Deixemos claro que o Sete de Setembro de 1822 foi um passo importante e pacífico da Independência do Brasil. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Escrevo
no dia 6 de setembro de 2021. Estou, portanto, entre o Sete de Setembro
do passado e o Sete de Setembro de amanhã. Hoje só se fala do Sete de
Setembro que ainda não houve.
De
minha parte, prefiro escrever sobre o Sete de Setembro que já houve. Na
escola, vemos a Independência de uma maneira muito pobre e ruim. Parece
que um belo dia D. Pedro se desentendeu com a família e decretou a
Independência às margens do Rio Ipiranga. Parece que é tudo uma ninharia
da vida privada de monarcas. Trata-se do enésimo caso de
autodepreciação do Brasil promovido em escolas: há a Guerra do Paraguai
há décadas; há o ódio à mestiçagem há menos tempo.
Pois
muito bem: deixemos claro que o Sete de Setembro de 1822 foi um passo
importante e pacífico da Independência do Brasil. Mas esta está longe de
ter sido pacífica e afastada do interesse público.
D. João VI, um absolutista
Temos
visto Tocqueville nesta coluna nos últimos dias. Ele aponta que a
França, na época da Revolução, diferia apenas no grau de modernidade de
suas instituições. Por toda a Europa, os nobres eram uma camada
intermediária de poder que reduzia o poder do Rei. E por toda a Europa
as camadas intermediárias vinham se anulando, de modo que o poder se
concentrava na pessoa do Rei.
O
Reino de Portugal foi o único reino europeu a transferir sua capital
para a América. O Príncipe Regente Dom João fizera isto para escapar do
exército imbatível de Napoleão conservando a própria independência. O
Príncipe Regente, sua mãe, a Rainha Maria I (conhecida entre nós como
Maria, a Louca, e entre os portugueses como Maria, a Pia) e a corte saem
de Lisboa em novembro de 1807 e chegam primeiro a Salvador em 1808,
onde atendem à demanda da aristocracia local por livre comércio. O
Visconde de Cayru (um mulato baiano), leitor de Adam Smith, consegue
enfim que o Príncipe assine em Salvador o Tratado de Abertura dos
Portos, que livra os brasileiros para comerciar com nações diferentes de
Portugal.
Após
um período em Salvador, a corte se instala no Rio de Janeiro. Lá morre a
D. Maria em 1816 e o Príncipe Regente se torna então o Rei João VI de
Portugal, Brasil e Algarves. O Brasil tinha, então, um monarca
absolutista. Que significa isso? Que todos os poderes estavam
concentrados em sua pessoa. Os partidários do absolutismo eram
conhecidos no Brasil como corcundas.
A
oposição à monarquia absolutista era o constitucionalismo. A maioria
dos constitucionalistas queria que o Reino de Portugal, Brasil e
Algarves tivesse um Rei sujeito às leis de uma Constituição. Uma minoria
radical, entusiasta da Revolução Francesa, que queria instaurar a
República. De um jeito ou de outro, haveria Constituição.
A
ideia de que todos devem estar sujeitos à lei é basilar do liberalismo.
Então não repitam que o Brasil não tem história de liberalismo, pois
não é verdade. A vinda da Corte para o Brasil coincidiu com um processo
de liberalização comercial. A saída da Corte do Brasil alavancou uma
guerra pela liberalização política – o fim do Absolutismo e a criação de
uma Monarquia Constitucional.
Um monarca para chamar de nosso
Que
poderiam fazer os brasileiros para ter uma monarquia constitucional? Em
tese, a Independência nem seria necessária para isso; afinal, a
Constituição também era uma demanda portuguesa. Em 1820, estoura a
Revolução Liberal do Porto exatamente com essa pauta. D. João VI volta
para Portugal em 1821 a fim de aplacar a revolta, e no fim das contas,
já depois da nossa Independência, acabou saindo uma Constituição em 1822
meio artificial, que durou só uns meses. De 32 a 34, Portugal ainda
enfrentaria uma guerra civil entre absolutistas e constitucionalistas.
Todo
mundo por aqui devia saber que D. João VI era um absolutista que
morreria absolutista. A solução, então, era arranjar um monarca para
chamar de nosso. Se Rei foi embora, ficamos então com o Príncipe
Herdeiro. Também pesavam sobre ele as suspeitas, muito fundadas, de ser
um homem de convicções absolutistas. Por outro lado, o homem saberia que
seu eventual reinado estaria calcado no apoio de constitucionalistas.
Intervenção d’Além Mar sobre províncias brasileiras
Em
1821, o clima já está esquisito. A Coroa manda que o Príncipe Pedro
volte para Portugal, mas ele não volta. Sua aclamação como Imperador do
Brasil é gestada politicamente nas províncias do Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas Gerais. O plano da Coroa portuguesa passa a ser, então, a
de usar as províncias do norte – especialmente a Bahia – como base da
reconquista do Brasil.
A
Coroa envia para as províncias do Brasil, começando por Pernambuco,
generais nomeados governadores e chefes das armas locais. Todos são
responsáveis somente perante o Rei. O da Bahia é o General Madeira de
Mello, notório absolutista. As Câmaras municipais fazem o possível para
contestar a legalidade dessas ações. Escreve a do Rio de Janeiro: “a
criação do novo sistema de governos provisórios dados ao Brasil […] e a
força militar independente deles, sujeita ao governo de Portugal, a este
só responsável, e às Cortes, fez cair com o simples golpe de pena […] o
trono excelso que Vossa Majestade tinha levantado no império da opinião
dos filhos do Brasil.” A representação dos 425 contrários à nomeação do
General Madeira de Mello para a província da Bahia escreveu: “do
comando das armas depende em grande parte o gozo da liberdade civil, ou a
escravidão, segundo forem liberais ou despóticas daqueles a quem for
confiado, principalmente havendo-se estabelecido […] que o governador
das armas seria responsável às Cortes e a el-rei.”
O
general português da Bahia já era conhecido dos baianos e detestado.
Assim, um outro general, baiano, chamado Manoel Pedro de Freitas
Guimarães, começa a ser aclamado por militares e civis como uma
liderança para expulsar os militares portugueses apoiadores do
absolutismo. O general estava broco, não liderou nada, terminou
defendendo a República num asilo de doidos. Ainda assim, uma quartelada
baiana se iniciou em fevereiro de 22, contando com a adesão cúmplice das
freiras do Convento da Lapa.
Antes
de escalar para o conflito aberto, as câmaras baianas se articulavam
para criar uma junta governativa e buscar apoio dos constitucionalistas
portugueses. Demorou para que os políticos baianos entendessem a guerra
como uma guerra entre brasileiros e portugueses; em vez disso,
tratava-se de escaramuças entre constitucionalistas e absolutistas. A
coisa mudou após se formarem na Bahia milícias de civis e militares
portugueses que gritavam “Morra, Manoel Pedro!”, o chefe da resistência
baiana malgré lui. E se tratava justamente da Legião Constitucional
Luzitana. Esses portugueses, apoiadores de Madeira de Mello fecharam a
Rua Direita do Palácio, e impediram votações.
Enquanto
isso, as quarteladas fervilhavam, ainda que sem comando definido.
Revoltados com as freiras, portugueses invadiram o Convento da Lapa e
mataram a Abadessa Joana Angélica. A guerra se iniciara e ganhara uma
mártir.
Tudo isso em fevereiro de 1822, ou seja, antes do plácido Sete de Setembro.
Fuga de Salvador e retomada um ano depois
Salvador
é tomada por Madeira de Mello, que recebe tropas enviadas de Portugal
para serem mantidas com recursos da província da Bahia. Os políticos
baianos então começam a se mobilizar fora de casa. Primeiro se refugiam
no Recôncavo. De lá vão primeiro ao Rio de Janeiro fazer política e se
inteirar das tramas dos cariocas, paulistas e mineiros. Voltam para o
Nordeste e se entocam em duas localidades: Recife e Recôncavo baiano. As
articulações político-militares não cessam, e resultado disso são as
aclamações de D. Pedro como regente do Brasil. Primeiro na vila de
Cachoeira no dia 25 de junho de 1822 e em seguida na de Maragogipe em 26
de junho. Enquanto isso, os militares também vão para o Recôncavo e
buscam, junto aos políticos, aliança com os senhores de engenho para
aumentar a tropa.
Esse
era o estado de coisas no Brasil quando Dom Pedro declarara a
Independência na província de São Paulo. No Recôncavo e na Ilha de
Itaparica a Guerra entre baianos e portugueses recebia auxílio de
pernambucanos, alagoanos, paraibanos, e depois a tropa do Almirante
Cochrane enviada por D. Pedro I. Salvador só foi reconquistada em Dois
de Julho de 1823. A Independência da Bahia é muito comemorada, tem um
festejo cívico-religiosos e é ensinada nas escolas.
A
Bahia nem foi o último território brasileiro a ficar independente de
Portugal. Quando isto aconteceu, a Guerra ainda se estendia no Maranhão e
no Pará, o último estado a expulsar os portugueses.
Uma
vez decretada a independência, nos tornamos uma Monarquia
Constitucional. O gênio de D. Pedro de fato pendia para o absolutismo e
seu reinado não foi fácil. Assim que pôde, foi reivindicar sua coroa na
pátria absolutista. E nós ficamos cá, com Bonifácio, o menino imperador e
uma Constituição.
PS:
As informações sobre a independência da Bahia foram tiradas de “A
independência do Brasil na Bahia”, de Luís Henrique Dias Tavares.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário