Foi o que fez a governadora Isabel Díaz Ayuso ao defender o legado espanhol nas Américas - e, como é do estilo dela, sem meias palavras. Vilma Gryzinski:
A
colonização das Américas foi boa ou ruim? A pergunta, obviamente, não
tem resposta. Acontecimentos históricos de dimensões astronômicas não
podem ser enquadrados em categorias tão simplistas.
Na
prática, porém, é o que todo mundo gosta de fazer. A tradição
esquerdista, profundamente entranhada no mundo acadêmico, ainda
considera rebelde ou desafiador comparar a conquista – predominantemente
espanhola, com Portugal ocupando um espaço na discussão quase que só no
Brasil – a uma hecatombe civilizacional.
A direita, habitualmente, enfia a viola no saco e não compra uma briga na qual acha que não tem muito a ganhar.
Exceto
se a direita for representada por uma briguenta daquelas como Isabel
Díaz Ayuso, consagrada no cargo equivalente ao de governadora da região
de Madri justamente por comprar brigas.
A
última delas foi com o papa Francisco. Em visita aos Estados Unidos,
ela disse achar “surpreendente” que o papa argentino tenha exortado o
clero mexicano a pedir perdão pelos “pecados pessoais e sociais” da
Igreja na colonização do México.
A
questão é cheia de arestas: aproveitando as comemorações dos 200 anos
de independência mexicana, Andrés Manuel López Obrador, o presidente
populista, escreveu em março ao rei Felipe instando-o a pedir perdão
oficial em nome da Espanha pelos abusos cometidos durante a conquista e a
colonização (sobre o papel da Igreja católica, não é novidade: João
Paulo II e Bento XVI já haviam feito o meu culpa, mas Francisco achou
que tinha que repetir o ato de contrição).
Díaz Ayuso pisou fundo:
“Fico
surpresa que um católico que fala espanhol fale assim de um legado como
o nosso, que foi exatamente levar o espanhol e, através das missões, o
catolicismo e, portanto, e a civilização e a liberdade, ao continente
americano”.
Provavelmente
não existe nada mais politicamente incorreto no planeta do que dizer
que o descobrimento, a conquista e a colonização das Américas trouxeram a
civilização para os bárbaros, uma visão perfeitamente natural na época,
hoje execrada justamente pelo excesso de simplicação.
Na
Espanha, ainda marcada pela Guerra Civil e as divisões radicais entre
direita e esquerda, a questão é mais complicada ainda. Do ponto de vista
conservador, o país e seu riquíssimo legado histórico foram arrastados
na lama pela Lenda Negra, a campanha de desmoralização – e fake news,
embora muitas fossem baseadas em fatos verdadeiros – promovida pela
Inglaterra quando os dois impérios começaram a disputar espaços.
Quando falam do passado, os espanhóis – como todo mundo – estão falando do presente, inclusive das disputas ideológicas.
O ex-primeiro-ministro José María Aznar, do mesmo Partido Popular que Isabel Díaz Ayuso, foi na mesma linha da governadora.
“Nesta
época em que se pede perdão por tudo, eu não vou engrossar a fileira
dos que pedem perdão. Por defender a importância histórica da nação
espanhola, a história da Espanha – com seus claros e seus escuros, com
seus acertos e com seus erros -, estou disposto a me sentir muito
orgulhoso, não a pedir perdão”.
Aznar
ironizou as próprias contradições mexicanas, como a de um presidente
mestiço que quer tomar satisfações com a antiga matriz colonial, como se
fosse um legítimo representante do nativismo. “Como se chama ele?”,
perguntou. “Andrés pelos astecas, Manuel por parte dos maias; López é
uma mistura”.
Isabel
Díaz Ayuso está nos Estados Unidos a convite de uma instituição
conservadora para levantar argumentos contra o indigenismo, a corrente
que condena in totum a colonização. Fortemente influenciado pela
imigração mexicana, o indigenismo é hoje dominante.
Uma
de suas manifestações é a eliminação em massa das comemorações do
descobrimento da América, lembrado no Dia de Colombo, hoje riscado do
calendário de muitas das cidades mais importantes do país. As estátuas
derrubadas ou removidas do descobridor genovês atestam as vitórias
ideológicas do indigenismo.
Os
exageros da visão revisionista da história acabam provocando efeitos
opostos como os defendidos pelo cientista social argentino Marcelo
Gullo, um estudioso do assunto que escreveu o livro Mãe Pátria.
Em entrevista ao El Mundo, ele fez o papel de provocador profissional. Alguns trechos:
“A
Espanha não conquistou a América, a Espanha liberou a América. Para
isso, Hernán Cortés aglutinou 110 nações mexicanas que viviam oprimidas
pela tirana antropófaga dos astecas e que lutaram com ele. A batalha de
Tenochtitlán foi cruenta, mas a batalha de Berlim também foi”.
E depois da conquista?
“Houve
outro imperialismo”, reconhece Gullo. “Mas não foi embrutecedor. A
Espanha encheu a América de milhares de hospitais gratuitos e de 410
universidades e, fundamentalmente, fundiu seu sangue. O filho de Cortés
foi à corte. Onde está o racismo aqui, as políticas de extermínio?”.
Claro
que esta é uma visão simplificada de propósito, para causar. Seus
excessos deveriam servir de lição aos acadêmicos brasileiros que ainda
acham moderninho menosprezar e ridicularizar a complexa história da
formação do Brasil, com seus múltiplos e tantas vezes contraditórios
atores.
Enaltecer a tentativa de incêndio do bonecão de Borba Gato não torna ninguém mais justiceiro – apenas mais tolo.
Menos
bombásticos do que os mexicanos, com sua história tão cheia de
revoluções, guerras e massacres (inclusive ou principalmente antes da
conquista espanhola), os brasileiros podiam aproveitar e entender melhor
a si mesmos sem os arroubos que obscurecem o bom senso e o bom
entendimento.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário