Um sólido movimento de ideias euro-atlantista e pró-Ocidental está a renascer na América, no Reino Unido e na Europa continental. Faríamos bem em prestar-lhe atenção. Artigo do professor João Carlos Espada para o Observador:
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Retomo hoje o tema da crónica de há quinze dias (“O abandono do
Ocidente”) sobre a tragédia da retirada americana e ocidental do
Afeganistão. E agradeço os inúmeros comentários (maioritariamente
críticos) de que fui alvo. A liberdade de crítica é um dos alicerces do
Ocidente — e é sobre o regresso do Ocidente que me proponho escrever
hoje.
Acredito
que “o regresso do Ocidente” será possível se os erros agora cometidos
forem seriamente enfrentados e livremente debatidos. E se a confiança
euro-atlantista nos valores do Ocidente for reafirmada contra os
tribalismos rivais, de esquerda e de direita, que os atacam — ou/e que
simplesmente os desconhecem. Um sólido movimento de ideias
euro-atlantista e pró-Ocidental está a renascer na América, no Reino
Unido e na Europa continental. Faríamos bem em prestar-lhe atenção.
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Tem sido muito legitimamente discutido se a democracia liberal
ocidental pode ser exportada para culturas não ocidentais. É um tema
magno da Ciência Política que permanece em aberto e que certamente
merece uma continuada conversação. Há vários (talvez não muitos)
exemplos de culturas não ocidentais que adoptaram com sucesso a
democracia liberal: o Japão, a Índia, a Coreia do Sul e Taiwan (aos
quais poderíamos talvez acrescentar Cabo Verde e a África do Sul), para
citar apenas alguns, estão no topo da lista do excepcionalismo
democrático não ocidental. Mas há certamente uma muito mais longa lista
de fracassos da democracia liberal em culturas não ocidentais.
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Todavia, e ao contrário do que tem sido abundantemente referido, este
não é o tema central que está em causa na bizarra retirada americana e
ocidental do Afeganistão.
Em
primeiro lugar, porque o propósito crucial da presença americana e
ocidental no Afeganistão não era nem nunca foi primordialmente promover a
democracia. Foi, muito claramente desde o início, derrotar e manter sob
controlo uma facção terrorista do fundamentalismo islâmico — perante a
qual, lamento profundamente ter de recordar, foi agora efectuada uma
bizarra capitulação.
Em
segundo lugar, porque a bizarra retirada americana não foi decidida com
base no alegado fracasso da construção da democracia no Afeganistão. A
retirada foi decidida pela bizarra negociação do presidente Trump com os
Talibãs — na qual negociação ele aceitou a exigência talibã de excluir o
Governo do Afeganistão! E foi depois bizarramente aplicada pelo
presidente Biden. Em ambos os casos, o que foi citado foi o chamado
“interesse nacional americano”.
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Disse aqui há quinze dias, e repito sem hesitação, que este conceito de
“interesse nacional americano” está a ser esvaziado por facções rivais,
à esquerda e à direita, da dimensão moral que sempre distinguiu o
“excepcionalismo americano” desde a Declaração de Independência de 1776.
Uma
boa introdução (ainda que com 790 páginas) a esse “excepcionalismo
americano” pode ser encontrada no livro What so Proudly We Hail: The
American Soul in Story, Speech, and Song, editado pelos professores (e
grandes amigos de Portugal) Amy Kass, Leon Kass e Diana Schaub em 2011,
republicado em 2013 e de novo em 2019 (ISI Books). George F. Will, o
distinto cronista do Washington Post (também ele grande amigo de
Portugal), chamou-lhe simplesmente “magnífico… uma educação cívica em um
volume”.
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Este “excepcionalismo americano” foi aliás defendido pelo
liberal-conservador Edmund Burke no Parlamento britânico — durante uma
(talvez a primeira) ‘guerra anti-colonial’, em que ele defendeu
corajosamente no Parlamento britânico que os colonos ingleses na América
(em guerra armada contra a metrópole britânica) estavam apenas
legitimamente a defender as ancestrais liberdades parlamentares inglesas
da Magna Carta de 1215. [Honra seja feita a esse ancestral sistema
parlamentar britânico, Burke pôde dizer tudo isso no Parlamento sem que
ninguém se atrevesse a mandá-lo para a prisão ou para o exílio — o que
certamente teria sido o caso em alguns exóticos sistemas políticos
ibéricos].
Um
século e meio depois, por volta de 1940, outro liberal-conservador
britânico — aliás de mãe americana — citou Edmund Burke e mobilizou a
“special relationship’ anglo-americana para enfrentar em conjunto a
peste nazi-comunista na Europa continental. Chamava-se Winston
Churchill.
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É este mesmo Winston Churchill que está hoje sob ataque comum dos
tribalismos de esquerda e de direita que alimentam o abandono do
Ocidente. Andrew Roberts, biógrafo de Churchill e também grande amigo de
Portugal (“o mais antigo aliado”, como gosta de recordar), acaba de
publicar duas demolidoras críticas — na Spectator e no Telegraph, de
Londres — ao caricato livro de Geoffrey Wheatcroft Churchill’s Shadow:
An Astonishingly Life and Dangerous Legacy (Bodley Head, 2021).
Também
de Londres, na mais recente edição da distinta The Economist, acaba de
chegar uma demolidora crítica à “esquerda iliberal” e à sua confluência
com a “direita iliberal” no ataque aos valores demo-liberais do Ocidente
euro-atlantista.
“Nas
suas diferentes maneiras”, diz The Economist em editorial que faz tema
da capa, “ambos os extremos colocam o poder antes dos processos, os fins
antes dos meios, e os interesses de grupo antes da liberdade do
indivíduo”. Prossegue ainda o editorial: “A derradeira complacência
seria para os liberais clássicos [por contraste com os modernos liberais
progressistas iliberais] menosprezarem a ameaça [dos extremos
iliberais]. Os liberais clássicos devem [must] redescobrir o seu
espírito de combate”.
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Indeed they must! É a isso que chamo “o regresso do Ocidente”. E está a
acontecer, como pode ser observado nas influentes publicações que
citei.
A
elas devo acrescentar a muito assertiva publicação on-line The American
Purpose (editada pelos também grandes amigos de Portugal Francis
Fukuyama e Jeffrey Gedmin). Deve também ser acrescentada a próxima
realização da Conferência anual da International Churchill Society em
Londres, de 7 a 9 de Outubro, bem como da Conferência anual em Praga (de
10 a 12 de Outubro) do Forum 2000, fundada pelo saudoso Vaclav Havel
(no âmbito deste Forum 2000, já agora, tenho o prazer e o privilégio de
presidir ao Trans-Atlantic Working Group).
Last
but certainly not least, devo ainda recordar que, de 18 a 20 de
Outubro, no histórico Estoril Palace Hotel — sede dos aliados
anglo-americanos durante a II Guerra Mundial e berço do James Bond de
Ian Fleming — terá lugar a 29ª edição anual do Estoril Political Forum.
Por coincidência, ou talvez não, o tema deste ano será “On the 80th
Anniversary of the Atlantic Charter: Structuring a New Alliance of
Democracies”.
8 Acreditem ou não, o Ocidente está de regresso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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