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Hoje, a Rússia está sozinha contra uma OTAN ampliada. Com isso, o conflito entre a região atlântica e o coração da Eurásia caminha-se para um confronto. Antony Mueller para o Instituto Mises:
Os russos foram "escolhidos escatologicamente".
Eles devem oferecer resistência à falsa fé, à pseudo-religião do
liberalismo ocidental e à disseminação de seu mal: modernidade,
cientificismo, pós-modernidade e a nova ordem mundial.
Esta é a tese de Aleksandr Gelyevich Dugin,
o proeminente filósofo russo e mentor do presidente Vladimir Putin.
Sendo uma "área pivô" geográfica, a Rússia deve recuperar sua posição no
coração do continente eurasiano.
Filosofia política
A
teoria política de Aleksandr Dugin, baseada no tradicionalismo, quer
libertar o socialismo de suas características materialistas, ateístas e
modernistas. Ele classifica sua abordagem de "a quarta teoria política" (2012), pois é dirigida contra as outras três ideologias convencionais: comunismo, liberalismo e fascismo.
Dugin,
que leciona sociologia e geopolítica na Universidade Lermontov, de
Moscou, está à procura de uma nova ideia política para a Rússia. E ele a
encontra na identidade tradicional da região, a qual Dugin associa a
"religião, hierarquia e família". Como tal, sua teoria é uma "cruzada"
contra a pós-modernidade, a sociedade pós-industrial, o pensamento
liberal e a globalização.
Em sua terra natal, Aleksandr Dugin é um muito conhecido geoestrategista e mentor
do atual presidente russo, Vladimir Putin. Para Dugin, os EUA são uma
ameaça à cultura russa e à identidade da Rússia. Ele deixa sua posição
inequivocamente clara ao declarar que:
Acredito firmemente que a Modernidade está absolutamente errada e a Sagrada Tradição está absolutamente certa. Os EUA são a manifestação de tudo que eu odeio – Modernidade, ocidentalização, unipolaridade, racismo, imperialismo, tecnocracia, individualismo, capitalismo.
Aos seus olhos, os EUA são "a sociedade do Anticristo". Os Estados Unidos da América são o país sinistro e alarmante
do outro lado do oceano, "sem história, sem tradição, sem raízes […] o
resultado de um experimento puro feito pelos racionalistas utópicos
europeus".
Ele
lamenta que os EUA estejam impondo sua dominação planetária e
vivenciado o triunfo de seu estilo ao redor do mundo. Ele critica o fato
de que "única e exclusivamente em si mesmos" os EUA veem as normas do
progresso e da civilização.
De
acordo com Dugin, os EUA negam a todos os outros "o direito ao seu
próprio caminho, a sua própria cultura e ao seu próprio sistema de
valores". Sua conclusão, consequentemente, é que enterrar os EUA "é
nosso dever religioso".
A salvação não só da Rússia, mas de praticamente todo o continente eurasiano, é o retorno à sua "Sagrada Tradição". Aos olhos de Dugin,
a Rússia deve retornar à sua verdadeira identidade. Um retorno à
grandeza da Rússia é uma obrigação moral. E os EUA estariam impedindo o
cumprimento deste destino messiânico.
Geopolítica
Na visão de Dugin, a cisão cultural possui uma contraparte geopolítica. Sua grande visão é criar um eixo Paris-Berlim-Moscou que preencha o buraco negro geopolítico deixado na Eurásia após o fim da União Soviética.
Alguns dos conceitos básicos da geopolítica de Dugin remontam ao geógrafo geopolítico inglês Halford J. Mackinder e ao teórico geopolítico alemão Karl Ernst Haushofer (1869-1946). Mackinder (1861-1947) apresentou sua tese de que o coração da Eurásia é o "pivô geográfico da história" em uma reunião da Royal Geographic Society já em 1904.
O
prognóstico de Mackinder dizia que, embora a vasta área da Eurásia
tenha sido inacessível aos navios, essa desvantagem terminaria porque a
Rússia estaria prestes a construir um sistema ferroviário abrangente.
Ser inacessível aos navios não seria mais uma desvantagem. Com o sistema
ferroviário, o Império Russo estaria a caminho de pressionar "a
Finlândia, a Escandinávia, a Polônia, a Turquia, a Pérsia, a Índia e a
China". No mundo como um todo, uma Rússia modernizada "ocuparia a
posição estratégica central que a Alemanha usufrui na Europa".
À
época da apresentação de Mackinder no início do século XX, Londres já
estava preocupada com a ascensão da Alemanha como uma potência
industrial. E se a Rússia seguisse esse caminho, um novo e
potencialmente maior rival surgiria. Impedir qualquer aliança entre
Rússia e Alemanha ganhou prioridade estratégica nos círculos de política
externa do Reino Unido.
O conceito de manter o equilíbrio de poder
na Europa e anunciar a conquista da Rússia pela Alemanha, ou
vice-versa, tornou-se um imperativo estratégico, e motivou a
Grã-Bretanha a entrar na Primeira Guerra Mundial, em 1914.
Na década de 1920, a visão
geoestratégica de Karl Haushofer, de um eixo que iria de Paris, Berlim e
Moscou a Tóquio, ganhou forma na Alemanha e também atraiu estrategistas
soviéticos. A teoria geopolítica de Dugin representa a continuação desta linha de pensamento, e segue tanto Haushofer quanto a máxima de Mackinder:
"Quem governa a Europa Oriental comanda seu coração. Quem governa seu
coração comanda a Ilha-Mundo. Quem governa a Ilha-Mundo comanda o
Mundo".
Para
Dugin, o conflito entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN) e o Pacto de Varsóvia durante a Guerra Fria situa-se no mesmo
contexto da guerra entre Cartago e Roma. Com o fim da União Soviética e a
ascensão dos Estados Unidos como a única superpotência, esse conflito
histórico atingiu um novo estágio.
Hoje,
a Rússia está sozinha contra uma OTAN ampliada. Com isso, o conflito
entre a região atlântica e o coração da Eurásia caminha-se para um
confronto.
Uma década antes de a visão de mundo geopolítica de Dugin ganhar destaque, o estrategista geopolítico americano Zbigniew Brzezinski também identificou o coração do Leste Europeu como uma região-pivô. Em seu livro The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives
(2016), Brzezinski explica que, para manter seu papel primordial no
mundo, os EUA devem incluir a Alemanha e o Japão como suas fortalezas
nos lados ocidental e oriental do continente euro-asiático para manter a
Rússia sob controle.
Quanto
à importância da posição geoestratégica da Rússia e de seus vizinhos,
não haveria muita diferença entre Aleksandr Dugin e Zbigniew Brzezinski.
Para ambos, a Eurásia é o tabuleiro de xadrez sobre o qual a luta pela
primazia global continua a ser jogada. A diferença fundamental, no
entanto, entre os Estados Unidos e a Rússia é que o colapso da União
Soviética deixou os Estados Unidos na posição única de se tornar a
primeira superpotência com alcance global.
Para estabelecer essa hegemonia, explica Brzezinski,
a Eurásia é o "axial geopolítico", e a Ucrânia seria um estado-pivô
geopolítico. Segue-se que "sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um
império eurasiano. […] No entanto, se Moscou recuperar o controle sobre a
Ucrânia […] a Rússia automaticamente recupera novamente os meios para
se tornar um poderoso estado imperial, abrangendo a Europa e a Ásia."
Crítica
É
difícil entender que Dugin reivindique "tradição" e "identidade"
quando, na verdade, a história russa dos séculos XIX e XX foi um
desastre.
Foi o apego a tradições imaginárias que lançaram as bases para que as calamidades acontecessem.
Foi
a resistência dos czares contra o liberalismo e o capitalismo, que
continuou sob os soviéticos até a atual liderança, que bloqueou o
progresso da Rússia.
No século XX, a Rússia experimentou
uma catástrofe após a outra. A Guerra Russo-Japonesa de 1905 terminou
com uma derrota humilhante e provocou revoltas violentas no país. A
Primeira Guerra Mundial custou milhões de baixas e devastou a economia
da Rússia. A tomada de poder bolchevique
levou à sangrenta guerra civil de 1918-1921, seguida pela guerra
russo-polonesa de 1919-1920. A União Soviética começou sua existência
paralelamente ao estabelecimento do GULAG, a vasta rede de campos de concentração.
A industrialização forçada e a coletivização das terras agrícolas geraram o Holodomor,
a fome com milhões de mortes na Ucrânia e no Cazaquistão. O regime de
terror de Stalin prendeu milhões em campos de trabalho forçado.
A
Segunda Guerra Mundial de 1941-45 trouxe terríveis baixas militares e
civis e foi imediatamente seguida pela Guerra Fria com sua corrida
armamentista e envolvimentos caros em muitos países do Terceiro Mundo. A trágica guerra no Afeganistão,
que durou mais de dez anos, até 1989, deu o golpe final e levou ao
colapso da União Soviética. A tentação fracassada de estabelecer uma
economia de mercado não trouxe prosperidade, mas estabeleceu o capitalismo de estado oligárquico.
Igualmente
problemática é a análise de Dugin de que guerra e a cultura representam
o principal conflito entre a área atlântica e o coração da Eurásia.
Para ambos os aspectos, guerra e cultura, seu conceito de
"atlanticistas" contra "eurasianos" é fundamentalmente falho. As guerras
entre as nações marítimas europeias marcaram a história desde os tempos
da Grécia e Roma e atingiram novos patamares após a descoberta da
América.
Da
mesma forma, as "potências terrestres" França e Alemanha invadiram a
Rússia e ambas foram derrotadas pela Rússia com a ajuda dos
"atlanticistas".
Quanto
à tese de que há uma cisão cultural fundamental entre a Europa
Ocidental e as terras russas, vale lembrar que a Igreja Ortodoxa Russa
em muitos aspectos está mais próxima do catolicismo do que a Igreja
Católica está do protestantismo no Ocidente. A literatura e a música
russas do século XVIII foram profundamente influenciadas pela parte
ocidental da Europa, e as contribuições russas repercutiram fortemente
na Europa Ocidental.
Não
foi uma ruptura cultural que fez a Rússia adotar o marxismo em vez do
capitalismo de livre mercado e os valores do liberalismo clássico. A
Rússia importou essas falsas ideologias do Ocidente. Ao optar pelo
marxismo do Ocidente em vez do capitalismo liberal do Ocidente, a Rússia
cometeu seu maior erro até hoje.
Com
relação à atual guerra na Ucrânia, não apenas a política externa da
Rússia se tornou refém da geopolítica; ocorreu o mesmo com os EUA. Ao
perder a Ucrânia, a Rússia teme perder sua identidade junto com a chance
de se tornar um proeminente ator global novamente. Para os EUA, a
Ucrânia é vista como o estado-pivô crucial para manter e expandir sua
posição hegemônica global.
Em
ambos os países, os formuladores de política externa olham para o mapa
geográfico e veem um tabuleiro de xadrez. Ambos parecem acreditar que a
autoridade sobre a Ucrânia decide definitivamente seu próprio futuro.
Não
seria a primeira vez na história que uma "idée fix", como a
determinação geográfica dos assuntos mundiais, coloca em risco a
prosperidade e a paz em todos os continentes.
Conclusão
Caso
continue seguindo o caminho ideológico de Aleksandr Dugin, a Rússia
cometerá outro erro trágico. Em vez de acreditar nas ilusões de uma
tradição imaginária, a liderança russa deveria reconhecer que, a não ser
com o capitalismo de livre mercado, não haverá liberdade nem
prosperidade.
Historicamente,
a casa da Rússia não está fora da Europa. São Petersburgo e Moscou são
cidades europeias. Se, no entanto, as potências ocidentais não
conseguirem integrar a Rússia em um sistema de segurança comum, o país
se voltará para a Ásia. Com China, Índia e Irã, novas associações estão
disponíveis.
Considerando o papel estratégico "pivô" da Ucrânia, tanto a Rússia quanto os EUA podem estar errados.
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