Jair Bolsonaro e seus auxiliares podem jurar inocência, mas há muito a explicar depois das denúncias feitas na sexta-feira à CPI. Editorial do Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro jacta-se de não haver um único caso de
corrupção em seu governo, mas a simples declaração de honestidade não
torna o governo honesto. É preciso demonstrar, diariamente, cuidado com a
administração dos recursos públicos, impedindo o mau uso e a
locupletação por parte de espertalhões.
Assim,
Bolsonaro e seus auxiliares podem jurar inocência, mas há muito a
explicar depois das denúncias feitas na sexta-feira passada à CPI da
Pandemia por um funcionário do Ministério da Saúde, Luís Ricardo
Miranda, e seu irmão, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF).
Para
resumir, o funcionário relatou que foi pressionado por sua chefia no
Ministério da Saúde a dar andamento à compra da vacina indiana Covaxin a
despeito de diversas irregularidades no processo. Já o parlamentar
contou que levou a informação pessoalmente ao presidente Jair Bolsonaro,
que prometeu tomar providências.
Até
onde se sabe, nenhuma providência foi tomada, e o contrato suspeito
continuou válido. O vultoso negócio, de R$ 1,6 bilhão, foi feito a toque
de caixa – em notável contraste com a demora do governo em adquirir
outras vacinas.
Também
ao contrário do que aconteceu em outras negociações, nesta o governo
não pechinchou, pagando pelo imunizante um valor mais alto do que o de
outras vacinas – que demoraram a ser adquiridas, segundo o governo,
porque, entre outras razões, estavam muito caras.
Além
disso, a Covaxin, no momento da assinatura do contrato, ainda não havia
sido liberada pela Anvisa, embora o presidente Bolsonaro tivesse
garantido que só compraria vacinas aprovadas pela agência sanitária –
que, ademais, fez diversas ressalvas sobre a qualidade do laboratório
indiano e sobre a vacina em si.
Por
fim, mas não menos importante, o negócio com a Covaxin foi o único a
ter um intermediário, e cujo pagamento teria que ser feito, adiantado,
num paraíso fiscal para uma empresa cujo nome não constava do malfadado
contrato.
Segundo
o deputado Luís Miranda disse à CPI, o presidente Bolsonaro, ao ser
informado por ele sobre o caso, disse que era “mais um rolo” do deputado
Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara. E teria
acrescentado que “se eu mexo nisso aí já viu a m… que vai dar”.
Ricardo
Barros, veterano do Centrão, é apontado como padrinho da indicação da
servidora responsável por dar continuidade ao contrato da Covaxin a
despeito das irregularidades. Além disso, o dono da empresa
intermediária é sócio de uma firma que, em 2017, quando o ministro da
Saúde era Ricardo Barros, vendeu remédios ao Ministério da Saúde e não
os entregou – irregularidade pela qual Barros se tornou réu em processo
por improbidade administrativa.
O
que Bolsonaro teria chamado de “rolo” é, portanto, aparentemente
extenso e com muitas ramificações. Se de fato nada fez ao tomar
conhecimento das irregularidades, Bolsonaro cometeu prevaricação, um dos
tantos crimes de responsabilidade que podem embasar um processo de
impeachment – palavra incômoda que tornou a surgir no horizonte de
Brasília por conta do escândalo da Covaxin.
A
reação do presidente e dos governistas não tranquilizou ninguém. Ao
contrário, traiu um nervosismo típico de quem tem algo a esconder. Em
vez de mandar investigar o caso, Bolsonaro mandou investigar os
denunciantes – e o secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni,
chegou a ameaçá-los. Na CPI, a tropa de choque bolsonarista ficou
apoplética e, aos gritos, tudo fez para intimidar os irmãos Miranda.
Em
sua defesa, Bolsonaro, mais uma vez, alega ser inimputável: “Eu não
tenho como saber o que acontece nos Ministérios, vou na confiança em
cima de ministros”. Na época, o ministro era Eduardo Pazuello, que nem
respira sem autorização de Bolsonaro.
É
espantoso que o presidente alegue candidamente desconhecer um negócio
malcheiroso da ordem de R$ 1,6 bilhão. O que não espanta, de nenhuma
maneira, é a suspeita de que um capa-preta do Centrão apareça como
possível pivô do escândalo, e espanta menos ainda que, por isso mesmo,
Bolsonaro não queira “mexer nisso aí” – afinal, o presidente não pode se
indispor com quem manda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário