Sonho com o instante em que a jornalista da Globo não pedirá desculpas para agradar a uma turba burra, mantendo assim ereta a sua espinha moral. Pedro Henrique Alves para a Oeste:
Jamais
fui aquele típico adolescente revoltado com as imposições familiares e
sociais. Era de boa com a vida. Tive amigos punks que pregavam uma
espécie de anarquia social utópica, algumas feministas igualmente
entediantes, e muitos que, como eu, se preocupavam mais em conquistar
garotas(os) do que com qualquer tipo de injustiça universal.
Adolescentes de 14 anos que pregam como o Estado é opressor e como os
homens são machistas são, todos, chatos. A adolescência é a hora de
beijar na boca, cometer bobagens e aprender com elas, abarcar modismos
pops idiotas que o farão passar vergonha aos 30, estudar para
vestibulares futuros ou se preparar da melhor maneira possível para a
vida adulta. Adolescentes militantes são um porre sem fim.
Até
que, aos 18 anos, a desgraça aconteceu. E os dilemas morais da
humanidade, principalmente os de Raskólnikov, em Crime e Castigo, me
pegaram. Dostoiévski fez-me interessar por dilemas morais profundos, não
raro me via comprando livros que prometiam responder ao problema do mal
e sua origem. Quando me vi, estava cursando filosofia na universidade.
Filho
de uma universidade progressista, apesar de religiosa, notei o
entusiasmo dos professores por eras de revoltas, revoluções e quebras de
tabus. Um professor, por exemplo, se vangloriava de, ante um refeitório
lotado na Europa, ter virado o mapa-múndi — localizado na maior parede
do recinto — de ponta-cabeça e dizer altivo: “Se o Universo não tem
lados, quem disse que é a Europa e os Estados Unidos que estão por
cima?”. Exultante e orgulhoso, o docente figurava como um pombo-rei
revolucionário em nossa sala, sob os olhares molhados e orgulhosos de
seminaristas… Pitoresco e vergonhoso momento de que jamais esqueci.
Estranho
mesmo, no entanto, é perceber que tal era progressista — que apresentou
excentricidades e impôs a tolerância como valor supremo, que
popularizou a paternidade de pets e, principalmente, conclamou as mil e
uma liberdades sexuais, do tipo grotesco ao engraçado — é também a era
que mais impõe regras morais sobre como os outros devem pensar, falar e
viver em sociedade e em suas privacidades. As últimas semanas foram
particularmente interessantes para analisar tais comportamentos.
Bebês racistas
Vimos a jornalista Carolina Cimenti ser corrigida ao vivo
na GloboNews, sem nenhuma parcimônia e zelo, pelo apresentador Marcelo
Cosme em um claro episódio que, em qualquer outra configuração, seria
considerado “mansplaining”. Ali, entretanto, foi aplaudido efusivamente
pelo progressismo de meio cérebro e coerência. O erro da jornalista
teria sido usar o termo “denegrir”, que na cabeça dessa turma seria um
demérito aos negros. Nem vou me alongar em explicar que denegrir vem do
latim denigrare, que significa, literalmente, “manchar algo”. Então,
quando “denegrimos alguma coisa”, estamos dizendo literalmente que
deixamos algo sujo ou manchado. O que se encaixa perfeitamente no modo
como o verbo é tradicionalmente usado.
Outro caso emblemático são os “bebês racistas”,
a nova invenção do progressismo. Num texto extremamente bem construído,
Eli Vieira, da Gazeta do Povo, traz a discussão bizarra que está
ocorrendo na Europa com relação a bebês supostamente racistas. Em 2005, o
neurocientista Yair Bar-Haim, do Departamento de Psicologia da
Universidade de Tel-Aviv, conduziu um estudo com 36 bebês e, nesse
estudo, o pesquisador notou que a maioria deles olhava por mais segundos
para cuidadores da mesma raça que eles. Em 2012, outro estudo,
basicamente igual, foi conduzido por Talee Ziv, da Universidade Harvard.
A conclusão que os progressistas estão extraindo daí é que o racismo
pode ser atávico, embrionário, quase que metafísico, e que a única forma
de expurgar esse mal da humanidade é conduzir políticas públicas de
reeducação e correção moral constantes nos indivíduos.
Na
mesma toada de obsessão pela correção moral da humanidade, de
intervenção ética na psiquê dos indivíduos, a galera da USP implementou,
enfim, a linguagem neutra em seus canudos de formatura. “Formandes.” A
linguagem neutra se torna lei em alguns setores que acreditam que o
homem deixará de ser escroto, racista e preconceituoso porque uma letra
pode ser introduzida politicamente nas palavras que denotam gênero. É
muita fé e burrice numa só tacada.
Ditador das pequenas causas
A
ideologia progressista conseguiu introduzir em nosso cotidiano o
ditador das pequenas causas. Hoje, a ditadura, ao estilo nazista e
comunista, não depende mais tanto de um poder central. Depende mais da
abnegação política e da sujeição psicológica de seus adeptos, que se
tornam fiéis ditadores de bairro, tiranos familiares, déspotas de
esquina. São aqueles adolescentes que, num almoço de família, tentam
convencer com retóricas uspianas por que a avó está errada ao dizer que o
vizinho é “preto”. Ou por que dizer que gato preto dá azar pode revelar
uma mentalidade profundamente fascista.
Tais
ditadores domésticos não dominam por ações revolucionárias, tal como
Fidel entrando em Havana, ou a Bastilha sendo tomada pelos revoltosos
franceses. A dominação progressista se dá através de pequenas
inundações: quando na canela, geram risos dos incrédulos; quando na
cintura, preocupações brandas. Agora que molestam os pescoços dos
desavisados, limitando-os o direito de falar e agir, geram patéticas
caras de espanto.
Se
aceitamos que nosso vizinho diga como devemos conduzir nossos lares,
eles não são mais tão nossos. Minha mãe dizia que seu filho passa a ser
menos seu quando se aceita que terceiros digam como criá-lo. A moral
social e a liberdade individual funcionam da mesma maneira. Se não somos
racistas, e conscientemente sabemos disso, não desprezamos,
desmerecemos nem diminuímos ninguém por sua origem, cor de pele ou sexo,
por que devemos aceitar que os gritos juvenis de uma turba raivosa,
doutrinada e completamente bêbada de políticas afirmativas nos faça
duvidar do que não somos?
O
que deve ficar claro para o homem comum, acuado e trancafiado no medo
ante a gestapo progressista é que tudo isso não trata de um apelo moral
contra o racismo. Nem sequer tem a ver com isso. O Black Lives Matter se
importa com os negros que estão em seu redil. Os negros conservadores
ou que não se importam com suas militâncias são tratados como qualquer
branco explorador.
Algo
como o Ciro Gomes chamando o deputado estadual de São Paulo, negro e
gay Fernando Holiday de capitão do mato. Para o feminismo corporativo,
os direitos das mulheres não têm nada a ver com as mulheres. Quando José
de Abreu cuspiu na face de uma mulher, não se viu sequer uma
organização feminista disparar contra o comunista global. O progressismo
e sua sede de justiça social são um poleiro de hipócritas.
Mas
mais do que tirano, o progressismo é chato: “Não use tal palavra”, “não
vista tal roupa”, “não vote em tal pessoa”, “e não pense tais ideias”,
“não acredite em tais princípios”. Sonho com o instante em que a
jornalista da Globo não pedirá desculpas para agradar a uma turba burra,
mantendo assim ereta a sua espinha moral. Poucas coisas são tão
necessárias, hoje, como o ato de não ceder às sanhas dos ditadores das
pequenas causas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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