Enquanto as boas almas protestam contra a atabalhoada saída dos EUA não se apercebem da prevalência cultural islâmica que explica muito do conflito mantido pela maioria desses países contra o Ocidente. Manuel Villaverde Cabral para o Observador:
E
se o chamado «fim da guerra do Afeganistão» fosse algo diferente das
reacções europeias de quase todos os bordos partidários? A foto de um
‘talibã’ que me chegou logo pelos media para ilustrar fuga dos Estados
Unidos (EUA) é a de um exibicionista, como seria de recear, mas só
explicou metade do fenómeno. Oxalá os ‘talibãs’ ficassem por aí mas não é
provável. O que também não era provável há 20 anos é que os EUA
ficassem «ad aeternum» no Afeganistão praticamente sozinhos. O novo
presidente norte-americano, Joe Biden, tem a favor dele o facto de ter
votado sempre contra o «enterro no deserto» decidido pelo presidente da
época, o republicano George Bush filho. Ou alguém acha que os EUA
ganharam alguma coisa além do castigo infligido aos fanáticos muçulmanos
que derrubaram as Torres Gémeas de Nova Iorque?
Se
queremos conhecer os responsáveis do inopinado abandono do Afeganistão,
devemos começar por perguntar: 1.º Quem financia os ‘talibãs’? 2.º Quem
financia a NATO, cujos membros, com uma ou outra excepção que
obviamente não inclui Portugal, nunca pagaram a percentagem do PIB que
se comprometeram pagar há 70 anos? Da mesma maneira que os EUA mantêm
uma guerra surda com o Irão, a China e a Rússia, a União Europeia (UE)
beneficia ostensivamente com os negócios feitos nesses países. Já Barak
Obama, quando foi presidente, era a favor da saída do Afeganistão – ou
não? Imagino que a pretensa esquerda de então seria a favor… E não era
Biden o seu vice? Por último, não são as futuras vítimas dos talibãs as
mesmas que estes já tratavam da maneira que se sabe antes da ocupação
americana e voltarão a tratar enquanto os países da NATO não se atrevem a
recusar a poligamia apesar das palavras de ordem feministas?
Em
suma, se é certo que a permissão dada pelos EUA aos ‘talibãs’ para
regressarem ao Afeganistão a fim de porem conjuntamente termo à guerra
tornou a gestão do abandono extremamente difícil, ao ponto da aparente
debandada das tropas e do descontrolo do presidente Biden, é lícito
perguntar o que estavam os EUA a fazer ali há duas décadas? Se se trata
da cruzada dos «direitos humanos», não se vê por que razão teriam os EUA
de prégar aos afegãos em vez de tantos outros! Comparativamente, apesar
do regime colonialista ditatorial, Portugal levou muito menos tempo a
entregar as populações africanas às suas corruptas ditaduras militares
actuais, já então financiadas e apoiadas pelos comunistas entretanto
desaparecidos.
O
importante é notar que, ao contrário do Afeganistão, os EUA não saíram
da Coreia do Sul nem da antiga Formosa (Taiwan). Por duas razões:
Primeiro, porque estas seriam invadidas imediatamente pela China (os
‘talibãs’ são uns “selvagens” mas a China, à maneira dela, não é melhor;
é pior: é mais sistemática como se tem visto). Segundo, porque
entretanto a Coreia do Sul e Taiwan liberalizaram-se e desenvolveram-se
ao separar-se da China, para isso sendo protegidas pelos EUA. Imagine-se
o que aconteceria aos seus actuais 75 milhões de habitantes no dia em
que os EUA se retirassem… Em contrapartida, a chamada Coreia do Norte
continua a ser um apêndice da China que só não é ridículo porque é
brutal… embora mimada durante o nosso PREC: um dos grandes problemas da
História é, como se sabe, a perda de memória, para não falar da falta de
vergonha dos desmemoriados.
Enquanto
as boas almas regidas pela comunicação social continuam a protestar
contra a atabalhoada saída dos EUA, entretanto terminada, não se
apercebem dessa prevalência cultural islâmica que explica boa parte do
conflito sustentado pela generalidade dos países muçulmanos contra o
mundo ocidental, com ou sem petróleo e com ou sem drogas. Perante isso, a
UE não só parece não ter meios para lidar directamente com a imigração,
como também não tem presente o facto cultural de os EUA não serem tanto
um país colonialista, como os europeus, mas sim virados para dentro; no
limite, isolacionistas, como é sabido.
Viu-se
durante as duas guerras mundiais. Se não fosse Pearl Harbor, talvez
Roosevelt não tivesse conseguido fazer os EUA entrar na II Grande
Guerra. E não é impossível que as duas únicas bombas atómicas lançadas
até hoje se devam a castigar o ataque japonês. Ora, hoje, Obama é o
primeiro dos isolacionistas, como bem se viu em relação à Europa durante
a sua presidência. Biden não há-de ser menos. A perda da Inglaterra
para o campo americano equivalerá a uma perda europeia suplementar. A
aparente derrota no Afeganistão afectará menos os EUA do que a UE,
começando com a subida da expectável pressão americana sobre a China e
sobre a própria Índia. Aqui, os «direitos humanos» parecem estar mais do
lado dos «isolacionistas» do que dos «livre-cambistas» — não será
assim?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário