MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 14 de maio de 2021

O Brasil precisa de M4t3m4t1c4

 



Um povo que não sabe usar uma planilha está condenado a aceitar os fatos que afetam sua sobrevivência e prosperidade sem saber como reagir. Dagomir Marquezi para a Oeste:


Começou no último dia 10 a 27ª Olimpíada de Matemática de Maio, com estudantes até 15 anos de idade. Os finalistas entrarão no circuito internacional. Poderão seguir o exemplo das três estudantes brasileiras que faturaram medalhas de bronze na 10ª Olimpíada Europeia de Matemática para Garotas, encerrada na República da Geórgia em 15 de abril.

E quem se importa? Vivemos numa época de politização rasa, opiniões abstratas sobre tudo e considerações estéticas. Não ligamos muito para os números. Deixamos a matemática para técnicos e especialistas, encarregados de fazer com que as coisas funcionem. E voltamos para a interminável guerra de opiniões nas redes sociais.

Temos um pequeno grupo muito capacitado de especialistas, alguns já trabalhando em outros países. Mas a matemática não faz parte da nossa cultura. Pior: é tratada a pauladas na educação brasileira, hoje mais preocupada em produzir intoxicação ideológica e política sindicalista do que em conviver com a realidade.

No início deste ano, a revista The Economist divulgou um novo estudo desenvolvido em conjunto pela Universidade Harvard e pelo Centro para o Desenvolvimento Global. Segundo o estudo, a riqueza de um país como um todo interfere no seu desempenho em educação de matemática e ciências tanto quanto a renda da família do estudante. Em outras palavras: quanto mais gente estuda ciências e matemática, mais o país fica rico. E, quanto mais o país fica rico, mais gente estuda ciências e matemática. O círculo é virtuoso.


O Brasil é citado no estudo como um exemplo contrário. Aqui, a desigualdade de renda faz com que a ponta superior da sociedade consiga colocar seus filhos em boas instituições, enquanto a grande maioria tem um ensino precário, incapaz de gerar futuras riquezas. Num país como a Coreia do Sul, as distâncias são pequenas nos dois sentidos. Os mais ricos tiram melhores notas em matemática, e não há tanta diferença entre os padrões de renda nem nas notas obtidas. No Brasil, essa distância é muito maior. Os mais ricos ganham vinte vezes mais que os mais pobres, e a diferença entre notas mais altas e mais baixas é equivalente. Entre os países estudados mais a fundo, o Brasil é o que tem a pior taxa de desequilíbrio entre renda doméstica e notas de matemática.

Um país que despreza a matemática não coloca os pés no chão. Um povo que não sabe usar uma planilha está condenado a aceitar os fatos que afetam sua sobrevivência e prosperidade sem saber como reagir. A matemática não é só para os matemáticos, mas para cada um de nós.

Mesmo quando estão ocultos, os números regem cada detalhe de nossa vida. A residência onde você vive nasceu de cálculos estruturais antes que um único tijolo fosse comprado. Uma rápida passada pelo supermercado é uma sucessão de contas mentais de custo/benefício. Um jogo de futebol é um conjunto de formas geométricas em constante mutação, definidas por 22 jogadores e uma bola. O seu dia está dividido em frações de tempo. A música que você ouve é um conjunto de divisões e subdivisões de compassos de tempo e de frequências de som. Estas linhas que você está lendo nasceram de uma combinação de zeros e 1s num processador digital de texto.

Qual a real importância que o Brasil dá à matemática? Vamos procurar a resposta usando os critérios da Quacquarelli Symonds, a QS, organização internacional com sede em Londres e escritórios em oito países, especializada em avaliações de educação. Todo ano a QS publica seu ranking das melhores escolas do mundo em cada especialidade.

O primeiro lugar do ranking 2021 de escolas de matemática pertence a uma célebre instituição norte-americana: o MIT, ou Massachusetts Institute of Technology, com pontuação de 96,5. Dos dez primeiros colocados, seis estão nos EUA. Outros três têm sede na Europa (Reino Unido e Suíça) e um na Ásia (a Universidade Nacional de Singapura).

Vamos pegar uma amostra mais ampla, a das 100 instituições mais bem avaliadas no ensino da matemática. E temos este resultado de instituições por país:

EUA                               28
Reino Unido                    11
Austrália, China                7
França                             6
Alemanha, Canadá            5
Holanda, Rússia                4
Coréia do Sul, Japão          3
Cingap., Itália, Suiça         2
Arábia Saudita, Bélgica,
Brasil, Dinamarca, Israel,
Nova Zelândia, Suécia,
Taiwan                             1

O Brasil emplaca o único representante de toda a América Latina e África nesse ranking. A Universidade de São Paulo está em 96º lugar, com nota 74,2. É um troféu para se orgulhar. Mas não esconde o fato de que somos os menos ruins do Terceiro Mundo. Precisamos mais do que isso.

O panorama fica ainda mais trágico na avaliação do Pisa (ou Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). O Pisa divide o conhecimento de matemática em sete níveis. O nível mais alto é o 6. O nível 2 é considerado o patamar mínimo para que o aluno possa “aplicar conhecimentos básicos e resolver problemas simples”. No levantamento de 2018, apenas 0,1% dos estudantes brasileiros estavam no nível 6. E 68,1% estavam não só abaixo do nível 2, o mais básico, como também abaixo do nível 1. Estamos no subsolo.

Isso valoriza ainda mais os seis adolescentes que, em setembro do ano passado, colocaram o Brasil em décimo lugar (entre 105 países) na Olimpíada Internacional de Matemática, com uma medalha de ouro e cinco de prata. Mas o país não pode melhorar se continuar dependendo de heróis eventuais como esses seis jovens e alguns matemáticos de primeira linha. Continuamos prisioneiros de uma visão torta que enxerga as ciências exatas como “desumanizadoras”. O lobby por mais faculdades de filosofia é poderoso.

“Um dos mais belos aspectos da matemática é sua relação com a alma e a mente humanas”, escreveu o matemático e economista brasileiro Rodrigo Peñaloza em 2017. “É lamentável que a matemática seja vista com tanta rejeição por tantos. Se você ama as humanas e não gosta de matemática, a razão foi provavelmente a maneira como seus professores ensinaram a matéria na escola. […] Eu não apenas culpo os professores de matemática, eu também responsabilizo os professores de humanas por não saberem como conectar as ciências humanas com o pensamento matemático.”

Existe um senso de beleza em equações, na lógica com a qual elas se estabelecem, na maneira como produzem resultados que se conectam, como as rimas de uma poesia. Obras de arte que nos hipnotizam pela harmonia, como a Monalisa de Leonardo da Vinci, seguem uma equação matemática conhecida como a “proporção de ouro” — ou “(1 + √5) / 2 ≅ 1,618”.


Nem é preciso decifrar essa charada. Basta juntar na nossa cabeça que “humanas” e “exatas” não estão em guerra. Pelo contrário, são (ou deveriam ser) modos complementares de ver o mundo. A australiana Catherine Menon vive na prática essa ligação. Ela é ao mesmo tempo ph.D. em Matemática Pura e mestre em Escrita Criativa.

“A matemática e a escrita vêm do mesmo espaço criativo”, declarou Catherine ao jornal The Guardian. “Eu sinto que a ‘sensação’ de construir uma equação é a mesma sensação de construir uma sentença, parágrafo ou trama dramática. A matemática pura é muito abstrata: é uma linguagem mais de ideias do que de números. O valor de uma equação vai se basear normalmente em quão elegante e interessante seja, exatamente como o valor de uma escrita.”

O Brasil precisa de matemática, como um paciente desidratado precisa de soro — se quiser resolver boa parte dos seus problemas e acordar do berço esplêndido de uma vez. A matemática gera soluções práticas. Sua objetividade é uma grande inimiga da ilusão populista.

Alguns dos maiores problemas do Brasil de hoje são matemáticos. O tamanho do Estado, a distribuição do orçamento, os gastos da burocracia, o controle da inflação, a corrupção, a carga tributária, as vítimas da pandemia — tudo isso são números, gráficos, cálculos e projeções. Quem não entende minimamente esses conceitos não consegue compreender a complexidade da realidade em que vive.

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