O PT se vale de recursos públicos para bancar o projeto eleitoral do condenado. Reportagem de Fábio Leite para a Crusoé:
De
encontros políticos a um supostamente despretensioso passeio noturno na
praia, todos os passos de Luiz Inácio Lula da Silva que servem à
propaganda petista são registrados pelas lentes do fotógrafo Ricardo
Stuckert e publicados nas redes sociais do ex-presidente. De volta ao
xadrez eleitoral desde março, quando o Supremo Tribunal Federal anulou
suas condenações na Lava Jato, Lula está em plena campanha para voltar
ao Palácio do Planalto. Em maio, esteve em Brasília conversando com
caciques como José Sarney. Na última semana, encerrou uma turnê de doze
dias pelo Nordeste, onde se reuniu com governadores e abraçou militantes
sem-terra. Em todas os compromissos, o chefe petista tem se empenhado
não apenas em articular seu palanque, mas também na difícil tarefa de
desfazer a imagem de corrupto junto aos eleitores, além de, a seu modo,
procurar se mostrar bem-disposto para a briga política do alto de seus
75 anos. As fotos produzidas por seu paparazzo oficial – como aquela em
que ele posa de sunga com a namorada em uma praia do Ceará – são parte
de um plano meticuloso cuja conta, ao fim e ao cabo, quem paga é você.
O
PT já torrou mais de 1,5 milhão de reais do fundo partidário – dinheiro
público, portanto – para custear o projeto político de seu líder-mor,
até há pouco condenado a 25 anos de prisão por participação no
monumental esquema de corrupção que funcionou durante anos na Petrobras.
Isso sem contar com outras despesas que, na prestação de contas
apresentada pelo partido à Justiça Eleitoral, se misturam.
Fotógrafo,
assessora, advogado e o próprio ex-presidente estão na folha de
pagamentos do partido. Depois que deixou a carceragem da Polícia Federal
no Paraná no fim de 2019, quando o STF revogou o entendimento de que
condenados em segunda instância podiam ser presos, Lula passou a receber
um salário como presidente de honra do PT. Hoje, o petista embolsa por
mês 22,8 mil reais. Ele, aliás, foi o único integrante da cúpula do
partido a ganhar um aumento neste ano. Enquanto os demais dirigentes
tiveram o salário reduzido em 15% durante a pandemia, Lula ganhou um
reajuste de 12%.
O
staff do ex-condenado tem custado caro. Fotógrafo oficial do petista
durante os oito anos em que ele esteve no Planalto, Stuckert migrou do
Instituto Lula para a lista de funcionários terceirizados do PT em 2017,
depois que a entidade criada pelo ex-presidente entrou na mira da Lava
Jato por causa das acusações de propina pagas por empreiteiras por meio
de doações. O fotógrafo, que o ex-presidente leva a tiracolo em todas as
suas viagens, recebe 26,1 mil reais por mês. Assim como o chefe, ele
também ganhou um reajuste quando o volume de trabalho aumentou – os
pagamentos ganharam um acréscimo depois que Lula deixou a cadeia. Para
alimentar os perfis do ex-presidente nas redes sociais, uma assessora
recebe 9,8 mil mensais, também dinheiro do fundo partidário.
O
diretório nacional do PT, comandado pela deputada Gleisi Hoffmann,
ainda reserva um pedaço de seu orçamento para pagar o escritório que
defende Lula nos processos da Lava Jato. Desde setembro de 2019, a banca
de Cristiano Zanin tem recebido religiosamente 46,9 mil reais por mês, a
título de “consultoria jurídica”. Ao todo, já foram pagos 938 mil reais
aos defensores de Lula. Nos documentos enviados à Justiça Eleitoral, o
PT informou que o dinheiro pago ao escritório de Zanin vem das doações
recebidas de pessoas físicas e do dízimo pago pelos filiados. Para
cuidar dos seus próprios processos, o partido já paga a outros oito
escritórios de advocacia que atuam, principalmente, na esfera eleitoral.
Ainda assim, há entre eles advogados que atuam em causas particulares
de Lula. É o caso do escritório de Eugênio Aragão, que foi ministro da
Justiça no governo de Dilma Rousseff, e já recebeu 3,4 milhões de reais
da legenda desde o ano passado. Só neste ano, Aragão assinou cinco ações
de calúnia e danos morais movidas na Justiça paulista contra pessoas
que xingaram ou ameaçaram Lula nas redes sociais.
Dono
da segunda maior cota do fundo partidário, com cerca de 100 milhões de
reais (fica atrás apenas do PSL), o PT gastou de janeiro a junho deste
ano 37,2 milhões de reais com pagamentos de folha salarial e
fornecedores. Os gastos tendem a subir neste semestre, com as viagens
programadas por Lula. Em agosto, por exemplo, o partido fretou um
jatinho cuja diária custa 40 mil reais para o tour do ex-presidente pelo
Nordeste. Foi a bordo da luxuosa aeronave Bombardier Challenger 604,
que pertence a uma empresa do grupo de saúde Prevent Senior, que Lula
percorreu seis estados em doze dias, acompanhado de Gleisi, de sua
namorada, Janja, e de integrantes de seu staff.
A
agenda típica de candidato incluiu reuniões com governadores e líderes
de outros partidos, além de eventos para enaltecer os feitos da era
petista e visitas a obras que receberam recursos do seu próprio governo e
do de Dilma Rousseff. Tudo, claro, devidamente registrado em foto e
vídeo. O Nordeste foi escolhido para o ex-condenado fincar bandeira
novamente na região sobre a qual Jair Bolsonaro agora tenta avançar com a
promessa de aumento no benefício do Bolsa Família. Na linha oposta à de
Lula, quem ajuda o atual presidente hoje em sua tentativa de avançar
sobre o eleitorado nordestino são os chefes do Centrão, como o ministro
da Casa Civil, Ciro Nogueira, que até pouco tempo atrás apoiavam o PT.
Mas Lula está confiante de que a lua de mel não durará muito — ele tem
dito que Ciro e companhia devem abandonar Bolsonaro antes da eleição.
Por
onde passa, Lula tem repetido como mantra que foi perseguido pela
“quadrilha” de procuradores da Lava Jato e pelo ex-juiz Sergio Moro e
sustentado, falsamente, que foi “absolvido” pela Justiça – na verdade, o
STF anulou as decisões de Moro nos processos que tramitaram na Justiça
Federal do Paraná. Com base nessa decisão da Suprema Corte, as
principais provas obtidas pela força-tarefa nos casos do tríplex do
Guarujá e do sítio de Atibaia foram consideradas inválidas.
Em
sua volta ao jogo político, Lula tem sido aconselhado a resgatar o
figurino do “Lulinha paz e amor” adotado nas eleições de 2002, quando
chegou à Presidência pela primeira vez, mas não consegue esconder o
ódio. Outro alvo frequente de seus discursos é a imprensa. Em Salvador, a
última escala de sua excursão pelo Nordeste, ele ressuscitou uma antiga
bandeira, a regulação dos meios de comunicação. Em entrevista a uma
rádio, Lula prometeu que, se eleito, regulará a mídia tradicional. “A
regulamentação dos meios de comunicação é do tempo que a gente
conversava por carta, de 1962. Olha a revolução que houve. Você acha que
a internet não tem que ter regulamentação?”, afirmou. Na terça-feira,
31, durante um evento do PT sobre os cinco anos do “golpe” – como o
partido insiste em chamar o impeachment de Dilma –, ele voltou a dizer
que a “regulação da mídia” é necessária e afirmou que o partido continua
sendo “coagido” pela imprensa.
Enquanto
Lula se apresenta como vítima de perseguição judicial e da imprensa,
para tentar apagar da memória dos brasileiros o seu protagonismo nos
escândalos do mensalão e do petrolão, o PT, que até hoje não fez mea
culpa pelos escândalos que protagonizou, se movimenta para fazer o
grande público acreditar que a corrupção não será mais tolerada pelo
partido. Como Crusoé mostrou no início da semana, a direção da legenda apresentou à Justiça Eleitoral um curioso “Manual Anticorrupção” (conheça aqui
a íntegra). A cartilha proíbe uma série de práticas que já levaram
vários dos dirigentes petistas, incluindo o próprio Lula, para a cadeia.
O material foi produzido por um escritório de advocacia do Paraná ao
custo de 150 mil reais. O cartapácio, dizem os documentos, é parte de um
plano, o “Programa Ostensivo de Combate à Corrupção”, que a sigla
promete implantar.
Embora
não tenha punido até hoje nenhuma de suas lideranças denunciadas ou
condenadas nos escândalos, admitidos por gente de dentro, como o
ex-ministro Antonio Palocci e o marqueteiro João Santana, o partido
coloca no papel oito condutas “consideradas ilícitas”. Várias delas
integram o extenso rol de acusações feitas a petistas de proa pela Lava
Jato, como recebimento de propina e caixa 2 de campanha. O manual
estipula que suspeitas desse tipo de práticas devem ser investigadas,
punidas internamente e denunciadas às autoridades. Ironicamente, o
documento trata como “vantagem indevida” digna de punição o ato de
receber dinheiro, presentes, viagens, doações ilegais e, acredite,
“benfeitorias em bens particulares”, exatamente como fizeram as
empreiteiras OAS e Odebrecht no tríplex e no sítio de Atibaia.
Outra
contradição com a prática petista está no capítulo que trata dos
“indícios de ilicitude”, que devem servir de norte para os dirigentes
evitarem casos de corrupção. A cartilha reza que, antes de estabelecer
relacionamento com fornecedores e afins, é preciso avaliar se eles têm
“fama desabonadora”. Se isso for levado adiante, o partido terá de
trocar alguns dos seus principais fornecedores. A prestação de contas
entregue à Justiça Eleitoral, a mesma que traz as despesas com Lula e
companhia, revela uma série de pagamentos para várias empresas ligadas
ao partido que já estiveram encrencadas em diferentes momentos. Entre
elas estão, por exemplo, duas firmas do publicitário Valdemir Garreta,
antigo homem forte da comunicação petista que chegou a ser preso pela
Lava Jato, acusado de receber valores indevidos da Odebrecht. Juntas, a
FG e a VG Marketing Eleitoral receberam mais de 1,4 milhão de reais do
diretório nacional só no ano passado.
Outras
três empresas ligadas ao empresário Carlos Cortegoso, que ficou
conhecido como “garçom” de Lula e chegou a ser denunciado por
participação em esquemas do partido, também seguem na folha de
pagamentos do PT. A lista inclui ainda uma empresa do notório Freud
Godoy, tido como faz-tudo de Lula, que recebe cerca de 450 mil reais por
ano por serviços de segurança, embora esteja com seu registro de
funcionamento cassado.
A
despeito do novíssimo manual, e de tudo que os escândalos dos últimos
anos revelaram, a vida real mostra que o PT está bem longe de aprender a
lidar com o dinheiro público como deveria.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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