A passagem do tempo cicatrizou o trauma da perda súbita de tantas vidas, mas apanhado dos últimos momentos das vítimas ainda dá voz aos que se foram. Vilma Gryzinski:
“Estamos
ligando para famílias e amigos para dizer que está tudo bem”. Pausa.
“As pessoas estão pulando das janelas. Tenho que ir”.
As
últimas palavras daqueles que iam morrer são notavelmente parecidas:
tentam acalmar os parentes e, quase sem querer, resumem o horror que se
desenrolava inexoravelmente rumo à tragédia nas Torres Gêmeas e nos
aviões sequestrados pelas quatro equipes de terroristas do Onze de
Setembro.
Depois
de vinte anos, é natural que as lembranças já tenham se acomodado. Mas
as vítimas continuam a ter voz, seja pela lembrança de seus entes
queridos, seja pelas mensagens gravadas que deixaram.
Lembrar
os atentados que fizeram quase três mil mortos através dessas palavras
derradeiras de certa forma reafirma sua humanidade.
As
frases mencionadas na abertura foram de Michael Murphy, que trabalhava
como corretor numa firma no 84º andar da Torre Sul, a segunda a ser
atingida, rasgada pelo avião da United Airlines, voo 175.
Mohamed
Atta, o arquiteto egípcio formado na Alemanha que foi a cabeça
operacional dos times terroristas mandados pela Al Qaeda, já havia
pulverizado o avião da American Airlines, voo 11, contra a Torre Norte.
Menos
de uma hora antes, Atta transpirava muito e três dos quatro sauditas
que o acompanharam no embarque de Portland para Boston, para o voo bem
no começo da manhã de 11 de setembro de 2001, chegaram a ser separados
para ter a bagagem checada no raio X – era o último dia de uma era em
que nem todas as malas passavam pela inspeção. Foram liberados.
Quinze
minutos depois de levantar voo, Atta e comparsas iniciaram o sequestro
pela primeira classe. Disseram que tinham uma bomba para encurralar os
passageiros no fundo do avião e espalharam gás lacrimogêneo do tipo
usado em sprays para autoproteção. Um passageiro que tentou intervir,
Daniel Lewin, com formação em operações especiais em Israel, foi
degolado.
“Acho
que estamos sendo sequestrados”, sussurrou a comissária de bordo Betty
Ong, refugiada nos fundos do avião, de onde conseguiu ligar para a sede
da American Airlines. “A cabine não está respondendo. Alguém foi
esfaqueado na executiva e acho que tem gás, não conseguimos respirar”.
O
telefonema de Betty Ong seria o primeiro relato direto da sequência de
ataques suicidas que durou apenas uma hora e quarenta minutos.
Outra
comissária, Amy Sweeney, havia conseguido contatar o gerente de
embarque Michael Woodward. Deixaria uma descrição terrível dos minutos
finais.
“Tem
alguma coisa errada, estamos em descida rápida”, avisou. O gerente pede
que ela descreva o que está vendo, para ajudar na localização.
“Vejo água, vejo prédios. Estamos voando muito, muito baixo”.
“Ah, meu Deus. Estamos baixo demais”.
Foi
a última comunicação antes do Boeing 767 entrar na Torre Norte. O
impacto foi tão grande que o enorme monólito de aço, concreto e vidro se
inclinou ligeiramente e depois voltou à posição vertical. A bola de
fogo criada pela explosão de dez mil galões de combustível seria uma das
imagens indeléveis daquele dia,
Em poucos minutos, o incêndio provocado pela combustível leva pessoas desesperadas a se jogar pelas janelas.
Os corpos que começam a cair são um tema recorrente dos que estão presos na parte superior do arranha-céu.
“Estava
na janela e, por Deus, não sei se as pessoas estão caindo ou estão
pulando, mas vi gente saltando para a morte”, descreve o corretor
Stephen Mulderry para o irmão Peter, que, como começava a acontecer com o
resto do mundo, assistia pela televisão as primeiras e impressionantes
cenas do prédio atingido.
A
realidade é tão chocante que a ficha demora a cair. O próprio Stephen
acha que pode continuar com a rotina normal. “Tenho que ir”, diz ao
irmão, segundo reconstituição minuto a minuto feita pelo jornalista
britânico Jonathan Mayo. ”O mercado já vai abrir”.
Quando
viu o tamanho do desastre, Stephen Mulderry tentou subir até a
cobertura do prédio. Ainda falou com o irmão que iria esperar pelos
bombeiros. Não sobreviveu.
Eram
muitos corpos caindo, muito mais do que foi mostrado nas cenas filmadas
à distância. “Tem que ser rápido”, disse o bombeiro Daniel Suhr para o
colega Paul Conlon quando os dois estavam para atravessar o pátio até o
posto de comando improvisado no lobby da Torre Sul.
Foram
suas últimas palavras antes de ser atingido pelo corpo de uma das
vítimas que saltaram das janelas, fugindo do fogo infernal. Suhr se
tornou o primeiro dos 343 bombeiros que morreriam naquele dia.
As
últimas palavras de Barbara Olson para o marido, Ted Olson, que ocupava
um cargo similar ao de advogado-geral da União no governo de George
Bush filho, não tinham resposta possível.
“O
que é que eu faço?”, perguntou ela ao marido, trancada no banheiro do
Boeing 757 da American Airlines que havia sido sequestrado logo depois
de decolar de Washington, fazendo uma meia volta.
Antes
da pergunta final, ela contou que todos os passageiros e tripulantes,
incluindo os pilotos, tinham sido mandados para o fundo do avião pelos
sequestradores. Eles levavam estiletes e facas.
Barbara,
comentarista da CNN, não deveria estar naquele fatídico voo 77. Tinha
resolvido fazer a viagem para passar com o marido o dia do aniversário
dele.
O
avião com 58 passageiros e seis tripulantes foi lançado contra o
Pentágono, abrindo uma fenda fumegante no enorme complexo de cinco
lados, o coração do poderio bélico americano.
Outro
prédio de grande importância simbólica, o Capitólio, sede do Congresso
americano, deveria ter sido atingido pelo único avião sequestrado que
não chegou a seu destino, o da United que fazia o voo 93.
Pelas
muitas reconstituições posteriores, passageiros que já tinham ficado
sabendo dos outros atentados tentaram tomar a cabine de comando onde o
avião era pilotado chefe da operação terrorista, o libanês Ziad Jarrah,
que havia estudado engenharia aeroespacial em Hamburgo.
Sabiam
que iam morrer de qualquer maneira. Como foi o último avião
sequestrado, houve mais contatos por celular, reconstituídos em filmes e
documentários que traçam um retrato heroico dos passageiros que
preferiram morrer lutando.
Num
dos momentos mais pungentes, Todd Beamer, gerente de contabilidade da
Oracle em viagem de negócios, pede para Lisa Jefferson, supervisora de
atendimento ao cliente da operadora Verizon em Chicago, a pessoa que ele
havia conseguido contactar:
“Lisa, você rezaria o Pai Nosso comigo?”.
Muito
será dito nos próximos dias, inclusive sobre as consequências do Onze
de Setembro, revividas agora com a retirada do Afeganistão e a volta do
Talibã ao poder. Mas a angústia das últimas palavras dos que morreram
naquele dia continua a pintar o quadro mais humano do desastre cujas
dimensões históricas continuam a se desenrolar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário