A convocação de reservistas pelo presidente Vladimir Putin é feita sem garantias para famílias e bens de combatentes. Ilia Krasilschik para o NYT, com tradução para o Estadão:
Olá,
minha mulher está grávida e estou pagando hipoteca. Ela está em pânico,
e eu não tenho dinheiro para ir ao exterior. Como consigo escapar do
recrutamento?”
Recebemos
esta mensagem no Help Desk, um site que eu e outros jornalistas
colocamos no ar em junho para ajudar pessoas — com informações,
consultoria jurídica e apoio psicológico — afetadas pelas ações do governo russo. O homem que a escreveu, após completar o serviço militar obrigatório, sete anos atrás, está sendo recrutado para lutar na guerra na Ucrânia. O governo russo não se interessa em quem vai pagar a prestação de sua hipoteca ou cuidar de sua mulher grávida — simplesmente quer mais contingente para sua guerra.
Nos dias que se passaram desde que Vladimir Putin anunciou
uma “mobilização parcial”, abrindo caminho para centenas de milhares de
homens serem convocados para seu enfraquecido esforço de guerra,
recebemos e respondemos dezenas de milhares de mensagens como esta.
Alguns se queixaram; outros foram desafiadores. Alguns simplesmente
expressaram derrota. Assim como os russos que tentam desesperadamente
embarcar em voos, atravessar as fronteiras ou atacar centros de
alistamento, eles declaram um mesmo desejo: evitar o recrutamento.
Fila de veículos próximo à fronteira da Rússia com o Cazaquistão em imagem desta terça-feira, 27
A
verdade é que eles provavelmente não conseguirão fugir. Ainda que a
medida tenha sido apresentada como uma mobilização limitada, que afeta apenas quem já serviu ao Exército, na prática o governo tem pleno poder para recrutar quantas pessoas desejar. O número inicial, de 300 mil reservistas,
por exemplo, já soa como um número enormemente subestimado. Em face a
um regime monstruoso, obstinado com a guerra e absolutamente isolado na
arena internacional, os russos foram apanhados pelo desastre. E a julgar
por sua resposta até aqui, estão apavorados.
Esse
terror contradiz o apoio massivo do qual a guerra supostamente
desfruta. Mas o verdadeiro nível de apoio é claramente e
significativamente mais baixo do que o anunciado pelos meios de
comunicação controlados pelo Kremlin. Há expressivamente pouquíssimas
pessoas dispostas a ir para a guerra — algo que ficou visceralmente
evidente na segunda-feira, na Sibéria, quando um oficial de recrutamento
foi baleado em serviço. O entusiasmo se esvai em campo: Yevgeni
Prigozhin, diretor de uma firma militar privada e empresário próximo a
Putin, apelou para recrutamentos dentro de prisões.
Para
cidadãos comuns que querem escapar desse destino infernal, simplesmente
não há muitas opções. Alguns cruzaram a fronteira para Belarus, mas
estamos recebendo informações de que as autoridades belarussas,
cúmplices de Putin, estão planejando deter os russos. Se Belarus é
impossível, para onde ir? Dias antes do início da mobilização, Letônia,
Lituânia, Estônia e Polônia proibiram a entrada de quase todos os
russos. Na semana passada, os Estados bálticos declararam que essa
decisão não mudará, pelo menos por agora.
A
fronteira de 1,6 mil quilômetros com a Ucrânia está, evidentemente,
fechada. As autoridades finlandesas ainda estão permitindo a entrada de
russos em seu país, mas eles têm de possuir passaporte com visto
Schengen — o que apenas cerca de 1 milhão de russos possui.
A
Finlândia também está planejando fechar sua fronteira. A Geórgia
permanece aberta, mas a fila para atravessar para o país demora mais de
24 horas, e ocasionalmente russos têm acesso negado se não apresentam
alguma justificativa óbvia. Também há destinos mais remotos, como
Noruega, Casaquistão, Azerbaijão e Mongólia. Chegar a qualquer desses
países a pé, de bicicleta ou de carro é uma empreitada intimidadora e
sem garantia de sucesso.
Os
bilhetes aéreos para os poucos destinos ainda disponíveis para os
russos, depois que a maior parte do espaço aéreo europeu foi fechado
para as empresas aéreas de seu país, em fevereiro, estão quase
esgotados. Você quer voar para o vizinho Casaquistão? Aqui temos uma passagem, com duas escalas, por US$ 20 mil. Quer ir para a Armênia? Não há lugares nos voos. Ou para a Geórgia? A Rússia tinha voos diretos para Tbilisi antes do conflito de 2008, mas neste momento também é impossível voar para lá.
A
terrível verdade é que os russos viraram párias. Muitos países já lhes
impuseram restrições de residência, e existem cada vez menos
possibilidades de legalizar o status, obter permissão de trabalho ou até
conseguir abrir contas em bancos. Ninguém está à espera para
recepcionar russos em fuga. De qualquer modo, não está claro quanto
tempo as autoridades da Rússia permitirão que as pessoas deixem o país.
Algumas autoridades militares regionais já emitiram ordens proibindo que
homens sujeitos à mobilização — praticamente todos — deixem suas
cidades ou vilarejos.
Pessoas
que observam este horror de fora da Rússia perguntam: Por que os russos
não protestam? Muitos estão protestando. Na primeira noite que se
seguiu ao anúncio da convocação militar, a polícia russa prendeu mais de
mil manifestantes e mais de 30 cidades de todo o país. Alguns foram
espancados severamente. É uma bravura além da imaginável, de pessoas que
nunca viveram sob ditadura.
Sobre
depor Putin, o que também é instado aos russos, duvido que você
encontre alguém capaz de dizer como fazê-lo. O principal político de
oposição, Alexei Navalni, está atrás das grades; protestos estão
efetivamente proibidos; e até mesmo declarações brandas contra a guerra
podem mandar russos para a prisão sob uma dura sentença. Eu, por
exemplo, estou sendo processado com acusações criminais por ter escrito
no Instagram que o massacre em Bucha, na Ucrânia, foi perpetrado pelo
Exército russo. Não há nenhum caminho visível de um futuro melhor para
os russos.
Temos
um ditado na Rússia: “bombardear Voronezh”. Voronezh é uma cidade russa
próxima à fronteira ucraniana, mas a expressão não se refere a
bombardeios da Ucrânia — se refere ao hábito perverso das autoridades
russas de retaliar sobre seus próprios cidadãos em resposta a ações de
outros governos. Em 21 de setembro, Putin acrescentou talvez o exemplo
mais flagrante a essa lista. Impedido pela resistência ucraniana, ele
escolheu punir os cidadãos russos por seu fracasso.
A pena de morte pode ser proibida na Rússia. Mas muitas pessoas pagarão com a vida pela decisão de Putin.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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