikTok de louvor ao general Zaluzhin diz que “quando ele entra
numa sala escura, não acende a luz, apaga a escuridão”.
Não vai faltar escuridão nas novas etapas da guerra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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