Na
cidade de Santarém, no interior paraense, em meio à região Amazônica do
Brasil, o Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), realizou neste
mês uma cirurgia inédita na região Oeste do Pará – e incomum no Norte do
país: o primeiro transplante renal preemptivo, ou seja, antes do
paciente necessitar de hemodiálise.
No
último dia 14 de junho, Gledsan Maria Caldeira da Trindade, de 42 anos,
recebeu o rim do irmão Aglenilson Caldeira da Trindade, 36 anos, após
exames que constataram a compatibilidade entre eles. A paciente já
realizava acompanhamento nefrológico no hospital, que é gerenciado pela
entidade filantrópica Pró-Saúde e reconhecido como um dos dez melhores
hospitais públicos do País, desde 2016.
O
procedimento é realizado com doador vivo e antes do paciente renal
crônico precisar ir para máquina de hemodiálise – tratamento
para filtragem do sangue, realizado em média três vezes por semana,
durante quatro horas.
Emanuel
Esposito, médico nefrologista e responsável pelo Serviço de Transplante
do HRBA explica que o procedimento é incomum pois requer o diagnóstico
precoce da doença renal crônica. “Infelizmente os pacientes renais
costumam chegar nos serviços de referência já em estágio avançado,
principalmente em regiões mais remotas como a Amazônica, o que
inviabiliza essa opção de tratamento, que é tão eficiente”. Para o
especialista, a conscientização sobre a importância da saúde dos rins e a
realização de exames preventivos são essenciais.
De
acordo o Ministério da Saúde, de janeiro a novembro de 2021, foram
realizados mais de 12 mil transplantes de órgãos no país, por meio do
Sistema Único de Saúde (SUS), dos quais 4,8 mil foram de rim. Ainda
de acordo com o órgão, em números absolutos, o Brasil é o 2º maior
transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. No entanto,
não há dados consolidados sobre o volume de transplante renal preemptivo
realizado no país.
O
médico nefrologista Henrique Moreira Rebello, que integra a equipe de
transplante renal do hospital, destaca que acompanhamento prévio
ambulatorial da paciente, durante seis anos de tratamento, foi crucial
para a efetivação do transplante preemptivo.
“É
uma paciente que tinha uma doença renal progressiva e deu tempo de
realizarmos todos os exames com antecedência. O preemptivo é um tipo de
transplante onde o órgão tem mais chance de aceitação e maior
durabilidade no receptor, já que que é substituído antes do paciente
apresentar complicações ou estar imunologicamente sensibilizado”,
explica o nefrologista. Para ser concretizado, “é fundamental um
acompanhamento ambulatorial prévio, antes da necessidade de realizar
hemodiálise”, destaca o médico.
A descoberta da doença
Gledsan
descobriu a doença renal crônica em 2016, aos 37 anos, após
complicações durante uma gestação, que resultou em um aborto espontâneo.
Na época, ela apresentou pressão alta e creatinina alterada, sinais que
apontaram a doença.
A
partir de então, ela passou por procedimento cirúrgico e ficou
internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em virtude de uma grave
eclâmpsia – doença hipertensiva causada pela liberação de proteínas,
por parte do feto, na circulação materna, agredindo as paredes dos vasos
sanguíneos.
Nos
últimos anos, os sintomas renais se agravaram e o médico alertou para a
necessidade de iniciar tratamento, cujas alternativas eram: diálise
peritoneal, a hemodiálise e o transplante.
De
acordo com especialistas, o transplante preemptivo é uma modalidade
diferente, já que é realizado antes do paciente ter contato com os
outros dois tratamentos. No entanto, necessita da disponibilidade de um
doador vivo, onde geralmente a compatibilidade é encontrada com mais
facilidade entre membros da família, e sem interferência na fila
nacional de transplantes.
Quando
saiu o resultado da compatibilidade entre ela e o irmão, Gledsan não
escondeu a felicidade. "Nós somos quatro irmãos em casa, somente eu de
mulher e três homens. Fizemos os exames, e ele [Aglenilson] deu
compatível".
A
paciente desabafa sobre as dificuldades vividas por pacientes renais
crônicos, especialmente, os que dependem da máquina de diálise para
sobreviver. “Conversamos com muita gente que faz hemodiálise e sei que
esse procedimento debilita muito as pessoas. Eu não queria fazer, pedi
muito pra Deus e ele realizou", afirma a paciente.
O
irmão conta que concordou em ser o doador com intuito de possibilitar à
irmã uma nova vida. “O sofrimento familiar é muito grande, a gente
sofre com ela. Esse transplante está sendo um divisor de águas”, comenta
Aglenilson Caldeira.
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