Paola Carosella ainda tem que aprender que o prazer de um xingamento é muito maior quando o xingamento é completamente universal. O xingador deveria sempre se incluir no próprio xingamento, como um homem-bomba. Via Crusoé, a crônica de Alexandre Soares Silva (o nosso @LordAss no Twitter):
Alguém discorda de você. O que é mais gostoso: persuadir essa pessoa, ou xingar essa pessoa?
Não
sei dizer, já que nunca persuadi ninguém de nada, mas vendo pelo
comportamento das pessoas às vésperas de uma eleição parece óbvio que o
segundo é bem mais gostoso do que o primeiro.
O
primeiro é um desejo vago, um ideal, algo que todos concordam que seria
bom e bastante útil se acontecesse. Mas o segundo é uma tentação tão
irresistível quanto dormir vinte minutos a mais no dia da sua prova do
Enem.
Paola
Carosella, a chef argentina, youtuber, ex-apresentadora de TV, mulher
entojadamente politizada e sósia mais bem-apessoada do falecido
governador paulista Orestes Quércia, causou uma certa celeuma este mês
por ter dito em um podcast que quem vota em Bolsonaro é “escroto ou
burro”.
Gente
como Carosella têm todo o interesse em chamar mais pessoas para o seu
lado, mas quando chega o momento não se aguentam, não se seguram — o
eleitor ex-bolsonarista estava até pensando em se filiar ao seu partido,
perguntando como fazer e tal, mas assim que estava tirando a caneta do
bolso para preencher o formulário é xingado pela mesma pessoa que estava
dois minutos antes tentando recrutá-la. Apenas porque sim. Leva cuspida
na cara, mostram-lhe o dedo do meio, é mandado de volta pra casa.
O que acontece? Que fenômeno é esse? Possessão demoníaca? Sabotagem inconsciente? Tourette?
O
que Paola Carosella conseguiu com isso? O prazer do insulto, que é um
prazer que eu entendo muito bem. Mas entenderia muito mais se ela também
estendesse o insulto a si mesma e aos eleitores do seu próprio
candidato favorito.
Paola
Carosella ainda tem que aprender que o prazer de um xingamento é muito
maior quando o xingamento é completamente universal. O xingador deveria
sempre se incluir no próprio xingamento, como um homem-bomba. Quando
você não se inclui num xingamento se torna vulnerável a que respondam
com a simples verdade: “É, sou sim. Mas não somos todos?”
Mas
além da compulsão de xingar existe outra motivação: não queremos ganhar
ou perder, queremos pertencer a tribos. Queremos fazer uma dança
tribal, pular pra cima e pra baixo com os nossos amigos enquanto
cantamos uma canção gutural e sincopada sobre cortar a garganta dos
inimigos. Toda discussão partidária equivale ao Haka dos jogadores de
rugby da Nova Zelândia.
O
naturalista, botânico e explorador inglês Sir Joseph Banks descreveu
assim o Haka, que testemunhou na sua primeira viagem à Nova Zelândia em
1769:
“…uma
dança guerreira que consiste de várias contorções dos membros, durante
as quais a língua é com frequência expelida até ficar com um comprimento
incrível e as órbitas dos olhos crescem tanto que é possível ver um
círculo de brancura em volta da íris…”
Nos
próximos meses vamos ver muitas danças de contorções dos membros e
olhos arregalados, feitas com o propósito duplo de intimidar os inimigos
e de fortalecer o laço com os amigos. Praticamente é só o que vamos
ver: dois grupos dançando um na frente do outro com toda a capacidade de
intimidação das gangues dançarinas e piruetantes do musical West Side
Story (o de 1961).
Mas eu não reclamo, eu não reclamo nunca. Vai ser divertido. Eu gosto de musicais.
***
Para
quem acorda todos os dias com a esperança de finalmente ver o primeiro
sinal da derrocada do movimento woke — será hoje? Ou em oitenta anos? — o
novo especial de stand-up de Ricky Gervais, “SuperNature”, tem causado
alguma alegria. “Ricky Gervais acaba com o feitiço dos woke”, exagera um
pouco a revista Spiked. Ou, na verdade, exagera muito. Mas 1) o
especial de Gervais, mais 2) o de Dave Chappelle, mais 3) Bill Maher
dizendo algumas coisas levemente anti-woke (nos alegramos com tão
pouco), mais 4) o recente memorando interno da Netflix dizendo, aos
próprios funcionários woke, que se eles se sentem incomodados com algum
produto da empresa podem muito bem ir embora; tudo isso seguido da 5)
notícia do cancelamento de vários shows woke (sugestão de jogo: tome um
shot de tequila cada vez que eu usar a palavra “woke” neste texto), além
é claro do 6) affaire Musk-Twitter, tem dado alguma esperança aos meus
amigos reacionários e a mim também.
Mas
da minha parte só queria ver um show, um show só, de stand-up
politicamente incorreto em que o comediante não se visse obrigado a
falar várias vezes que “é só uma piada”, “é só uma ironia”, “sabe o que é
ironia?”, “pessoal não sabe mais o que é ironia” etc; um show em que o
comediante não se sentisse obrigado a colocar uns avisos de que, na
verdade, é uma boa pessoa, como Dave Chappelle faz no final do seu
especial “The Closer”, contando uma história longuíssima do seu amigo
trans.
“São só piadas”, diz Gervais, no seu especial. “Eu vou falar umas coisas em que eu não acredito de verdade…“
O
fato de nenhum comediante conseguir falar piadas politicamente
incorretas sem meia-hora de preâmbulos e rapapés prova que,
infelizmente, ainda não assistimos ao começo da derrocada do movimento
woke (último shot de tequila).
Não ainda. Não exatamente. Mas amanhã, quem sabe.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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