No desvão de partidos políticos verdadeiros, o lulismo e o bolsonarismo se digladiam num episódio épico de decadência política. Artigo de Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. para o Estadão:
Temos
partidos políticos bilionários, porém miseráveis no bom trabalho
democrático. Do alto de sua função institucional, caberia aos partidos a
fundamental tarefa pedagógica de preparação para a vida pública
responsável, selecionando os vocacionados aos altos encargos do poder,
afastando os desertores de predicados morais mínimos, ensinando cultura,
economia e teoria política de rigor para, ao fim do processo formativo,
gerar homens e mulheres capazes de externar pensamento crítico e bem
compreender os complexos desafios da contemporaneidade. Infelizmente,
isso não passa de sonho distante no Brasil.
Nosso sistema partidário é moralmente falido. E, sabidamente, política imoral é incapaz de produzir democracia digna.
O
grave é que, ano após ano, vamos injetando cada vez mais dinheiro –
bilhões de recursos do povo – numa estrutura partidária tortuosa,
obscura e organicamente fadada ao insucesso. É lógico que existem
iniciativas promissoras. O Partido Novo, por exemplo, não utiliza fundos
públicos em campanhas políticas, mostrando que modelos alternativos são
eleitoralmente possíveis. Em que pese intrinsecamente positivas, tais
inovações estão longe de adquirir peso político sistêmico, traduzindo
experiências tópicas de segmentos sociais de média e alta rendas, tendo
no êxito governamental de Minas Gerais sua maior expressão eleitoral.
Ocorre
que, num país continental com profunda desigualdade e amplos bolsões de
pobreza extrema, é um desafio gigantesco transpor estruturas políticas
feudais que, a soldo de dinheiro público, mantêm amplo espectro de
dominância e influência, servindo-se, não raro, da ignorância do povo
como instrumento de subjugação eleitoral. Ou seja, romper este sistema
partidário perverso e parasitário não deixa de representar luta política
necessária em favor da liberdade plena de milhões de brasileiros.
Objetivamente,
a fortuna repassada aos partidos – para pouco ou nada fazerem à
democracia brasileira – impressiona. Em ato oficial, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) divulgou a divisão dos R$ 4.961.519.777,00 do Fundo
Especial de Financiamento de Campanha (Fefc), o famigerado Fundo
Eleitoral, para as eleições de 2022. O União Brasil (União), sigla
resultante da fusão do Democratas (DEM) com o Partido Social Liberal
(PSL), recebeu R$ 757,9 milhões, e foi o campeão nacional. O Partido dos
Trabalhadores (PT) ganhou R$ 499,6 milhões; o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB), R$ 360,3 milhões; o Partido Social Democrático (PSD),
R$ 342,5 milhões; o Progressistas, R$ 333,1 milhões; o PSDB, a bagatela
de R$ 317,2 milhões. A lista é vasta e, em homenagem à paciência dos
leitores, paro por aqui. Nessa derrama sem fim, o povo – aquele
esquecido de sempre – segue a viver sem escolas, saúde e segurança. No
apagar da virtude, a riqueza partidária vive às expensas da miséria de
muitos brasileiros. Triste, mas real.
A
inteligência superior de Paulo Brossard costumava dizer que nem
políticos nem partidos são feitos com improvisação. Sem trabalho sério e
princípios firmes, os partidos apenas depreciam a democracia. E, na
farra dos bilhões, a depreciação é absoluta. Tão absoluta que o
personalismo impera na política nacional. Desde Getúlio, passando por
JK, Jânio, Brizola, FHC, Lula e Bolsonaro, entre outras lideranças
esporádicas, o aspecto personalista ecoa no vazio das agremiações
partidárias referenciais. Na quadra histórica recente, temos visto o
lulismo ser maior que o petismo, assim como o bolsonarismo se faz maior
que seu partido do momento. Assim, entre líderes opacos e partidos
puídos, a democracia perde brilho e consistência estrutural,
comprometendo a confiança popular na experiência republicana.
Ora,
o desarranjo partidário é causa vetor dos governos de compadrio, do
toma lá, dá cá, do triunfo do Centrão e de outras forças pantanosas. Sem
cortinas, a falta de partidos organicamente nacionais e politicamente
adensados fragiliza a força da escolha popular: um presidente pode
ganhar com larga maioria de votos e, paradoxalmente, não ter composição
majoritária no Parlamento. O descasamento de perspectivas gera o flagelo
das instáveis uniões por interesse. Sem amor ao Brasil, mas com tórrida
paixão por cargos, a política se transforma em jogo promíscuo
incontrolável. A festejada Operação Lava Jato parecia ser um soluço de
moralidade num país corroído pela corrupção endêmica; a esperança,
todavia, durou pouco e muitos dos envolvidos no mensalão e no petrolão
estão aí com candidaturas, saltitantes. Parece piada, mas é sério.
Seriíssimo.
No
desvão de partidos verdadeiros, o lulismo e o bolsonarismo se digladiam
num episódio épico de decadência política. Para os desiludidos e
insatisfeitos, fica a lição de que democracia, antes de sinfonias em
torres de marfim, se faz no chão da vida, olhando nos olhos das pessoas e
falando uma linguagem que o povo consiga entender. Se qualitativamente
baixa, é porque aqueles que a poderiam elevar estão fora do jogo. O
distanciamento nos faz menores, apequena o ideal democrático e afunda a
ética pública. Hora de ajudarmos o Brasil. Ou será que as margens do
Sena estão logo ali?
ADVOGADO, É CONSELHEIRO DO INSTITUTO MILLENIUM
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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