Diversos
esqueletos de Kungas foram achados em um palácio real escavado perto de
Alepo, atual Síria, na beira do rio Eufrates. Artigo do biólogo
Fernando Reinach para o Estadão:
Os
cavalos chegaram na Mesopotâmia 4 mil anos atrás. Antes disso, os
habitantes já haviam domesticado jumentos e os usavam para cavalgar,
puxar arados e transportar carga. Mas, os escritos deixados nos tabletes
de argila mencionam que outro equino era o preferido dos ricos e
poderosos. Eram os Kungas, que chegavam a ser enterrados com seus donos.
Esqueletos de Kungas foram achados em um palácio real escavado perto de
Alepo, atual Síria. Eles estavam enterrados cuidadosamente, em
fileiras. Esses esqueletos, que datam de 5 mil anos atrás, pertencem a
um animal maior que os jumentos. O estranho é que esses animais não
aparecem em nenhum outro registro fóssil. Que equino era esse? E por
qual razão outros exemplares não são conhecidos?
Agora,
geneticistas conseguiram analisar o DNA extraído de ossos de Kunga. O
que eles descobriram é que metade dos genes desses animais veio dos
jumentos domesticados e a outra metade de outro equino. Para identificar
qual seria esse segundo equino, o DNA foi obtido de diversas espécies
selvagens que ainda existem na Ásia. Foi um susto descobrir que a
segunda metade dos genes pertencem a um jumento selvagem, jamais
domesticado, em vias de extinção, do qual só existem dois exemplares
vivos. Esses animais são chamados hemippes e o DNA de esqueletos muito
antigos, de 11 mil anos, confirmam o achado. Analisando os genes das
duas espécies presentes nos Kungas foi possível determinar que os Kungas
resultam do cruzamento de fêmeas de jumentos com machos de hemippes.
Descrição
iconográfica e textual do kunga. (A) Sinais cuneiformes do terceiro
milênio a.C. para o kunga (ANŠE.BARxAN) acima de uma foto e desenho de
uma tabuleta de argila de UrIII Girsu/Lagaš (Museu Britânico BM23836)
apresentando múltiplas ocorrências, destacadas no desenho justaposto. As
duas primeiras linhas diziam “parcelas de cevada transmitidas de 1 bur 6
iku (=8,64 ha) em área, (para a manutenção de) ANŠE.BARxAN - equídeos
do rei” (desenho e tradução cortesia de K. Maekawa). (B) Detalhe do
Padrão de Ur mostra uma equipe de equídeos puxando uma carroça de quatro
rodas em batalha (crédito da foto: Imagens do Museu Britânico). (C)
Imagem de um anel de rédeas com equídeos decorativos de uma sepultura
real em Ur, contemporânea e semelhante às visíveis no Padrão de Ur. (D)
Painel de Nínive: “caçando burros selvagens” (645 a 635 aC) (Museu
Britânico , Londres). A Figura S8 mostra painéis adicionais atestando
que os equídeos representados são não-cabalinos. (C e D) Museu
Britânico, Londres; Crédito da foto: E. Andrew Bennett. Foto:
Reprodução/ Revista Científica Science Advances
Provavelmente
as fêmeas de jumentos eram cruzadas com hemippes mantidos em cativeiro
ou capturados. Como os hemippes são maiores e mais rápidos, esses
híbridos eram valorizados. Os hemippes, como as zebras, são difíceis de
domesticar. Como os híbridos não são férteis, esses animais eram raros,
só existiam porque eram criados pelos humanos e, portanto, nunca
encontrados fora das cidades.
Da
mesma forma que hoje produzimos mulas e burros, cruzando cavalos com
jumentos, essa mesma tecnologia havia sido descoberta por nossos
ancestrais aproximadamente 5 mil anos atrás. Como ainda existem dois
hemippes vivos, há a possibilidade de os cientistas tentarem produzir
Kungas e aí veremos como eles se comportam. Os Kungas desapareceram
séculos depois com a chegada dos cavalos domesticados. São os mais
antigos animais híbridos produzidos pelo homem.
Mais informações: The genetic identity of the earliest human-made hybrid animals, the kungas of Syro-Mesopotamia. Sci. Adv. 8, eabm0218 2022
*
É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E
AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS,
ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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