Depois de anos enaltecendo a vitimização e o ressentimento, o amor que o público demonstrou por Top Gun: Maverick revela que estamos prontos para uma virada. Ana Paula Henkel para a Oeste:
O
ano era 1986. Eu, então com 14 anos e como toda adolescente da época,
fui hipnotizada pelo filme — hoje um clássico! — Top Gun: Ases
Indomáveis. É claro que ali havia o apelo da beleza masculina e a
performance do ator norte-americano Tom Cruise, mas havia algo a mais.
Mas, como qualquer adolescente da minha idade, eu não encontrava
palavras para identificar esse “algo a mais”.
A
garotinha do interior de Minas Gerais que adorava jogar vôlei cresceu e
resolveu se tornar uma atleta profissional. E, durante tantas andanças
pelo mundo ao longo de 24 anos de carreira, pude conhecer muitos países e
seus povos. Assim como nós brasileiros, cada nação tem suas
peculiaridades. Depois de algum tempo viajando sempre com vários atletas
de todo o mundo, você consegue identificar pontos da base genética de
uma nação através de alguns costumes que ficam muito explícitos em
atletas que estão competindo e representando suas bandeiras.
Para
os norte-americanos, o patriotismo latente sempre foi intrigante para
mim. Um ponto óbvio, no entanto, para qualquer observador. Confesso que
havia uma pontinha de inveja naquele enorme e explícito amor e orgulho
pelo país em absolutamente qualquer canto do planeta. E aqui deixo, para
todos os efeitos de registro, que esse latente patriotismo visto em
atletas norte-americanos era o mesmo indescritível patriotismo que nós,
atletas brasileiros, sentimos quando nosso hino é tocado enquanto
estamos no pódio e nossa bandeira verde e amarela é hasteada. Mas
faltava o tal “algo a mais” como nação. Não mais. Os anos passaram e,
hoje, deixamos de lado aquele orgulho pontual de nossas cores e hino
apenas em Copas do Mundo, e estabelecemos que, acima de qualquer agenda
esportiva ou política, está o Brasil. Aquela pontinha de inveja do
patriotismo dos norte-americanos ficou no passado. Nossa bandeira está
por toda parte, do Oiapoque ao Chuí!
Ao
longo desses anos competindo, e como amante das páginas de história,
pude ler livros, conhecer lugares e pessoas incríveis, e entender as
raízes de suas idiossincrasias. Hoje, ministrando um curso sobre
história e política americana para mais de 2 mil alunos, não é difícil
entender como o patriotismo sempre esteve presente na cadeia genética
dos Estados Unidos como um pilar insuperável.
Muito além da bandeira e do hino
É
fato que a América de hoje se distanciou da América que passamos a
infância vendo em filmes e séries de TV e que pude testemunhar como
atleta. Lá no passado, em que morava aquela pontinha de inveja, havia
também uma certa dúvida da dimensão do patriotismo daqueles atletas.
“Será que é isso tudo mesmo, ou eles exageram um pouco?”, pensava. Hoje,
morando nos Estados Unidos como cidadã norte-americana e mergulhada há
alguns anos na história da nação, posso afirmar com todas as letras: o
sentimento é real e há algumas fontes totalmente apolíticas para ele.
Muito além da bandeira e do hino, as bases desse orgulho estão
estabelecidas em pontos diferentes, que começam no próprio embarque para
a América para fugir da perseguição religiosa. Depois na revolução
contra os britânicos, na Constituição que prega liberdade e
responsabilidade dos Estados e indivíduos mais do que um governo
central, na união em guerras e, obviamente, no grande amor e respeito
inexoráveis por seus militares. Homens e mulheres que lutaram em guerras
distantes, algumas com muitos tropeços, sim, mas que não fugiram ao
chamado da nação. E há na construção dessas bases homens que honraram a
cadeira de George Washington, como Ronald Reagan. Cito o 40º presidente
norte-americano pela simples razão de que é na primeira semana de junho
que lembramos de sua morte, há 18 anos, em 5 de junho de 2004. É também
na primeira semana de junho que lembramos a bravura de norte-americanos e
soldados aliados na Segunda Guerra Mundial.
Embarcações se dirigem a Utah Beach, em 6 de junho de 1944, Dia D
Foi
em 6 de junho de 1944 que mais de 160 mil soldados aliados
desembarcaram ao longo de um trecho de 80 quilômetros da costa francesa,
fortemente armada e protegida, para combater a Alemanha nazista nas
praias da Normandia. Dwight D. Eisenhower chamou a operação de cruzada,
na qual “não aceitaremos nada menos do que a vitória total”. Mais de 5
mil navios e 13 mil aeronaves apoiaram a invasão do Dia D, e, no fim do
dia, os Aliados conquistaram uma posição na Europa Continental. O custo
em vidas no Dia D foi alto: mais de 9 mil soldados aliados foram mortos
ou feridos, mas o sacrifício permitiu que mais de 100 mil soldados
começassem a lenta e difícil jornada pela Europa para derrotar as tropas
de elite de Adolf Hitler. É também em resgates históricos de bravura
que tento encontrar caminhos para seguir por aqui em nossas resenhas
semanais, tentando vislumbrar um pouco de inspiração e esperança em
tempos estranhos.
Depois de ler o brilhante artigo de Rodrigo Constantino em Oeste sobre o filme Top Gun: Maverick,
a sequência do clássico de 1986 que já arrecadou mais de US$ 600
milhões em todo o mundo desde o seu lançamento, há pouco mais de 12
dias, nesta semana decidi assistir ao filme que parece já ter nascido
com a etiqueta de clássico. Muitos aqui nos Estados Unidos,
principalmente na indústria hollywoodiana que virou um braço militante
do Partido Democrata, ainda estão incrédulos com o sucesso da película,
que está apenas nos cinemas, algo tão 2019 depois do sucesso dos
serviços de streaming que disseram que o filme falharia por não seguir
esse caminho. Erraram feio.
Top Gun: Maverick
Top
Gun: Maverick vai além de um filme de ação ou uma sequência de um
clássico. A provável maior bilheteria do ator Tom Cruise fecha pontas
que andam sendo esgarçadas por aqueles que odeiam a América e tudo o que
ela representa para a Civilização Ocidental. O filme mergulha e traz
para a superfície exatamente aquela cadeia genética que faz brotarem
homens como os que desembarcaram nas praias da Normandia, enaltece
valores patrióticos, tão demonizados por movimentos como o Black Lives
Matter e seus asseclas, e destaca a grandeza da era Reagan. A alma do
filme é completamente divorciada da atual agenda marxista identitária,
segregacionista, vitimista, antiamericana e contra todas as liberdades
constitucionais. E não é difícil entender por que o filme vem
perturbando tanto os críticos militantes: o que incomoda na sequência de
Top Gun não são as maneiras como ela foi atualizada, mas como o coração
e a alma do filme permaneceram visceralmente os mesmos.
Segunda Guerra Mundial, a Batalha da Normandia, 1944
A
partir do momento em que fitamos os olhos em Maverick atuando como
piloto de testes no Deserto de Mojave, é difícil esconder o sorriso ao
descobrir que ele tem a mesma necessidade de velocidade e aversão à
autoridade que sempre teve. Quando um oficial superior diz: “Não me dê
esse olhar, Mav”, sobre alguma quebra de regra iminente, Maverick atinge
a nota certa de brincalhão interno travesso ao responder: “É o único
que eu tenho”.
Isso
não quer dizer que Maverick não tenha amadurecido nos últimos 36 anos.
Sua arrogância afiada se transformou em uma autoconfiança que está mais
interessada em se destacar pela excelência, em vez de provar algo a
alguém, o que vejo até como um ponto positivo; em tempos em que
hierarquias e regras são grandes vilãs na atual sociedade do “pode
tudo”, o filme é refrescantemente realista sobre como o desrespeito às
regras tende a afetar as perspectivas de quem quer seguir na carreira
militar — Mav ainda carrega o título de “capitão”, enquanto seu ex-rival
e bom amigo Iceman (Val Kilmer) alcançou o posto de almirante.
Para
quem gosta de Star Wars, você se lembra do retorno de Harrison Ford em O
Despertar da Força? Uma volta carregada de sentimentalidade e
nostalgia. Um tiro no coração. Mas no novo Top Gun, parece que há algo
mais profundo. Aquele “algo a mais”. E não são apenas as sequências de
ação verdadeiramente fenomenais até para o público feminino, mas a
cultura que lhes deu origem e o momento atual dos Estados Unidos e do
mundo.
Um choque revigorante
Neste
novo mundo desanimador em que generais militares sinalizam em tempo
integral as virtudes da diversidade e da inclusão em vez de mérito,
prontidão, companheirismo, dedicação, e que toda declaração oficial
precisa da etiqueta política para o pedágio ideológico para os
personagens que representam a bandeira do arco-íris, todas as letras do
alfabeto ou o punho cerrado, o estilo old school da nova classe de Top
Gun é um choque revigorante.
A
clássica jaqueta de Maverick continua a mesma, apenas com a ausência de
alguns patches, e a única concessão que o filme faz às realidades
modernas é a presença de uma única mulher como piloto, mas que nunca faz
questão de explorar seu gênero e não pede a ninguém para mudar seu
comportamento para atender às suas preferências. Através de suas
brincadeiras e jogos impetuosos de superioridade, os jovens ao seu redor
trazem à mente uma época em que os Estados Unidos ainda ganhavam
guerras e exibiam coragem e convicções no cenário internacional.
Se
críticos sérios estão mostrando uma reação positiva enorme a este
filme, que não possui nada de inovador, talvez seja porque ele oferece
virtudes que têm faltado de maneira trágica em nosso entretenimento.
Filmes, esportes, cerimônias como as do Oscar e do Globo de Ouro
resolveram ajoelhar de maneira monótona à turba ideológica insuportável e
que, por muitas vezes, parece beirar a loucura.
E
Top Gun: Maverick não se ajoelha. É a nostalgia da América da era
Reagan nos anos 1980 em grande escala em nossa imaginação coletiva. O
filme em si pode não perceber o impacto do quanto ele fala de um desejo
por dias mais confiantes, mas o fato de estar incomodando profundamente a
bolha hedonista de Hollywood, apesar do enorme sucesso global, sugere
que esses dias ainda podem ser possíveis e que o caminho — diante de um
mundo tão distópico — ainda é viável. Em um mundo onde pais “envolvem
seus filhos em plástico bolha” e protegem a prole contra qualquer dor
física ou mental, o filme é um sopro de pura esperança de que essa
geração veja — e entenda — o que realmente importa, seja nos Estados
Unidos, seja no Brasil ou no Japão. A competição feroz forja a dor, a
superação e o sucesso e forma a espinha dorsal da história, assim como
no filme original, de 1986. A nova geração de aviadores navais exala
toda a petulância e a confiança que Maverick (Tom Cruise) e Iceman (Val
Kilmer) fizeram no passado.
O presidente Ronald Reagan, no Salão Oval
E
é exatamente isso que diferencia o novo Top Gun da cultura idiotizada
de hoje, em que os troféus de participação são a norma e ninguém
acompanha mais a pontuação. Adolescentes são entregues a terapeutas até
mesmo antes da puberdade e suas pílulas antidepressivas são prescritas
em uma velocidade assustadora. É como se o filme viesse dar um tapa
moral em pais e mães omissos ou ocupados demais com as redes sociais e
em como parecer “cool” para os filhos que não sabem receber “nãos”. Para
mim, que acompanho os norte-americanos e sua cultura há muito tempo e
que hoje testemunho in loco a tentativa de destruição de pilares muito
fundamentais até para o Ocidente, é como se o filme gritasse ao som de
decolagens: “A América é gigante, maior que qualquer sabotagem interna, e
não temos medo de dizer isso!”.
É
difícil até de acreditar, mas houve um tempo em que os filmes exerciam
esse tipo de ethos, e o faziam com orgulho. Na década de 1980,
particularmente, Hollywood nos deu clássicos como o original Top Gun,
Iron Eagle (Águia de Aço), Red Dawn (Amanhecer Violento), Full Metal
Jacket (Nascido para Matar), a franquia Rambo e, entre tantos outros,
Heartbreak Ridge (O Destemido Senhor da Guerra), que, através do
personagem de Clint Eastwood, brinda a atual sociedade com uma palmada
de realidade, uma fala simples e que encaixa em todos os momentos da
vida: “Vocês são fuzileiros navais agora. Você se adapta. Você supera.
Você improvisa”. A gama de filmes inspiradores da época de Reagan na
Casa Branca é enorme: histórias que refletiam uma confiança cultural
nascida da ideia de que, entre mais acertos do que erros, a América era
uma força para o bem no mundo.
Top Gun: Maverick
Seria
o sucesso assustador Top Gun: Maverick um sinal para os ativistas da
agenda globalista de que a cultura está abraçando um retorno a esses
valores — e se afastando dos tendões de aquiles artificialmente
plantados na América e que fizeram de Hollywood uma fábrica de
esquerdistas hipócritas? Há fortes indícios de que é exatamente o que
está acontecendo. Já há quem diga que os democratas enfrentarão uma
derrota histórica nas eleições de meio de mandato (midterms) em novembro
deste ano, exatamente pela agenda de uma esquerda radical que nunca
pertenceu aos norte-americanos e que é empurrada goela abaixo pelos
atuais democratas. Joe Biden tem um índice de aprovação hoje mais baixo
do que qualquer presidente da história moderna. As pessoas estão
cansadas de ser expostas e canceladas pelos justiceiros sociais que
proclamaram a América um lugar sujo, malvado e racista. Um pequeno
parêntese: nesta semana, o jogador da NBA LeBron James, negro, se tornou
o primeiro bilionário da liga de basquete profissional dos EUA. O
bafafá da última cerimônia do Oscar foi protagonizado por três negros
influentes e podres de ricos na indústria do entretenimento.
Sonhos são possíveis
Na edição de 5 de novembro de 2021,
escrevi aqui em Oeste um artigo sobre a eleição para o governo da
Virgínia, quando os democratas perderam o controle de um Estado que
estava com o partido havia décadas. Ali, acredito que tenha sido o
primeiro sinal contundente desse cansaço dos norte-americanos com essa
agenda nefasta de que os Estados Unidos são um país com pecados
originais demoníacos e que se arrastam até os dias de hoje. Pois bem, os
norte-americanos, assim como nós brasileiros, anseiam por orgulho,
realização e têm a crença de que tudo é possível porque, com trabalho,
dedicação e igualdade de oportunidade — não de resultados! —, os sonhos
são possíveis.
A
política norte-americana, assim como no Brasil, é hoje muito bem
delimitada. Não é difícil identificar quem vota em democratas ou em
republicanos. No entanto, há um ponto de convergência entre eles que
parece não acompanhar o pêndulo político-ideológico. Filhos. Você pode
até ter uma simpatia por políticas econômicas e sociais mais invasivas
do governo, mas essa simpatia acaba quando o assunto é a invasão do
governo na esfera da educação familiar, na doutrinação da prole nas
escolas, na agenda Black Lives Matter + LGBTQHJKTREVVSJOPL e na ideia de
que os EUA são uma nação perversa. As mudanças culturais muitas vezes
oscilam fortemente na direção oposta após um período durante o qual os
costumes sociais dominantes foram desacreditados. Vimos isso depois do
mal-estar e do estado de total retrocesso na Presidência de Jimmy
Carter, que resultou na eleição de Ronald Reagan e no ressurgimento do
patriotismo, da confiança nacional e da elevação do sucesso pessoal como
um objetivo nobre.
Mas
o filme estrelado por Tom Cruise vai além do pilar familiar. Depois de
anos elevando e enaltecendo a vitimização, o ressentimento, o rancor, a
divisão e a destruição da família, parece que o amor que o público e os
críticos sérios demonstraram por Top Gun: Maverick revela que estamos
prontos para uma virada para a direita. Dizem que o melhor feito da
administração Jimmy Carter foi dar ao mundo e aos Estados Unidos o
presidente Ronald Reagan. Que 2024 chegue voando.
BLOG ORLANDO TAMBOSI






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