No populismo de Bolsonaro, a elite a ser enfrentada é a alta cúpula do Judiciário. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
"Políticos
populistas compreendem que seu jogo só ganhará força se as pessoas
acreditarem que existe uma crise que requer uma mudança radical de
curso, uma nova política e uma nova liderança", escreveu o cientista
político australiano Simon Tormey em seu livro Populismo - Uma Breve
Introdução (Cultrix). Populistas crescem nas crises — e, na falta de
alguma já existente, criam alguma do zero para poder avançar com seus
projetos políticos. Os atos populares marcados para este 7 de setembro
ocorrem em um contexto de crise institucional. É, desde já, um evento
histórico e que muito revela sobre o populismo brasileiro.
O
presidente Jair Bolsonaro é um líder populista. Mesmo alguns de seus
apoiadores mais engajados, que se consideram ideólogos do bolsonarismo,
admitem essa classificação. Eles não veem problema algum nisso.
Afinal,
populismo não é ideologia, é uma forma de fazer política. Existe
populismo de esquerda (chavismo, por exemplo) e existe populismo de
direita (fujimorismo, para ficarmos na América Latina).
Bolsonaro
gabarita nas cinco características principais do líder populista, na
definição de Tormey: 1) diz estar ao lado do "povo" contra certas
"elites" que atravancam o verdadeiro potencial nacional; 2) investe
contra o establishment político, alegadamente em crise; 3) apresenta-se
como um salvador da pátria, que não precisa recorrer a soluções
tecnocráticas; 4) é carismático; 5) tem uma retórica simples, voltada
para o confronto.
A
definição de "povo" do populista não é a mesma que está expressa na
Constituição. O povo constitucional é plural. O povo do populismo, por
sua vez, é uno, monolítico.
Peguemos
como exemplo um movimento populista de esquerda recente, o Occupy Wall
Street, que surgiu nos Estados Unidos em 2011. Seu slogan era "somos os
99%". Ou seja, o Occupy via-se como representante das aspirações de
praticamente toda a sociedade, de forma monolítica, sem pluralismos,
contra o 1% associado a uma elite econômica e financeira que
supostamente oprime os outros 99%, o verdadeiro "povo".
Neste
7 de setembro, haverá multidões manifestando-se a favor de Bolsonaro e
de sua agenda política, assim como haverá multidões protestando contra
ele. São todos partes do povo (que inclui também aqueles que ficarão em
casa e que são a esmagadora maioria), mas certamente veremos Bolsonaro
apontando a massa na Av. Paulista e chamando-a de "o povo", o seu povo,
enquanto o mesmo será feito por aqueles que organizam os protestos de
oposição, do "grito dos excluídos", no Vale do Anhangabaú.
A
crise política que o Brasil enfrenta era uma realidade pré-existente
que Bolsonaro usou em seu favor ou foi uma criação do próprio
presidente?
Não
é de hoje que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tomam
decisões questionáveis, muitas ao arrepio da própria Constituição. Esse é
o argumento favorável a quem diz que não foi o presidente quem criou a
crise.
Mas
também é fato que ele nunca fez questão de resolver isso por meio dos
mecanismos legais e institucionais. Seria o caminho mais difícil e mais
longo, mas seria o correto — a única maneira legítima, aliás, de
preservar o sistema democrático.
Decisões
judiciais devem ser confrontadas por meio do próprio sistema judicial,
com recursos, apelações, embargos e mandados de segurança. Para citar
apenas um exemplo dentre vários: o governo Bolsonaro passou meses
reclamando da decisão do STF que lhe impediu de barrar as políticas
sanitárias dos governos estaduais e municipais contra a covid-19, mas só
entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade em março deste ano,
quando já era tarde demais.
O
quadro de ministros do STF não agrada? Todo presidente tem a chance de
mudar gradualmente a composição da corte, indicando substitutos quando
os decanos se aposentam. Bolsonaro indicou Kassio Nunes Marques e agora
espera a aprovação pelo Senado de André Mendonça. Não é do dia para a
noite que se muda o perfil do STF — e isso ajuda a garantir alguma
pluralidade na corte.
O
impeachment de ministros também é um mecanismo legítimo. Mas exige
articulação política, coisa que Bolsonaro não soube fazer. É do jogo.
Democracia é feita com negociação e com convencimento, não com
imposição.
No populismo de Bolsonaro, a elite a ser enfrentada é a alta cúpula do Judiciário.
Os
atos pró-Bolsonaro serão democráticos se pedirem o impeachment de
ministros do STF. Mas serão contrários à democracia se pedirem o
fechamento da corte ou a intervenção das Forças Armadas no Poder
Judiciário.
O
presidente defendeu o segundo caminho, na direção oposta à da
democracia, ao afirmar neste sábado (4) que "a tendência é acontecer uma
ruptura" caso o STF não agir dentro das "quatro linhas da
Constituição".
Um bom policial sabe que ele não pode violar a lei com a justificativa de combater infratores.
O mesmo vale para quem afirma defender a Constituição.
Há
uma crise instalada, mas a mudança de que o Brasil precisa não deve
passar por soluções radicais, populistas. O caminho deve ser sempre o da
política, da legalidade. Dentro das quatro linhas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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