Boris, Andrew e Novak deram maus exemplos de desonra. Vilma Gryzinski para a edição impressa de Veja:
“Tire-me
a honra e minha vida terá acabado”, escreveu o supremo mestre dos
dramas em que se entrechocam ambição, sede de poder e sentimento de
honra. Os personagens de dias recentes que perderam a dignidade e a
reputação no teatro moderno da opinião pública seriam no máximo
coadjuvantes num drama de Shakespeare. Estariam mais à vontade numa
comédia em que espertalhões se enroscam em suas artimanhas. Boris
Johnson foi tripudiado, com justiça, pelo pedido arrevesado de desculpas
por uma happy hour em Downing Street quando o resto da Inglaterra
penava sob regras do confinamento. “Eu acreditei implicitamente que era
um evento de trabalho”, disse ele sobre a festinha no jardim do
conglomerado onde os primeiros-ministros britânicos moram e trabalham. A
frase foi uma cuidadosa construção para que, mesmo encaixada num pedido
de desculpas, deixasse uma saída legal a Boris no caso de uma
investigação policial. Em outras palavras, uma mentira deslavada. Outro
mentiroso simultaneamente coberto de desonra foi o príncipe Andrew, o
filho a quem a rainha Elizabeth cortou de vez de qualquer função
pública. Andrew foi segregado e degradado depois de definido que ele
será objeto de uma ação indenizatória na Justiça americana por fazer
sexo com uma menor de idade propiciada pelo bilionário pervertido
Jeffrey Epstein. O trio de desonrados se completou com Novak Djokovic,
cuja falta de classe nas quadras foi vergonhosamente transposta para
fora delas com a exposição da sequência constrangedora de mentiras em
que se enrolou para participar do campeonato Aberto da Austrália sem a
vacinação contra a Covid.
Honra
é uma virtude que parece ter ficado fora de moda, superada por sua
associação à sociedade patriarcal (aquela em que, em nome dela, um
marido podia — e devia — matar a mulher adúltera) e a extremos como os
da “era dos duelos”, o período entre os séculos XVIII e XIX em que a
mais mínima ofensa, ou suspeita dela, era levada à disputa a tiros de
pistola. Um dos duelos mais famosos, ou infames, foi aquele em que Aaron
Burr, então vice-presidente, matou um dos gênios da Revolução
Americana, Alexander Hamilton, em 1804. Motivo: comentários insultantes
que Hamilton teria feito num jantar sobre o adversário político. Mesmo
tendo errado o tiro e morrido 31 horas depois de alvejado por Burr, quem
entrou para a história, deixou uma frase antológica (“Se os homens
fossem anjos, não seria preciso governo algum. Se os anjos governassem
os homens, não seriam necessários quaisquer controles internos ou
externos sobre os governos”) e virou musical da Broadway foi Hamilton. O
senso exacerbado de honra na vida pública foi gradativamente
substituído pela ideia de que “políticos são mesmo assim” e a elite é
uma esbórnia só. Uma senhora de 95 anos demonstrou que ainda há quem não
aceite a derrocada dos padrões. Agindo como rainha, e não como mãe — dá
para imaginar o conflito —, Elizabeth II tirou do filho predileto até o
tratamento de Sua Alteza Real, ao qual tinha direito desde o
nascimento. Como Bill Clinton em seus contorcionismos verbais na época
de Monica Lewinsky, Andrew diz que “não tem lembrança” de ter conhecido a
mulher que hoje o acusa. É outra construção feita por advogados. No
popular, falta de vergonha na cara.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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