A tomada tripla do poder federal pelos democratas parece ter acordado legislaturas republicanas de diversos estados, desencadeando um fenômeno poderoso de fortalecimento político local. Flavio Quintela para a Gazeta do Povo:
Por
mais contraditório que pareça, não há nada melhor para a indústria de
armamentos que um governo democrata. Pouco antes da vitória de Trump em
2016, a mera possibilidade de que Hillary Clinton fosse eleita
presidente dos Estados Unidos causou um pico nas consultas de
antecedentes criminais – um termômetro bastante fiel das vendas de novas
armas no país – e uma escassez de certos calibres e, principalmente, de
munição. Bastou que Trump fosse eleito para que esses números recuassem
imediatamente. Aliás, no dia seguinte à eleição, as ações das
fabricantes Sturm Ruger e Smith & Wesson caíram 15%, mostrando uma
realidade facilmente comprovável por dados das últimas quatro décadas:
os democratas fazem bem às vendas de armas nos Estados Unidos.
E
não tem sido diferente com Joe Biden no poder. A retórica antiarmamento
do atual presidente tem esvaziado as prateleiras de lojas de armas por
todo o país. O preço da munição está quase 300% acima do que era dois
anos atrás e os fuzis, cuja possibilidade de banimento é frequentemente
posta em discussão quando há um democrata no poder, estão sempre em
falta. Mais que isso, o que até então vinha sendo um fenômeno um tanto
restrito à questão comercial do setor de armamentos parece ter invadido o
campo político de forma consistente após a tomada da Casa Branca e do
Senado pelos democratas. Legislaturas estaduais de diversos estados
“vermelhos” – aqueles com forte presença republicana na política local –
têm agido preventivamente no sentido de evitar que políticas impostas
pelo governo federal tenham efeito em seus territórios de influência.
No
último 28 de abril, Montana juntou-se a uma lista crescente de estados e
condados que tomaram ações concretas para limitar ou anular o poder de
possíveis leis federais de controle sobre armas. Assim, o governador
Greg Gianforte assinou a Lei 258, que proíbe os oficiais das forças
policiais do estado, os funcionários públicos estaduais e quaisquer
funcionários de qualquer subdivisão política de Montana de ajudarem no
cumprimento de qualquer lei federal que venha a ser criada para banir ou
limitar a venda de armas ou munições.
O
esforço legislativo de Montana juntou-se a ações semelhantes em
Nebraska, Alaska, Arizona, Kansas, Idaho e Wyoming. E outras mais devem
acontecer em breve. No dia 8 de abril de 2021, o governador do Texas,
Greg Abbott, tuitou o seguinte: “Biden está ameaçando nossos direitos
garantidos pela Segunda Emenda. Ele acabou de anunciar um novo poder
liberal de confiscar nossas armas. Nós NÃO permitiremos isso no Texas.
Está na hora de o Legislativo criar leis que tornem o Texas um santuário
da Segunda Emenda e colocá-las na minha mesa para assinatura”. O texano
tuitou já sabendo do que estava por vir. O projeto de lei HB2622, cujo
escopo é idêntico ao da Lei 258 de Montana, foi aprovado pela Câmara de
Representantes estadual no último dia 30, e segue agora para o Senado
estadual, onde deve ser aprovado com facilidade. Obviamente, Abbott
sancionará a lei assim que for posta em sua mesa.
E
apenas dois dias atrás, o governador da Flórida, Ron DeSantis, assinou a
lei SB1884, que impõe penas de até US$ 100 mil de multa para governos
locais (prefeituras e condados) que imponham restrições sobre a compra
de armas e munições a seus moradores, caso estes busquem indenização
judicial decorrente de tais restrições. Desde 1987 a Flórida tem leis
que restringem o poder de cidades e condados no tocante à regulamentação
da venda e uso de armas de fogo – estão proibidos de passar qualquer
legislação local que seja mais restritiva que a legislação estadual
correspondente. A lei SB1844 garantirá que isso seja cumprido e limita a
possibilidade de apelos e recursos à Suprema Corte estadual.
Fora
do âmbito da Segunda Emenda, os estados também têm legislado ativamente
para proibir o ensino da “Teoria Crítica Racial”. Segundo essa linha de
pensamento, a raça está intrinsicamente presente em todas as interações
humanas, na própria dinâmica da vida em sociedade, e a experiência
humana é uma luta constante de poder entre diferentes raças (um
besteirol sem limites, em minha modesta opinião). O próprio DeSantis
informou, em março deste ano, que essa teoria será eliminada do
currículo escolar estadual em todas as suas camadas. No Arkansas, uma
nova lei foi aprovada banindo o ensino da Teoria Crítica Racial em
qualquer agência pública, e também proibindo o estado de promover os
conceitos de culpa coletiva, segregação e estereótipo racial. Alguns
estados que já aprovaram leis semelhantes são Idaho, Oklahoma e
Missouri. E a onda deve continuar com Texas, Tennessee e outros. Mais
uma vez, as legislaturas estaduais desafiam frontalmente as resoluções
do governo federal.
Para
grande parte dos norte-americanos, a frase de Sarah Huckabee Sanders em
seu vídeo de candidatura ao governo do Arkansas faz todo sentido: o
governo estadual é a última linha de defesa contra um governo federal
que tente corromper a democracia, vilipendiar a Constituição e cercear
as liberdades individuais. A tomada tripla do poder federal pelos
democratas parece ter acordado legislaturas republicanas de diversos
estados, desencadeando um fenômeno poderoso de fortalecimento político
local. Esse fenômeno está na própria essência do modelo federativo
americano, e vinha há décadas sendo deixado de lado, ao mesmo tempo em
que crescia o protagonismo do governo federal. A polarização política
atual só tende a amplificar o movimento dos estados vermelhos em direção
ao confronto direto com Washington. Como diz o ditado popular, há males
que vêm para o bem.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário