Com uma faculdade a cada esquina, qualquer família que pagar pode ter seu filho graduado em medicina. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Qualquer família de classe média alta do Brasil que conseguir pagar 10 a 15 mil reais por mês para uma faculdade de medicina pode ter seu filho médico à vontade.
Medicina
ainda é a profissão de maior valor para as famílias, apesar de que o
glamour associado a ela, quando olhado de perto, já é distante do
cotidiano dos médicos.
Entrar
em medicina, devido à gigantesca competição e ao difícil cotidiano da
formação, sempre significou que os jovens na carreira eram acima da
média em termos cognitivos e de resiliência.
Entrar
no estresse da competição para se formar médico sempre foi um
indicativo de um maior conjunto de skills profissionais, mesmo que, com o
passar do tempo, o desgaste do cotidiano de trabalho acabasse por
aniquilar muitas vezes as promessas de inteligência acima da média que
havia na partida. A vida como ela é faz tudo ficar como ela é.
Claro que a medicina continua sendo uma grande carreira, cheia de profissionais grandiosos,
responsáveis e que salvam vidas, como vimos na pandemia —hoje, no mundo
das redes sociais e da estupidez que assola a recepção dos conteúdos do
pensamento público, fazem-se necessários sempre reparos óbvios como
este.
Feito esse disclaimer, o que essas faculdades que custam de 10 a 15 mil reais mensais têm a ver com os escândalos recentes de operadoras de saúde de baixo custo?
De
partida, elas indicam que a única seleção nessas faculdades de medicina
de ocasião é quem pode pagar essa grana. Nem a qualidade do curso nem a
qualidade de quem entra nele importa muito.
Desde
o governo Fernando Henrique Cardoso, a "democratização" das faculdades
de medicina inundou o mercado da formação na carreira. Esse fato, por
sua vez, inundou o mercado com profissionais medíocres e mal formados.
Hoje,
há uma faculdade de medicina em cada esquina, quase na mesma quantidade
de supermercados e quitandas. A intenção dos governos, supostamente,
era aumentar a oferta de médicos para ampliar o quadro do SUS,
,já que as boas oportunidades de emprego não assimilariam tamanha
"democratização" na oferta de médicos, muitas vezes de qualidade
bastante duvidosa. Mas nem tudo aconteceu como as "boas intenções"
esperavam.
Pelas vias em que o mercado capta oportunidades, como sempre,
investidores perceberam que aí estava uma grande oportunidade para
abrir operadoras de baixo custo, empregando médicos jovens que mal
conhecem medicina e que dificilmente conseguiriam espaço em instituições
mais competitivas, identificadas com faculdades de medicina mais
tradicionais e de maior qualidade histórica. A carreira médica sempre
foi o topo da aristocracia profissional burguesa.
Resultado, uma massa de maus médicos correu para esse mercado que agora se faz objeto de escândalos.
Portanto, há uma "parceria" entre oportunistas nesse processo que vai além dos furos jornalísticos da CPI.
Essa parceria reúne investidores no mercado da saúde, médicos mal
formados em busca de carreiras e salários, agências reguladoras e
associações de classe de comportamento duvidoso e muito marketing
mentiroso —pura redundância. A saúde sempre foi uma área de exploração
do grande capital e da grande corrupção, que costumam andar lado a lado.
O
mercado de seguradoras sabe que ninguém quer segurados idosos com baixa
renda, como é o caso da imensa maioria da população que precisa de
segurança de saúde. Idosos custam muito caro para as seguradoras, daí o
altíssimo custo da operação.
O nicho dos idosos tende a ser ocupado por operadoras e profissionais dispostos a manobras de baixo caráter ético na lida com o sofrimento e de teor técnico muito abaixo da média.
Quanto mais medíocre o profissional, mais chance ele terá de crescer na
instituição, já que ele aceitará as práticas mais absurdas.
O
caso Covid tornou isso evidente, apesar de que nada mudará uma vez
esquecida a pandemia. O fundo da estrutura que gerou os maus tratos
permanecerá em outros quadros que atrairão menos mídia. A vida não vale
nada em quase nenhuma parte do mundo, apesar do heroísmo de alguns.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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