É simplesmente impossível que o Judiciário consiga, com esse modo de atuar, exercer sua função de pacificar os conflitos sociais. Editorial do Estadão:
Naturalmente,
as decisões judiciais suscitam críticas. É impossível que o Judiciário
agrade a todas as partes. Daí decorre a importância de o Judiciário ser
especialmente cuidadoso em sua atuação, para que, mesmo não agradando a
todos, consiga gerar confiança e segurança. Infelizmente, parece que o
Supremo Tribunal Federal (STF) nem sempre tem atingido esse objetivo.
Em
março, a Segunda Turma do STF, ao avaliar a imparcialidade do juiz
Sérgio Moro, deu todos os elementos possíveis para que se duvidasse de
sua própria imparcialidade. Ao final do julgamento, parecia haver mais
dúvidas, e não menos, se a Justiça tinha cumprido sua função de aplicar
isentamente a lei.
Agora,
assistiu-se a uma nova repetição do fenômeno no julgamento, no plenário
da Corte, sobre a competência da 13.ª Vara da Justiça Federal de
Curitiba em relação às ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. De novo, o maior problema não foi o resultado em si, mas o
modo como se chegou a ele.
O
caso em julgamento era o Habeas Corpus (HC) 193.726, impetrado no fim
de 2020, que discutia a competência de uma ação ajuizada em 2016,
sentenciada em 2017, com apelação julgada pelo Tribunal Regional Federal
da 4.ª Região em 2018 e recurso analisado pelo Superior Tribunal de
Justiça em 2019. Em todas essas instâncias – e também no STF, nas várias
vezes em que se debruçou sobre o caso –, foi aceita a competência da
13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba.
Registra-se
que, em março de 2016, o Ministério Público do Estado de São Paulo
denunciou em São Paulo o ex-presidente Lula por crimes envolvendo o
triplex do Guarujá. Naquele mesmo mês, a juíza da 4.ª Vara Criminal de
São Paulo remeteu a denúncia à Justiça Federal de Curitiba, por entender
que lá era o foro competente.
Agora,
em 2021, o plenário do STF entendeu que Curitiba não é mais o foro
adequado para as ações contra o ex-presidente Lula. A decisão baseou-se
em um precedente de 2015 (antes da denúncia, portanto), que, ao analisar
o modo como a Lava Jato vinha operando na distribuição das ações,
reconheceu que “nenhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo
universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para
fins político-partidários, à revelia das regras de competência”.
Ou
seja, o entendimento aplicado agora já estaria valendo desde 2015. No
entanto, ao longo de cinco anos, nenhuma instância do Judiciário viu
alguma objeção à competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba – objeção
essa que agora parece evidente ao plenário do Supremo.
A
dificultar a confiança da população na Justiça, o plenário do STF
entendeu que a 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba não é competente
para julgar as ações penais envolvendo o ex-presidente Lula, mas ainda
não sabe qual é o foro competente: se é a Justiça Federal do Distrito
Federal ou a de São Paulo.
Vale
notar que a perplexidade em relação ao Supremo não se dá apenas com
pessoas distantes do mundo jurídico, como se a causa do estranhamento
fosse eventual desconhecimento técnico da Constituição e das leis. De
forma um tanto chocante, são os próprios ministros do Supremo que
relatam, em suas falas e votos, a confusão que sentem com tantas idas e
vindas processuais.
Por
exemplo, o ministro Gilmar Mendes lembrou que o próprio HC 193.726, que
discutia o juízo natural de ações penais, teve vários juízes naturais.
Num primeiro momento, o relator do caso remeteu-o ao plenário do STF.
Depois, em embargos de declaração, decidiu o caso monocraticamente.
Quatro dias depois da decisão, remeteu o recurso ao plenário, e não à
Segunda Turma.
“Não
posso deixar passar despercebido o andar trôpego desse processo no que
atine a tema fundamental para a prestação jurisdicional, que é a
definição do juízo natural. Veja que é um ir e vir realmente macabro,
como acabo de registrar”, concluiu Gilmar Mendes.
É
simplesmente impossível que o Judiciário consiga, com esse modo de
atuar, exercer sua função de pacificar os conflitos sociais.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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