O
terceiro ano da covid-19 começou sem trégua: a Bahia registrou a maior
taxa de transmissão da doença desde o início da pandemia. No dia 19 de
janeiro, esse indicador, chamado de fator RT, ficou em 4,36. Nesta
segunda-feira (24), ele estava em 2,22. Isso significa que cada 100
infectados passarão o vírus para outras 222 pessoas. Embora tenha caído
no período de cinco dias, o número é o maior já registrado após o novo
coronavírus atingir o auge no estado, em meados de 2020. Para que a
pandemia fique controlada e haja redução da curva de contágio, ele
precisa estar abaixo de 1. No dia 1º de janeiro, esse índice estava em
0,42. Em comparação com o balanço mais recente, o aumento foi 423,8% na
taxa de transmissão do estado, que também está acima da média nacional,
fixada em 1,64. Ou seja, os pacientes da Bahia transmitem o vírus para
mais gente do que a soma geral de todo Brasil.
Os dados foram fornecidos ao jornal Correio pela pesquisadora Juliane
Fonseca, do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde
(Cidacs), da Fiocruz. Ela é doutora em matemática e desenvolve modelos
para avaliar a evolução dos números da pandemia. “Tivemos um boom no
número de casos, que levou a um aumento drástico no RT. Ele já começa a
se estabilizar, mas a média na Bahia é de 3, ainda sim, um RT alto”,
avalia Juliane. Ela explica que a tendência de aumento do número de
casos hoje é maior que no início da pandemia, quando um outro fator era
utilizado: o R0. “No início da pandemia, o fator de transmissão é muito
instável, porque ele está pegando os primeiros dados. Por isso que
calculamos por uma outra métrica, o R0, correspondente ao RT. Mas há um
crescimento muito maior de notificação diária de casos se se comparar
com outros períodos, outras ondas. Isso mostra que a ômicron acelera a
transmissão”, constata a pesquisadora. Juliane ainda esclarece que
considera também as subnotificações no cálculo da taxa. “Sabemos que
existe o quesito subnotificação e os assintomáticos, que são pessoas que
podem transmitir a doença sem sequer apresentar sintomas. Então,
incluímos na métrica a hipótese otimista de que a transmissão da doença
pelos assintomáticos ou casos não detectados é uma transmissão um pouco
menor do que a transmissão daqueles que apresentam sintomas”, esclarece.
Ela pontua ainda que o apagão de dados do Ministério da Saúde pode ter
influenciado no cálculo. Sobrecarga no Lacen
Essa
grande quantidade de infectados pode ser observada pelos resultados do
Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Um a cada dois testes
analisados dá positivo. No dia 1º de janeiro, esse número era menor que
sete - um aumento de 723% de amostras positivas para a doença, em três
semanas. Segundo a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o
laboratório passou a receber mais que o dobro de testes por dia neste
período.
Antes, eram menos de dois mil testes
recebidos. Agora, passa de quatro mil. Para dar conta, o tempo de
processamento teve que aumentar de 48 para 72 horas. “O Lacen trabalha
24 horas por dia para dar vazão ao número de amostras e não atrasar
tanto o prazo de entrega do exame, mas teve aumento na entrega dos
resultados”, comenta o coordenador estadual de imunização, Ramon
Saavedra.
A ômicron, considerada mais
transmissível por especialistas, também é a culpada pela alta no número
de casos ativos, que saltou de 1.830 para 19.995, nos primeiros 24 dias
de janeiro. Isso significa um aumento de 992,6% na circulação do vírus. A
nova cepa, detectada no estado somente no dia 10, também já representa
76,5% das infecções no território baiano.
O
número mais preocupante, hoje, é justamente essa quantidade de casos
ativos. “São as pessoas que estão cursando a doença e são potenciais
transmissores do vírus. Vínhamos numa situação de controle da situação
epidemiológica, mas o aumento que tivemos do dia 1º de janeiro para cá é
gritante, uma progressão exponencial”, alerta Saavedra.
Por
isso que, segundo ele, é preciso manter as medidas restritivas. “Se
esses casos ativos, que são pessoas que têm potencial de transmissão do
vírus, estiverem circulando no território, pode aumentar a transmissão
na comunidade. Até porque elas vão estar se recuperando de suas
residências e, por achar que já estão boas, podem sair antes da hora.
Por isso, é preciso a manutenção das medidas de proteção e de
distanciamento social”, orienta o coordenador.
Os
locais de maior alerta para a transmissão do vírus são Salvador e
Região Metropolitana, pela densidade populacional. “É essa grande
circulação de pessoas que o vírus precisa para estar se perpetuando”,
esclarece. O número de mortes e internamentos não cresce na mesma
proporção que o aumento de casos, segundo ele, o que indica sintomas
mais leves.
A contaminação desenfreada faz o
governo do estado retroagir em algumas medidas, como diminuição do
público em festas de 3.000 para 1.500 pessoas e suspensão de visitas nas
unidades de internação. O atendimento presencial também foi suspenso na
Câmara Municipal de Salvador (CMS), até a próxima segunda-feira (31).
Ômicron é 10 vezes mais transmissível
Segundo
a médica Andréa Mendonça Gusmão, doutora em Virologia pela Unicamp e
professora de Virologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e
UNIFTC, já era esperado um aumento de casos após as festas de final de
ano. Isso porque a ômicron é mais transmissível do que todas as outras
cepas do novo coronavírus que já circularam.
“A
ômicron é 10 vezes mais transmissível que a delta, que já era uma
variante com maior transmissibilidade, quando comparado com a alfa e
beta. Então ela pode ser considerada uma variante supertransmissível. A
capacidade de transmissão de uma pessoa infectada é de cerca de 10 a 20
pessoas. Somado ao relaxamento e as festas que aconteceram final do ano,
resultou na explosão de casos que estamos vivendo”, detalha Andrea
Gusmão.
Ela também cita estudos sobre o tema
que indicam uma melhor adaptabilidade do vírus na população. “Estamos
observando que é uma variante menos invasiva, menos virulenta que as
anteriores, como a de Wuhan, na China. Ela tem maior afinidade pelas
células do trato respiratório superior, por isso que os sintomas são
mais dor de cabeça, dor de garganta e coriza, e não síndromes
respiratórias graves”, afirma.
Por se ligar
mais às células respiratórias da parte de cima do corpo, ela se torna
também mais transmissível. “Ela termina sendo transmitida com mais
facilidade, quando a pessoa fala ou espirra, por exemplo”, conta Andrea.
Sobre as pessoas infectadas após tomarem até três doses da vacina, ela
explica que se deve à mutação do vírus. “A variante mudou tanto que a
imunidade desencadeada pelas cepas iniciais reduziu e a vacina perdeu
eficácia. Ela protege contra o risco de óbito, mas não protege contra a
infecção pela variante”, conclui.
Sintomas mais leves
A
estudante de fisioterapia Vanessa Fernandes, 22, foi uma das que se
contaminou com a nova variante. O teste dela deu positivo na última
sexta-feira (20), mas os sintomas começaram na terça (18). Ela acredita
ter se contaminado após viajar com a família para a Ilha de Itaparica.
“Fiz o teste antes de ir para a ilha e deu negativo. Só que tive contato
com a família e a maioria das pessoas que voltou para casa já começou a
sentir os sintomas”, conta Vanessa.
Das 22
pessoas que frequentaram a casa, pelo menos oito testaram positivo.
Vanessa nunca tinha pego covid-19 desde o início da pandemia e está
vacinada com três doses. Todos os infectados, porém, só tiveram sintomas
leves, como dor de cabeça, moleza no corpo, tosse e febre baixa. “Desde
sexta que não sinto mais nada, só um pigarro chato na garganta”,
relata.
A empresária Rita Avoletta, 58, teve
sintomas ainda mais leves. “Tive dor de garganta por um dia e fiquei
rouca por uns quatro dias. Só fui fazer o exame porque tinha pego gripe
forte em dezembro, tinha feito o exame e tinha dado negativo. E, quando
foi agora em janeiro, fiquei rouca e com coriza, só que deu positivo”,
narra Rita. Ela testou positivo na última terça-feira (18) e também
tomou as três doses da vacina contra a covid-19.
Cidades com maior número de casos ativos
Salvador - 5.364
Guanambi - 612
Feira de Santana - 576
Camaçari - 494
Porto Seguro - 476
Jequié - 439
Barreiras - 421
Lauro de Freitas - 420
Itabuna - 358
Vitória da Conquista - 314
Fonte: Sesab
Nenhum comentário:
Postar um comentário