BLOG ORLANDO TAMBOSI
Reis, poderosos e… doidos. Jorge III e Henrique VI tinham tudo, menos sanidade mental. E isto, numa época em que as questões relacionadas com a mente eram completamente incompreendidas. Pureza Fleming e Kimmy Simões para o Observador:
Na
série da Netflix, The Crown, foram incluídas inúmeras cenas, algumas
até bastante gráficas, acerca da bulimia de princesa Diana. O mesmo se
assistiu em Spencer (2021), filme que valeu a Kristen Stewart a nomeação
para um Óscar. Os rumores acerca do distúrbio alimentar de Lady Di
começaram a circular na década de 1980, mas esta só se debruçou acerca
do assunto mais tarde, num discurso que discorreu acerca da natureza
insidiosa dos transtornos alimentares, na conferência BJHM, em 1993.
Dois anos depois, numa entrevista à BBC, a “princesa do povo” corrobora a
sua luta: “Sofri de bulimia durante anos. É uma doença secreta.
Infligimo-la a nós mesmos porque a nossa auto-estima está muito em baixo
e achamos que não temos valor ou que somos inúteis. Enchemos o estômago
quatro ou cinco vezes por dia — às vezes até mais — e isso dá-nos uma
sensação de conforto”, confessou. Segundo a biografia Diana: Her True
Story (1992), o distúrbio alimentar de Lady Di, que levou cerca de uma
década a ser vencido, começou uma semana após o seu noivado, quando
Carlos fez um comentário sobre o facto da sua mulher “estar gordinha”.
A
saúde mental não escolhe estratos sociais, atingindo toda a população, e
a corte não é exceção. A bulimia de Diana confirma-o, mas não só.
Talvez não seja por acaso que o príncipe William, a sua mulher, Kate, e o
seu irmão, Harry, tenham lançado a campanha Heads Together, através da
qual incentivam os seus compatriotas a descartar os preconceitos contra
as doenças mentais. Os transtornos mentais estão inscritos na história
da monarquia, tal como sempre estiveram. Estes foram os reis com a saúde
mental mais debilitada da corte.
Rei Jorge III do Reino Unido (1760-1820)
Era
noite no palácio de Windsor, quando o rei Jorge III sai lançado dos
seus aposentos vestindo apenas uma camisola, enquanto segurava um
travesseiro como se de bebé recém-nascido se tratasse. Corria pelos
corredores e, aos gritos, dizia que Londres estava alagada e que aquele
que segurava era o príncipe Octavius, que acabara de nascer. A cena
bizarra já não espantava os conselheiros reais e membros da corte. Era
unânime que o reino era governado por um rei mentalmente debilitado, que
não reagia a nenhum tipo de tratamento. Jorge III passou por
tratamentos agressivos, que incluíam incisões no cérebro e o uso de
fortes purgantes. Reza a história de que este era capaz de falar 60
horas ininterruptamente e de engolir a comida sem a mastigar, conta-se
que também não conseguia manter as mãos quietas por um segundo que fosse
e vivia enrolado em lençóis – usava cerca de 40 por dia. Os surtos
passaram a ser registados após a sua coroação. Aos poucos, passou a
demonstrar dificuldades de concentração, dizia muitos palavrões e
irritava-se com facilidade. Em 1788, o seu médico, Richard Warren,
declarou: “O nosso rei está louco”. Jorge reinou assim, maluco, até aos
seus derradeiros dias, quando foi isolado numa ala do palácio.
Em
2003, uma exposição notável veio à tona. Escondido nos cofres de um
museu londrino encontrava-se um pedaço de papel que continha alguns fios
de cabelo. No papel podia-se ler: “Cabelo de Sua falecida Majestade,
Rei Jorge 3º.” Para o professor Martin Warren, aquela era a pista que o
ajudaria a resolver, finalmente, o mistério da doença do rei Jorge. A
investigação é apresentada no documentário da BBC, Medical Mysteries. “O
rei Jorge III é recordado pelos episódios em que perdia a cabeça. Mas
tem sido difícil explicar os ataques, eu estava ansioso por analisar
aquela amostra de cabelo”, afiançou Warren.
Quando
o cabelo foi testado, pelo Harwell International Business Center for
Science & Technology em Didcot, Oxfordshire, os resultados foram
surpreendentes: o cabelo encontrava-se carregado de arsénio — continha
mais de 300 vezes do seu nível tóxico. “Este é um nível que está muito
acima de qualquer coisa que poderíamos esperar — apanhou-nos
completamente desprevenidos”, conclui.
Rei Henrique VI de Inglaterra (1422-1461)
De
acordo com A História de Bethlem (1997), as reações contemporâneas para
os doentes mentais do século XV incluíam a crença de que “a loucura era
um castigo infligido por Deus para o erro de alguém”. Considerando que
Henrique VI era um ávido defensor da paz, e evidentemente religioso,
este era um julgamento que não lhe servia. Porém, na época, não havia
outra explicação. Uma outra teoria defendia que Henrique estava a ser
punido pelos pecados da sua família.
A
organização de saúde mental do Reino Unido, Mind, aponta, além da
genética, os copioso eventos stressantes da vida daquele rei como os
grandes rastilhos para a sua esquizofrenia. Entre eles, perder uma
grande parte da França e ter de lidar com uma rebelião interna. Para
completar, tanto o seu avô quanto a sua bisavó sofriam de delírios
semelhantes — Carlos VI, rei de França e também conhecido pelo cognome
de “o louco”, acreditava que era feito de vidro e que se poderia partir a
qualquer instante, enquanto a sua bisavó, Joanne, tinha “visões”.
Assim, e de acordo com os fatores biológicos, a esquizofrenia foi
apontada como sendo a principal causa dos distúrbios do rei. Como a
doença nunca foi descoberta, ele não foi tratado. A história oficial é a
de que Henrique acabara por morrer de “melancolia”, enquanto se
encontrava preso na Torre de Londres, em maio de 1471.
Nenhum comentário:
Postar um comentário