BLOG ORLANDO TAMBOSI
A sociedade brasileira está mudando, ganha autonomia, mas sua representação política continua agarrada ao passado. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
Lula
e Bolsonaro, os principais contendores dos últimos anos, nada
apresentaram de propostas ou de valores em seus respectivos pleitos,
salvo os lugares-comuns que lhes possibilitassem um capital eleitoral.
Ao serem eleitos, abriu-se um vácuo sobre o que iriam fazer, preenchido
por atitudes políticas de Bolsonaro cada vez mais à direita, enquanto
Lula se aferrou a propostas desgastadas e fracassadas do seu segundo
governo e nos de sua sucessora. Na verdade, o Brasil tem se enfrentado
com um vazio de ideias, porém se pode igualmente dizer que a sociedade
tem trilhado seu caminho na defesa de valores, alguns de corte
conservador e liberal. As propostas propriamente de esquerda estão mais
confinadas aos núcleos de militantes, às universidades e a setores da
imprensa e dos meios de comunicação.
Lula
venceu a eleição com um número exíguo de votos, nada que lhe deveria
ter permitido dizer que foi eleito por ideias por ele defendidas e
reconhecidas pela opinião pública. A sociedade brasileira reagiu a
Bolsonaro dizendo sim a Lula, embora não compartilhe dos valores
esquerdistas que agora apresenta. Alguns, talvez, tenham apostado no
Lula responsável e moderado de seu primeiro mandato. Um Lula liberal na
economia, graças a Antonio Palocci e Henrique Meirelles e às suas
respectivas equipes. Nada, todavia, que autorize a sua deriva
irresponsável do ponto de vista fiscal, focando sobretudo no aumento da
arrecadação, e seus arroubos antiocidentais e antieconomia de mercado.
Mostra apenas contradições e falta de propostas. Na área do mercado
financeiro, termina às vezes aplaudido, em razão das tênues afirmações
de seu ministro da Fazenda de que deve haver controle de gastos, mesmo
que esses gastos estejam aumentando continuamente.
Política
se coaduna com cautela nas ações. Toda exacerbação cobra um preço
elevado, podendo colocar todo um projeto de poder a perigo. Na medida em
que Lula e seu predecessor não tinham nada a dizer do ponto de vista de
valores e ideias, salvo generalidades, deveriam ter ambos o senso da
medida na condução dos assuntos públicos. Se foram eleitos pelo voto do
não, impunha-se uma extrema prudência em suas ações e propostas. Lula,
por seu lado, tem se caracterizado por arroubos retóricos inverossímeis.
Vale, aqui, destacar suas declarações a propósito do Brics e de sua
ampliação. Seus floreios antiamericanos e antiocidentais expõem sua
marca, ganhando com isso somente o apoio dos seus radicais no público
interno e, no externo, dos Estados autocratas e fundamentalistas.
À
parte a Índia, que não segue esse tipo de orientação política, a China
adota cada vez mais uma atitude antiocidental e, inclusive, de
pretensões imperialistas ao redesenhar o seu mapa de fronteiras com a
Índia, por exemplo. Nada muito distinto do que a Rússia fez com a
Ucrânia até a sua invasão desse país, afirmando a ideia de uma “Grande
Nação Russa”, de valores próprios, que não mais reconheceria as
fronteiras políticas existentes. O Irã, novo membro, submetido a sanções
ocidentais por seu agressivo projeto militar nuclear, compraz-se a
repudiar os valores ocidentais, em geral, e nos costumes, em particular,
reprimindo mulheres, homossexuais e outros credos. É o símbolo mesmo da
intolerância. Frise-se: tais companhias não guardam nenhuma relação com
a sociedade brasileira, de corte nitidamente ocidental.
Os
valores da sociedade brasileira são ocidentais, universais, baseados na
tolerância religiosa e dos costumes, na defesa das minorias, no
antirracismo, no direito das mulheres e assim por diante. O inglês é
quase uma segunda língua. Não há a ideia de uma nação brasileira cujos
valores e princípios seriam antiocidentais, salvo na retórica
esquerdista, também de tipo ocidental, de uma luta contra o imperialismo
americano. Palavra nenhuma é dita a respeito dos imperialismos russo,
chinês e iraniano no Oriente Médio. Mais especificamente, a sociedade
brasileira está voltada para os valores cristãos, algo que se expressa
pelo aumento substancial das igrejas evangélicas no País, sem que isso
se traduza pela intolerância religiosa. A narrativa lulista e petista
encontra-se em franca dissonância com os valores da sociedade.
Digna
de nota é a falta de apoio ao MST em suas ações. Nos governos petistas
anteriores e mesmo antes, suas invasões tinham o apoio de setores
importantes da sociedade, em particular de uma certa imprensa que se
colocava como porta-voz deste movimento de orientação
socialista/comunista. Hoje, suas ações são imediatamente condenadas e
não prosperam, levando suas lideranças a negociações internas de verbas e
cargos com o governo. Não há mais o apoio social que existiu no
passado. Houve, nesses últimos anos, a afirmação do direito de
propriedade como um valor a ser defendido. Ideias retrógradas da
esquerda não guardam mais aderência.
A sociedade brasileira está mudando, ganha autonomia, mas sua representação política continua agarrada ao passado.
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário