Resumindo, a direita apela à razão, embora muitas vezes seja burra demais para fazer isso direito; a esquerda apela aos sentimentos, embora muitas vezes não tenha nenhum. Alexandre Soares Silva via Crusoé:
Esquerda
e direita não se definem pelas causas que defendem, essas tanto faz,
são intercambiáveis; elas se definem pelos métodos com que defendem as
causas que defendem.
Uma
maneira mais pomposa de dizer isso é que é uma diferença de alma. Por
algum motivo, Deus criou esses dois tipos de seres humanos. As causas em
si mudam, não importam, e uma causa antes defendida com fanatismo por
um lado logo é abandonada e adotada fanaticamente pelo outro; e
vice-versa.
Quer exemplos? Pois tome cinco exemplos:
Guerra
— Você, como eu, provavelmente cresceu em um período em que a causa
antiguerra era um apanágio de hippies, estudantes, jornalistas,
dramaturgos, atores de cinema etc. A esquerda, enfim. Junto com eles lá
estavam os isolacionistas americanos à direita, mas eram poucos e quase
invisíveis. O que aconteceu? Eu mesmo, em 2003 vagamente pró-Guerra do
Iraque por nojo dos pacifistas de esquerda, nos últimos anos mudei com
toda a direita para um certo isolacionismo, e vivi para ver grande parte
da esquerda virar pró-guerra (especialmente quando Donald Trump queria
recolher as tropas americanas). Agora eu sou o sujeito do “Paz e Amor”, e
os hippies envelhecidos são o oposto. Qual causa define a esquerda,
qual a direita? Nenhuma, era tudo contingente.
Pobres
— Não repararam que a esquerda abandonou os pobres como se fossem
animais de estimação indesejados, abrindo a porta do carro no meio da
estrada? Dois séculos falando de proletários, e os esqueceram em um
segundo em troca de imigrantes e transgêneros. Agora a esquerda é esnobe
e elitista, toma Chablis e ri dos pobres; os operários votam na
direita, e a direita obviamente adotou os operários abandonados. Eu
também não me excluo disso: bastante elitista e esnobe anos atrás, agora
a minha simpatia está com a classe baixa, média-baixa e média. E isso é
para sempre? Não, a esquerda pode abandonar os transexuais e voltar a
ser populista, e em cinco ou dez anos a direita pode voltar a ser
elitista – quem sabe?
Ecologia —
A ecologia sempre foi uma causa conservadora, como atestam Edmund
Burke, Tolkien, Lincoln, Theodore Roosevelt, o ecologista Wendell Berry,
Richard Nixon (conservador de reservas florestais e criador de leis
ambientais) e Roger Scruton. Segundo o último, a esquerda adotou de
repente a causa ecologista porque ela oferece “aos ativistas de
esquerda, que perderam suas grandes causas, como o socialismo, uma
oportunidade de se sentirem heroicos de novo”. Mas de novo as coisas
estão mudando. Ainda não testemunhamos o completo abandono da ecologia
pela esquerda, mas o nível de histeria parece ter diminuído um pouco,
não? Me deixe profetizar que Greta Thunberg vai viver para ver um mundo
em que a ecologia vai ser de novo a preocupação dos conservadores.
Grandes corporações
— Antes uma tradição da esquerda, a desconfiança em relação às grandes
corporações (Facebook, Twitter, Amazon, grandes jornais, estúdios de
cinema etc) agora é uma característica da direita “populista“.
Monarquia
— Claro que o processo inverso pode acontecer também, e a esquerda
adotar causas de reacionários como se não fosse nada, e sem aliás jamais
se dar conta disso. A causa monárquica, por exemplo, pode ser adotada
de um momento para o outro pela esquerda. Como? Ora, basta juntá-la aos
movimentos identitários. Convença, por exemplo, os movimentos negros de
que a monarquia é uma antiga tradição africana (o que é, obviamente) e
logo eles estarão defendendo linhagens antigas de reis bantus, exigindo
plebiscito pela volta da monarquia segundo modelos zimbabueanos e assim
por diante. Documentários esquerdistas premiados seguirão o dia a dia de
casas reais africanas vivendo no Brasil, historiadores encherão os
cadernos de cultura nos jornais com as virtudes e a sapiência dos reis
zulus, a Netflix vai fazer séries sobre reis negros assumindo o poder
num Brasil imaginário, Gregório Duvivier vai escrever colunas terminando
com o bordão Viva Sua Majestade Ileaê Bantu IV, Caetano Veloso vai
compor uma música dizendo “Chegou Sua Majestade linda Rainha Mãe
Menininha Ababalaê Oxossi III”, e logo teremos de novo um rei ou rainha
no Brasil. É a monarquia mais provável de termos nos próximos anos
(chamai-me de louco, e salvarei os vossos insultos para reler num futuro
breve.)
Mas
comecei dizendo que esquerda e direita se definem não pelas causas que
defendem, mas pelos métodos com que defendem as causas que defendem. Que
métodos são esses?
A
direita: institutos, vídeos, cursos, coaches, think tanks, podcasts, um
ou outro pensador reacionário. A esquerda: todas as peças, todos os
filmes, todos os romances, todas as séries, todos os episódios de todas
as séries, e mais um ou outro protesto com pessoas peladas ou, se
vestidas, queimando lojas.
Resumindo,
a direita apela à razão, embora muitas vezes seja burra demais para
fazer isso direito; a esquerda apela aos sentimentos, embora muitas
vezes não tenha nenhum, e os poucos que têm sejam evidentemente meio
falsos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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