Até votações para shows de talentos entram na lista do controle estatal, enquanto pensamento do presidente Xi entra no currículo escolar. Vilma Gryzinski:
Até
que muitos pais gostariam disso: games online para crianças e jovens
dos 7 aos 17 anos, só uma hora por dia, das 8 às 9 da noite. No fim de
semana, duas horas.
As
empresas de games que se virem para implantar a nova regra num país de
1,4 bilhão de habitantes. Algumas já estavam sofrendo desvalorização de
suas ações desde que um artigo num órgão estatal chamou os viciantes
jogos de “ópio do espírito” – e nenhum outro país entende do assunto
como a China, onde o império britânico travou duas guerras no século 19
para obrigar o consumo do ópio produzido na Índia.
Uma
intervenção puxa a outra e a Tencent, gigante dos games, disse que vai
usar programas de reconhecimento facial para impedir que menores joguem
entre as 10 da noite e as 8 da manhã.
Também
estão sofrendo em silêncio os cursos de aulas particulares, que
floresciam no sistema de educação altamente competitivo. Foram proibidos
há um mês. É um setor que emprega 10 milhões de pessoas, agora no
limbo.
Como
a interferência do estado na vida privada nunca fica só numa única
esfera, a atual onda de patrulhamento inclui a estética “afeminada”,
disseminada através dos cantores adolescentes que se espelham nas boy
bands sul-coreanas.
Também
entraram na mira da Agência Nacional de Rádio e Televisão os
influencers “vulgares” – quase um pleonasmo –, as votações
características dos shows de talentos, incentivo à formação de grandes
massas de fãs, comportamentos que vão contra “a moral e a ordem
pública”. Até filhos de estrelas do show business são proibidos de
participar de programas de televisão.
Nada
estranhamente, as medidas de controle do comportamento tomadas pelo
regime comunista poderiam muito bem constar de programas conservadores
do outro lado do espectro político.
O
comunicado da agência reguladora informa que os meios de comunicação
precisam enfatizar mais “a cultura tradicional chinesa, a cultura
revolucionária, a cultura socialista”. Entre outras coisas, implantando
um “padrão correto de beleza” – sem meninos de maquiagem e roupas
fashion, evidentemente.
Detalhe: homens com brinco e tatuagens, no show business ou no esporte, já estavam na lista negra desde 2018.
A
“feminização” de meninos e rapazes, principalmente da geração de
mimados filhos únicos, é uma preocupação permanente das vigilantes
autoridades chinesas. Existem até cursos de “masculinização”, no estilo
acampamento para ensinar meninos a cultivar atividades mais viris.
Cantores,
artistas e correlatos são regularmente incentivados a fazer
manifestações “patrióticas”, ou seja, segundo a linha justa determinada
pelo Partido Comunista da China. Entre outras atitudes obrigatórias,
está aderir a boicotes de empresas estrangeiras que manifestem
preocupação com o uso de mão-de-obra escrava de uighurs, a minoria
muçulmana da região de Xinjiang que é severamente reprimida na prática
religiosa.
As
estrelas que saem da linha, principalmente no quesito evasão de imposto
de renda, simplesmente são apagadas do mundo digital – tão ou mais
importante do que o da vida real.
O
caso mais recente envolveu a atriz Zhao Wei, uma das mais conhecidas da
China (fez o Kung Fu Futebol Clube, não exatamente uma obra de arte, e
uma versão chinesa de Mulan). Como num ato de mágica, ela simplesmente
desapareceu de todas as plataformas digitais, seu nome foi apagado dos
filmes que estrelou ou dirigiu e sua página no Weibo, o Twitter chinês,
sumiu.
Um
dia antes do apagão, o jornal em inglês do partido se referiu a Zhao
Wei como “a estrela cercada de escândalos”, mencionando encrencas
relacionadas a investimentos – entre elas, no Alibaba, de Jack Ma, o
bilionário que passou três meses “desaparecido” entre o fim do ano
passado e começo desse. Até agora, não foi exatamente esclarecido o que
aconteceu com Ma.
A
atual onda de “moralização” do entretenimento faz parte de uma série de
iniciativas do Partido para restaurar os padrões esperados de um país
onde vigora o “socialismo com características chinesas”, sendo a mais
específica delas a abertura – controlada – para a livre iniciativa que
transformou o país em superpotência econômica.
Com a espetacular elevação dos padrões de vida, vieram outros efeitos da abundância, inclusive os comportamentais.
Para
revigorar o fervor revolucionário, foi introduzido no currículo
escolar, do ensino primário ao superior, a disciplina que trata do
pensamento do presidente Xi Jinping.
Soa
ridículo, principalmente pela comparação com o intenso e alucinado
culto ao “pensamento do presidente Mao” nos maus tempos de Mao Tsé Tung.
O nome completo da coisa é Pensamento de Xin Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para a Nova Era.
O objetivo da nova disciplina é dar às novas gerações um “embasamento moral, intelectual, físico e estético”.
A experiência ensina que nada de bom pode advir disso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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