Há um Brasil que busca alguém capaz de recuperar a magnanimidade da política. Alguém de influência e discernimento abrindo opções para a consciência e a liberdade atuarem. Paulo Delgado para o Estadão:
Onde
os extremos se tocam: o populismo e o radicalismo buscam o mesmo
indivíduo sem perspectiva. O de esquerda fala o que o povo quer ouvir; o
de direita, o que o povo quer falar. Fanáticos, o que importa é o
exagero. O fanatismo tem um só inimigo: a pessoa livre. Mesmo sentindo o
Brasil fanatizado, o passo mais importante ainda não foi dado. É a
decisão do Brasil que pode dizer não. O que temos agora é anomalia, nome
do caminho acidentado em que política, economia e sociedade vivem
programada desarmonia.
A
situação se tornou desanimante em virtude da pastoral de lobos que
fustiga continuamente essas três áreas essenciais da vida. A estratégia
de governo fraco é velha conhecida. Busca converter perda de
legitimidade em dominação opressiva para testar a capacidade de superar o
declínio da autoridade.
Até
agora, o caminho superlativo escolhido reforça dons alienados do
caráter nacional. Por subserviência, incoerência ou interesse
passageiro, o País vem tendo uma reação vagarosa, como se a política não
fosse capaz de coisa melhor. Assim, a todo custo, cheia de dedos, a
democracia trata este espírito dúplice que habita o Palácio como uma
mimosa pudica com cinturão de homem-bomba. Não pode ser contrariado,
interposto em argumento, pois explode em iniquidades.
Por
outro lado, a ruína da linguagem pública já era moda, confundindo
hábitos de rua com popularidade. Aqueles que tratam suas dívidas
políticas na função crédito e querem da política mais do que ela pode
dar exigem promessa e fúria contra o status quo. Criaram os campeões da
mais destorcida maneira de disputar o voto do eleitor, um seu igual.
Xingar a verdade, inventar uma foto, ameaçar e mentir. Eleições iníquas
têm feito a ascensão e a queda de vitoriosos no Brasil.
Tem
sido desconcertante ser cidadão brasileiro. A sonoridade ruim do
discurso e a maldade de propósitos dos eleitos produziram o ciclo
furioso que caracteriza esta política que chegou ao limite. A nocividade
do poder é autônoma, determinada pela natureza do eleito. Para fechar o
País à enfermidade, é hora de não esperar nada de discurso patogênico.
Melhor ser um país tranquilo, onde a política é importante, mas não
inútil, como agora.
A
resistência do governo à acomodação é um alerta à democracia e começa a
refletir o caráter de instituições relevantes. Ao colarinho clerical já
passa da hora de ler velhas epístolas e abandonar o charlatanismo
religioso dentro do discurso político usado para enganar crentes. À
farda, seria bom se afastar rapidamente de articuladores militares que
fingem pensar como civis e dos civis que querem se fazer passar por
militares. É de envergonhar os anjos a pregação de igrejas governistas. É
normal na democracia um país ter um exército, mas não é normal um
exército ter um país.
Nosso
modelo político é um fracasso e dele o povo se afastou. Desligado,
pessimista, prostrado moral e pessoalmente, com a maioria suportando
ferimentos terríveis no dia a dia, o eleitor passou a ver a marcha dos
acontecimentos sem considerar coisas adversas. Para a histeria de ontem
não tem penitência. É uma vergonha tanto pecado ao mesmo tempo. A
perturbação do governante agravou a doença das instituições, que
aceitaram o duelo. É difícil de imaginar que povo livre queira recuperar
a iniciativa sem novas lideranças independentes.
Engana-se
quem vê sono ou surdez na indiferença popular e tenta chamar a atenção
usando linguagem que provoca barulho e controvérsia.
A
subitaneidade dos trânsitos, do possível e do inconveniente na internet
fez o discurso perder de vez a racionalidade, estimulando a amnésia. O
País está preso num engarrafamento sem condições de harmonizar as
necessidades de progresso econômico com a melhoria da vida social. Na
internet, usada como veneno, a pior parte é a que funciona. É preciso
alguém capaz de redirecionar o tráfego da atenção do País. Expirou o
prazo do discernimento. A sociedade da sensação e da emoção fez da
opinião pública uma correnteza de mexericos, tramas e enredos cuja força
é impossível de aquilatar. O dia na rede é movido a boato. E o boato,
pela sua natureza, quer é circular, como furação que não recua.
Mas
há um Brasil que busca alguém capaz de recuperar a magnanimidade da
política. Alguém de influência e discernimento abrindo opções para a
consciência e a liberdade atuarem. Um extra ideologia, naturalmente
moderado e de paz, sem vingança, que saiba o que fazer com o poder. A
infelicidade de hoje se mistura com os males de ontem e a prosperidade
do futuro não estará lá se a política continuar tão egoreferente e
amante de si própria. Alguém irrepreensível na conduta pública, para que
quem for do contra se confunda. Que tenha temor à lei, seguro dos
princípios da nação que busca governar.
Poucos
apoiam hoje alguma causa política de coração. A crise econômica é bem
menor do que a crise da democracia. Sintoma disso é sua incapacidade de
se desenrascar deste crepúsculo antiquado. Sua melhor defesa é ajudar a
recriá-la com mais luz.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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