Estamos a caminho de estabelecer as primeiras formas de ocupação permanente fora de nosso planeta natal. Dagomir Marquezi para a Oeste:
Jeff
Bezos, o homem mais rico do mundo, vai se tornar também um dos
pioneiros do turismo espacial. No dia 20 de julho, uma terça-feira, ele e
seu irmão Mark vão entrar numa cápsula New Shepard, fabricada por sua
empresa Blue Origin. Os Bezos brothers deverão subir até o limite entre a
atmosfera e o espaço exterior, a 100 quilômetros de altitude. A viagem
total deverá durar 10 minutos.
E
é esse o produto que a Blue Origin vai oferecer a princípio: um pulinho
no espaço. Não faltam interessados. Uma terceira vaga na New Shepard
foi a leilão e recebeu ofertas de 7.600 concorrentes de 159 países. O
vencedor (ainda não revelado) comprou seu assento por 28 milhões de
dólares. A renda vai para uma fundação educacional da empresa espacial.
Uma
coisa é uma viagem de 10 minutos. Outra é passar as férias em órbita. E
essa possibilidade está muito próxima, pelo menos para (por enquanto)
os super-ricos.
O
Voyager Station poderá ser o primeiro hotel espacial da História. Ele
vai ser construído pela Orbital Assembly Corporation, que se descreve
como “a primeira companhia do mundo de construção espacial em larga
escala”. O formato da Station é o de uma roda com 200 metros de
diâmetro, capaz de receber até 440 viajantes.
Se
algo der muito errado, 44 veículos de emergência poderão levar os
ocupantes de volta à superfície terrestre. A estação deverá ter 24
módulos de habitação, de tamanhos variados. Sua permanente rotação vai
criar uma gravidade artificial para os ocupantes.
Você
já pode fazer sua reserva no site da empresa. Mas, se declarar que tem
menos de 10 milhões de dólares, nem prosseguirá na inscrição. Suítes de
30 metros quadrados podem ser alugadas de 3 a 30 dias, com vista para a
Terra e o universo como um todo. Bilionários poderão alugar uma “villa”
de luxo, com 500 metros quadrados, acomodação para 16 pessoas, três
banheiros e cozinha própria. Multibilionários podem pensar na
possibilidade de comprar uma villa dessas. Por enquanto a empresa não
informa o preço do metro quadrado numa estação espacial.
O
Voyager Station oferece outras amenidades, como a sala de esportes,
onde você pode jogar basquete ou saltar na cama elástica com apenas um
sexto da força da gravidade. À noite, a academia se transforma numa sala
de concertos “para os maiores músicos da Terra sacudirem a estação
enquanto circulam o planeta”.
Os
hóspedes contarão ainda com um “sky bar” para quem quiser tomar um
drinque observando o espaço com “a melhor vista da estação”. As bebidas
são servidas no balcão do andar superior. Você não precisa subir a
escada. Com um sexto de seu peso, pode saltar até ela.
Não
podia faltar também um restaurante para “rivalizar com os melhores da
Terra”. Os alimentos serão renovados a cada duas semanas por meio de
serviços de delivery espacial. “Com o tempo”, declarou o designer Tim
Alatorre, “ir para o espaço será apenas uma das opções que as pessoas
terão para suas férias, como viajar num cruzeiro ou ir para a Disney
World.” O objetivo mais a longo prazo é que a opção deixe de ser para os
muito ricos e esteja ao alcance “de qualquer um”.
O
Voyager Station não é um projeto para um futuro distante e indefinido.
Sua inauguração está anunciada para daqui a meros seis anos. O primeiro
prazo era 2015, e só foi adiado por causa da pandemia de covid-19. Está
logo aí. E não é o único projeto desse tipo em andamento.
A
empresa Axiom Space anunciou o mais modesto Axiom Station. Será um
“laboratório comercial e infraestrutura habitacional”. Vai orbitar a
Terra a 400 quilômetros de altitude e 27.300 quilômetros por hora. Preço
total da estação: 2 bilhões de dólares.
A
Axiom não promete bares e academias no espaço, mas uma estação espacial
sóbria e funcional, para receber cientistas e turistas. Eles ficarão
instalados num compartimento em forma de ovo, planejado pelo arquiteto e
designer francês Philippe Starck. Seus quatro módulos estão sendo
construídos pela empresa TASI (Thales Alenia Space). A Axiom, comandada
por um ex-funcionário da Nasa, já colocou em seu site uma contagem
regressiva para o lançamento do módulo inicial. O dia anunciado é o
primeiro de 2024.
Em
outras palavras, até agora humanos foram ao espaço cumprir uma missão.
Agora começam a ir pela curtição. Projetos como o Voyager Station e o
Axiom indicam também que se confirma uma era de privatização da exploração espacial.
A ideia de um hotel em órbita jamais partiria de uma Nasa, ou dos
complexos estatais da Rússia e da China. Como sempre, é a iniciativa
privada que dá os passos mais ousados e surpreendentes.
O
espaço está deixando de ser “mata virgem”. Estamos a caminho de
estabelecer as primeiras formas de ocupação permanente fora de nosso
planeta natal. O mais completo e ousado plano nesse sentido é o projeto
Nüwa.
No
ano passado, a Mars Society, entidade que reúne os maiores
especialistas no chamado “planeta vermelho”, lançou um concurso para
escolher o melhor e mais completo projeto de colonização de Marte.
Concorreram 175 equipes de doze países. O vencedor foi o escritório
internacional de arquitetura ABIBOO, com a assessoria de uma rede
internacional de cientistas e especialistas.
O
Nüwa é o primeiro plano real de urbanização de Marte. O nome inspira-se
em uma deusa da mitologia chinesa que protegia os humanos fundindo
cinco pedras. O projeto mais amplo da ABIBOO prevê a construção de cinco
cidades (Nüwa, Fuxi, Abalos, Marineris, Ascraeus) interligadas na
região de Tempe Mesa.
Em
seu estágio mais avançado, Nüwa poderá estar habitada por 1 milhão de
humanos. Esse milhão consumirá por dia 10.000 toneladas de água, 1.500
toneladas de comida e 820 toneladas de oxigênio, tudo produzido no
próprio planeta. Essas fontes vitais deverão ser cuidadosamente
recicladas, pois qualquer desperdício num planeta tão hostil pode ser
fatal. As fontes de energia deverão ser a solar concentrada (58%), a
nuclear (30%) e a fotovoltaica (12%).
A
unidade de construção de Nüwa são módulos tubulares de 60 metros de
comprimento e 10 metros de diâmetro, ligados por uma rede de túneis e
elevadores. Os módulos de dois andares não serão empilhados como nos
edifícios terrestres, mas encaixados no paredão de um penhasco, formando
pontos iluminados na noite marciana. Segundo a revista Space, esse
encaixe no penhasco deverá “proteger os habitantes da radiação, garantir
acesso indireto à luz do Sol e proteger do impacto potencial de
meteoritos”.
Existe
na concepção de Nüwa uma preocupação com o bem-estar de seus
habitantes, vivendo num planeta de condições extremas. O projeto prevê a
criação de “Green-Domes”, grandes estufas onde seriam cultivadas
plantas terrestres num minijardim. Nesses espaços coletivos, os humanos
poderiam passear com seus pets, participar de apresentações artísticas e
até curtir em paz algumas pequenas fontes de água.
No
planalto sobre o penhasco (e as habitações), seria instalada a
infraestrutura para a produção de comida e energia. Cinquenta por cento
da alimentação humana viria dessas plantações automatizadas, criadas num
ambiente artificialmente enriquecido por gás carbônico. Ao pé do
penhasco estariam os serviços — hospitais, escolas, rede de transporte
etc.
O
projeto Nüwa calcula que a cada 26 meses seria aberta a ponte entre a
Terra e Marte, com viagens entre um e três meses de duração. Um
candidato a colonizador deverá pagar, segundo a ABIBOO, aproximadamente
“300 mil dólares para ter direito a uma viagem (só de ida), uma unidade
residencial de 25 a 35 metros quadrados por pessoa, acesso completo às
facilidades comuns, todo o apoio vital em serviços e alimentação e um
contrato de trabalho que obriga cada um a devotar entre 60% e 80% de seu
tempo de trabalho a tarefas determinadas pela cidade”. Os cidadãos são
considerados acionistas da cidade. Nüwa não se propõe a criar nenhuma
utopia econômica delirante. Usa os bons e velhos conceitos de economia
de mercado adaptados a uma realidade completamente nova.
A
educação seria dividida em três fases. Até os 5 anos, as crianças
teriam um ensino básico com foco nas áreas emocional, cognitiva, social e
física. Dos 5 aos 16, a ênfase vai ser no desenvolvimento de novas
habilidades e no trabalho em equipe. A partir dos 17, os jovens
cursariam as universidades técnicas marcianas, voltadas para tarefas
críticas, empreendedorismo, ciência e artes e conceitos vitais como
inteligência artificial e robótica.
Não
podemos perder de vista que esses primeiros habitantes serão colonos, e
não turistas. E que, portanto, como os pioneiros do passado, deverão
focar suas tarefas na instalação da própria colônia, o que não será nada
fácil. A moeda local seria o micro. Lá, como aqui, você teria como
ganhar de acordo com seu trabalho, e poderia gastar os micros a mais
para expandir seus negócios, comprar uma habitação maior ou gastar em
viagens e bens.
Segundo
seu designer Alfredo Muñoz, “parece realista que a gente possa começar
Nüwa por 2054, e terminar pelo fim do século, se houver as fontes certas
de financiamento e vontade para isso”. Uma matéria da revista BBC
Science Focus afirma que, “por volta do 50º aniversário de Nüwa, a
colônia vai estar grande o suficiente para se tornar um Estado
independente da Terra”.
Passar
férias em órbita ou morar em Marte pode não ser para mim ou para você.
Mas nossos filhos poderão sonhar com essa possibilidade. Nossos netos
talvez possam comprar um sobrado em Nüwa em suaves prestações. E nossos
bisnetos poderão nascer marcianinhos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI




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