O performático economista Javier Milei criou um personagem que fala palavrões, detona a 'classe política de m****' e o levará ao Congresso. Vilma Gryzinski:
Ele
está falando sério? É candidato de verdade? Usa peruca? Quem vê Javier
Milei pela primeira vez se faz muitas perguntas dessa natureza.
“Olá
a todos, eu sou o leão”, disse no domingo, ao encerrar sua campanha às
primárias da eleição legislativa de novembro. Umas quinze mil pessoas o
aplaudiram o inusitado candidato pela frente Avança Liberdade.
Com
os cabelos eternamente revoltos e jaqueta de couro, Milei poderia ser
confundido, nos seus 50 anos e uma silhueta algo volumosa, com os vários
políticos argentinos de passado roqueiro, real ou imaginário –
inclusive o presidente Alberto Fernández.
Quando
abre a boca, a confusão se esclarece. O rock pesado dele é de outra
natureza. “Há pouco mais de um mês, pedi que rugissem forte e vocês
conseguiram, porque a classe política está toda borrada”, disse ele no
comício. A palavra usada não foi exatamente borrada.
“Classe
política de m****, bandida, parasitária, jamais irei contra a
propriedade privada, contra a liberdade, aumentar um imposto”.
Os
palavrões, a linguagem sem freios e as ideias libertárias são alguns
dos pontos que o aproximam de Olavo Carvalho, no auge. Impressão
aumentada depois que Eduardo Bolsonaro tuitou uma manifestação de apoio –
“em meio ao escândalo da suspensão da partida então entre Brasil e
Argentina”, anotou o La Nación, tentando estabelecer algum nexo
misterioso entre os dois fatos.
“Não só adoramos deixar os esquerdistas loucos, mas também nos une a liberdade”, escreveu Bolsonaro filho em espanhol fluente.
Se
o deputado brasileiro e o futuro deputado argentino estivessem numa
partida imaginária, para manter o tema, Javier Milei teria a vantagem de
um repertório muito mais sólido.
Mas
certamente ele tomou algo emprestado dos Bolsonaros, especialmente o
pai, no campo do discurso sem freios, um “dom natural” no presidente
brasileiro, cultivado em Milei.
Como
um professor de economia, ex-goleiro do Chacarita Juniors e cantor numa
banda de sucesso zero, se tornou um clone dos populistas de direita que
comem mel e cospem abelhas?
Fazendo
a lição de casa, com uma carreira em instituições financeiras
importantes, universidades, nove livros e nenhuma vontade de virar um
“gravatão”, uma das muitas mentes brilhantes que circulam nesse meio
ambiente e só aparecem como aspas rápidas em reportagens da seção de
economia.
Ao
decidir levar Adam Smith e a Escola Austríaca para o povo, em
escaldantes programas de debates de rádio e televisão – “Você poderia
ler meus livros, mas se o fizesse não os entenderia”, disse a uma
jornalista que dividiu um desses palcos -, Milei também criou o
personagem que diz ser instrutor de sexo tântrico.
Quando
dispara que o keynesismo é “um lixo” e chama o modelo cepalino de
“porcaria” – duas linhas de pensamento econômico que ganharam uma
espécie de versão alucinada na Argentina -, a audiência pode não
entender exatamente qual é a mensagem, mas dá risada com o estilo do
mensageiro.
A
mensagem antigoverno reverbera principalmente entre um público bem
jovem, inclinado a abrir os braços – e os ouvidos – ao discurso
“anarcocapitalista” de Milei. Contra o aborto e o Banco Central, a favor
do casamento gay e da liberação das drogas, ele chacoalha qualquer
audiência.
“Antes,
ser rebelde era ser de esquerda e agora o status quo é de esquerda. Por
isso, os mais jovens, que são rebeldes, abraçam o contrário das ideias
de esquerda”, teoriza.
Para
a esquerda no poder, através da ala kirchnerista do peronismo, Milei
pode até ser útil, levando votos que iriam para a coalizão Juntos Pela
Mudança, a principal força de oposição, igualmente chicoteada pelo
economista que vestiu o figurino de outsider.
Se
for eleito, como muito provavelmente será, Javier Milei será apenas
mais uma figura folclórica no Congresso e acabará engolido pelo sistema
que abomina, o destino quase inexorável dos rebeldes que entram nele?
Se
o leão virar um gatinho, será uma decepção, mas não uma surpresa. Mas a
percepção da política como show business, e num país altamente criativo
em matéria de crises como a Argentina, ainda vai render boa diversão.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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