A CPMI do 8/1 tem tudo para ser uma grande confusão. Mas que os bolsonaristas não se enganem: falar daqueles eventos é expor a incontornável responsabilidade de Bolsonaro. Editorial do Estadão:
Prevê-se
para amanhã a leitura do pedido de instalação da Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos do 8 de Janeiro. É preciso
reconhecer: apesar da resistência do governo federal, poucas situações
da vida nacional mereceram de forma tão cristalina a instauração de uma
comissão de investigação por parte do Congresso como os eventos
golpistas em Brasília do início do ano. O Poder Legislativo não podia
ignorar tal barbárie cometida contra o Estado Democrático de Direito.
Ao
mesmo tempo, poucas vezes na história nacional foi tão nítido o risco
de uma CPMI ser convertida, mesmo antes de instaurada, no exato oposto
de sua finalidade constitucional. Há indícios abundantes de que, em vez
de investigar, apurar e esclarecer, o objetivo da comissão é não apenas
confundir e dificultar o conhecimento dos fatos e das respectivas
responsabilidades, mas reescrever a história.
Diante
dessa manobra gestada por alguns parlamentares, torna-se necessário
relembrar o óbvio. O 8 de Janeiro não é um caso sobre o qual faltam
provas ou que os fatos sejam pouco conhecidos. Na verdade, há excesso de
provas. Ao longo de anos, o País assistiu à trajetória de enfrentamento
do bolsonarismo contra as instituições democráticas – de forma muito
concreta, contra a Justiça Eleitoral –, alimentando a resistência a todo
e qualquer resultado das urnas que lhe fosse desfavorável e criando as
condições políticas e sociais para uma ruptura institucional.
Após
o segundo turno das eleições de 2022, mais um passo de desestabilização
democrática e de desordem republicana foi dado com acampamentos em todo
o País pedindo intervenção militar e a manutenção de Jair Bolsonaro no
poder. Não foi mero gesto tresloucado de alguns apoiadores mais
exaltados. Basta ver que lideranças importantes do bolsonarismo atuaram
para qualificar as manifestações golpistas, muitas delas em áreas
militares, de exercício legítimo da liberdade de expressão.
Eis
o fato que a CPMI do 8 de Janeiro não pode negar. Os lamentáveis
eventos do segundo domingo deste ano não foram fruto de geração
espontânea, tampouco se enquadram em meros atos de vandalismo. A cada
novo elemento probatório – seja uma gravação das câmeras de segurança do
Palácio do Planalto, um vídeo postado nas redes sociais pelos
manifestantes, uma minuta de golpe na casa do último ministro da Justiça
do governo Bolsonaro ou uma notícia de atuação aparelhada da Polícia
Rodoviária Federal (PRF) –, torna-se mais nítida a digital do
bolsonarismo.
Sem
Jair Bolsonaro, não haveria 8 de Janeiro. É impossível narrar os fatos
relacionados à tomada das sedes dos Três Poderes sem incluir o
ex-presidente que, em toda sua carreira política, atacou a ordem
democrática da Constituição de 1988 e defendeu a ditadura militar. Nesse
sentido, o trabalho investigativo do Congresso pode não apenas ajudar a
explicitar o inegável protagonismo de Jair Bolsonaro no curso de
eventos que culminaram no 8 de Janeiro – ele se valeu até de uma reunião
com embaixadores para criar condições para o golpe –, mas também colher
novos elementos que sirvam para a devida responsabilização no âmbito da
Justiça penal.
Essa
é a grande cegueira dos parlamentares bolsonaristas. Acham que vão
controlar o desenrolar dos trabalhos da comissão de inquérito tal como
controlam as versões delirantes disseminadas por suas redes sociais. A
CPMI do 8 de Janeiro, que nasce um tanto desacreditada, pode ser ocasião
para o Congresso, em respeito à sua própria história e existência,
expor a farsa bolsonarista e ajudar a identificar os envolvidos na
intentona golpista. Afinal, sabe-se como uma CPI começa, mas não como
ela termina.
Como
já se criticou neste espaço, o governo de Lula da Silva tratou
equivocadamente várias vezes o 8 de Janeiro, utilizando-o como pretexto
seja para não enfrentar os problemas nacionais, seja para aprofundar
divisões na sociedade. O bolsonarismo, no entanto, vai além. Insiste em
usar o próprio crime em benefício político. Que os fatos venham a
público e escancarem a sem-vergonhice.
Postado há 6 days ago por Orlando Tambosi
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