Não é preciso ser estatístico para observar que Lula da Silva herdou parte do potencial de voto de Bolsonaro, e sem fazer força. Editorial do Estadão:
A
mais recente pesquisa de intenção de voto para presidente produzida
pelo instituto Ipec mostra o ex-presidente Lula da Silva com 49%, contra
23% do presidente Jair Bolsonaro. Se as eleições fossem hoje, seriam
grandes as possibilidades de o petista vencer ainda no primeiro turno.
Felizmente
ainda faltam 16 meses para a votação, e nem se sabe bem quem serão os
candidatos – salvo Lula da Silva e Bolsonaro, que nunca descem do
palanque. Portanto, não é possível cravar que esse cenário tétrico se
manterá.
Mas
a pesquisa mostra um fato cristalino: é Bolsonaro quem está
fortalecendo a candidatura de Lula da Silva. Quando se observa o
potencial de voto, saltou de 50% para 61%, de fevereiro para cá, a
parcela de entrevistados que dizem que poderiam votar ou votariam com
certeza em Lula. Já os que dizem que não votariam em Lula de jeito
nenhum passaram de 44% para 36%.
Com
Bolsonaro, o cenário se inverte. Saltou de 56% para 62% o porcentual
dos que dizem que não votariam no presidente de jeito nenhum, enquanto a
parcela dos que se dispõem a votar nele caiu de 38% para 33%.
Não
é preciso ser estatístico para observar que Lula da Silva herdou parte
do potencial de voto de Bolsonaro, e sem fazer força. O líder de um
partido que, quando esteve no poder, se envolveu em grossas
traficâncias, provocou inédita crise econômica e foi pivô da profunda
cisão que a sociedade brasileira experimenta há anos, o que em qualquer
lugar civilizado resultaria em ostracismo político, hoje surge como
grande favorito a retomar a Presidência. Eis a grande obra de Bolsonaro.
O
presidente está se esforçando com denodo para viabilizar a volta de
Lula da Silva. Depois de dois anos e meio de absoluta inércia
administrativa, em que passou mais tempo em palanques e se divertindo em
praias e passeios, enquanto gastava energia sabotando os esforços para
combater a pandemia de covid-19, criando crises com o Judiciário, o
Congresso e os militares e investindo no isolamento do Brasil no mundo, o
presidente colhe os frutos de seu empenho em arruinar o País: para cada
vez mais eleitores, o retorno de Lula é menos danoso do que a
continuidade de Bolsonaro.
Se
não bastasse a catástrofe administrativa, Bolsonaro, eleito com a
tonitruante promessa de acabar com a corrupção deslavada da era
lulopetista, acumula escândalos de fazer inveja à tigrada de antanho.
O
presidente brada que não houve um único caso de corrupção em seu
governo, mas um ministro sofreu busca e apreensão em inquérito sobre
suposto favorecimento ao contrabando de madeira, outro foi indiciado
pela Polícia Federal sob suspeita de chefiar esquema de candidaturas
laranjas e agora há fortes indícios de que o Ministério da Saúde foi
tomado por saúvas interessadas em faturar com vacinas e cloroquina.
E
aqui nem se fala de rachadinhas, uso de dinheiro público em campanha
eleitoral fora de época e aparelhamento explícito da máquina do Estado
para fins privados, marcas da nefasta era bolsonarista.
A
tudo isso se soma a relação de vassalagem de Bolsonaro com o Centrão,
que culminou com a farta distribuição de verbas do Orçamento longe dos
controles democráticos – que, conforme concluiu o Tribunal de Contas da
União, “não reflete os princípios constitucionais, as regras de
transparência e a noção de accountability”.
Diante
da sangria de popularidade e pressionado pela reação das instituições,
Bolsonaro, em vez de se emendar, decidiu ultrajar ainda mais os
brasileiros. No momento em que vários países que já haviam controlado a
pandemia de covid-19 voltam a falar em medidas restritivas ante a
contaminação por novas cepas, Bolsonaro aparece em público tirando a
máscara de uma criança, escarnecendo daquela que é a maneira mais barata
de conter a doença e, assim, contribuindo para piorar um quadro que já é
catastrófico no Brasil.
Não
é à toa que, segundo a pesquisa do Ipec, Bolsonaro perde de Lula
inclusive entre os evangélicos, apesar de todas as juras do presidente a
essa parcela do eleitorado. Ante a razia bolsonarista, até o diabo
parece charmoso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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