Um dos integrantes menos problemáticos da extensa agenda americana, nosso país deveria ser muito mais bem tratado. Vilma Gryzinski:
Bate
que eu gosto. Este poderia ser um dos motes da política externa
americana: quando seus interlocutores criam problemas, a reação dos
americanos costuma ser contemporizar e até acenar com benefícios
apaziguadores.
Imaginem
ter que lidar com aliados como Paquistão, Arábia Saudita ou mesmo o
México, o portal para a imigração clandestina em massa, cujo presidente,
Antonio Manuel López Obrador, fez o desaforo de não ir à Cúpula das
Américas.
Em
vez de problemas, o Brasil cria soluções para os Estados Unidos. Uma
aliança incontestada, uma garantia de estabilidade em toda a gigantesca
América do Sul, um parceiro geoestratégico a ser acarinhado, mesmo
quando questões comerciais corriqueiras criam alguma tensão – coisa
mínima.
Se
os presidentes não se bicam, como Jair Bolsonaro e Joe Biden, o papel
dos Estados Unidos, como hiperpotência global, é se comportar como o
adulto na sala e fazer de conta que tudo vai bem. Os interesses
americanos vão muito além de eventuais faltas de afinidade pessoal. Foi
isso que Biden fez, depois de se comportar como criança emburrada.
Aliás,
não foi Bolsonaro quem disse o seguinte: “Não é possível que eu veja na
televisão o presidente Biden, que nunca fez um discurso para dar um
dólar para quem está morrendo de fome na África, nunca vi um discurso
dele para dar um dólar, anunciar 40 bilhões de dólares para ajudar a
Ucrânia a comprar armas”.
São
vários os níveis de contrafação – sem contar que ajuda americana à
África em 2020 foi de 8,5 bilhões de dólares. As armas para a Ucrânia
são para preservar a independência de um país vitimado por uma guerra
absurda – e criar a maior quantidade possível de problemas para um
agressor que não deveria ser beneficiado pela lei do mais forte, um
fator que simplesmente detona as já nada garantidas bases da convivência
internacional,
Uma
vitória russa na Ucrânia desestabilizaria toda a Europa do Leste – e o
resto da Europa e o mundo, em geral. É do máximo interesse americano,
mas não só deles, impedir que isso aconteça. Quarenta bilhões de dólares
é um preço baixíssimo para garantir a estabilidade mundial – enquanto
muitos países africanos continuam a viver da ajuda americana.
Se
o autor das batatadas, que todo mundo sabe quem é, for eleito
presidente, qual será a reação de Biden? O primeirão na fila dos
telefonemas de congratulações e portas abertas na Casa Branca. Estará
certo: comportar-se olimpicamente é prerrogativa de quem tem tanto
poder.
Mas
mandar recados privados sobre a lisura das eleições via diretor da CIA,
vazando-os posteriormente, é uma atitude diplomaticamente complicada.
Em
outros tempos, a reação seria muito diferente. Durante a era dominada
pela frieza estratégica do general Ernesto Geisel, as relações com os
Estados Unidos aproximaram-se do congelamento. Assim o ex-presidente
José Sarney, com seu profundo conhecimento das coisas como eram por
dentro, relatou o ápice da crise, em 1977:
“Na
construção de seu projeto, trombou com os Estados Unidos, pelo qual
nunca teve grandes admirações nem afinidades, e quando o Brasil foi
atingido nas críticas da Doutrina Carter, dos Direitos Humanos,
aproveitou a oportunidade e, indignado, numa noite, sem consultar
ninguém, rompeu o acordo militar Brasil-Estados Unidos. No fundo, ele
nunca aceitou as missões militares americanas dentro de nossos quartéis,
dando instruções e ordens”.
O
próprio ex-presidente relembra que a abertura em câmara lenta para a
democracia – na qual Geisel não tinha uma “crença exacerbada” – ocorreu
quando “a linha dura dominava majoritariamente os escalões mais
importantes de comando das Forças Armadas”, tendo sido sistematicamente
neutralizada por Geisel.
“Ernesto Geisel os enfrentou, friamente, como estrategista, sem nenhuma preocupação política”.
A
mesma atitude foi usada no relacionamento com os Estados Unidos. Em
entrevistas dadas ao jornalista Gilberto Dimenstein, em 1995, Geisel
resumiu sua reação às pressões do governo Carter para acabar com os
abusos abomináveis – que o próprio general combatia, a seu modo: “Não
podia sujeitar o Brasil à interferência externa”.
Geisel
também negou que o fim brutal do acordo militar estivesse relacionado
às pressões americanas contra o acordo com a Alemanha que daria ao
Brasil o domínio do ciclo atômico.
“O Senado americano queria ser o juiz dos problemas dos direitos humanos no Brasil. Eu não podia aceitar isso”.
E a bomba?
“É uma idiotice. Em quem íamos jogar uma bomba atômica? Íamos jogar contra os Estados Unidos?”.
Na
era Geisel, o governo brasileiro se aproximou da União Soviética e dos
países árabes e votou na ONU contra o sionismo (ou seja, contra Israel e
os Estados Unidos). Seu sucessor, João Figueiredo, fez um acordo
nuclear com o Iraque, com cláusulas secretas.
Isso
sim era problema para os Estados Unidos. Antipatias pessoais e até
verborragia movida à doença infantil do antiamericanismo são episódicos.
Miraculosamente,
o presidente brasileiro não fez nada para detonar a si mesmo na cúpula
de Los Angeles nem prejudicar o encontro diplomática. Declarar-se
“maravilhado”, apesar de um certo exagero, ficou muito além das
expectativas.
E
Biden não seguiu o mau exemplo de seu enviado especial para o clima,
John Kerry, que insinuou algum tipo de responsabilidade do governo pelo
desaparecimento de Bruno Araújo e Dom Phillips.
Até agora, está todo mundo no lucro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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