Bolsonaro convidou o Senado à dispersão de esforços para se proteger. E não satisfeito em lançar mão de Estados e municípios como escudo, quer que se abram processos contra ministros do Supremo. Fernando Gabeira para o Estadão:
Não
é fácil entender a política brasileira, mas quem se detiver, esta
semana, nos dois mais intrincados nós a serem desatados em Brasília
talvez chegue a algumas conclusões interessantes. Os dois nós são a CPI
da pandemia e a inadequação do Orçamento da União.
No
primeiro, o governo é acusado de omissão no processo de combate ao
vírus que já nos custou mais de 360 mil vidas e poderá custar 600 mil
até julho, segundo prognósticos da Universidade de Washington. Acusações
e mesmo investigações sobre a atuação de Bolsonaro na pandemia não são
novas. Há processos no Tribunal Internacional de Haia e inquéritos como o
das mortes em Manaus, em que Eduardo Pazuello é o principal
investigado.
Bolsonaro
é acusado de negacionismo e, realmente, tem negado a importância da
pandemia desde o início. Era previsível que surgisse uma CPI sobre o
tema no Congresso, uma vez que os parlamentares estavam de quarentena,
mas não mortos.
Eleito
com apoio de Bolsonaro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
bloqueou a instalação da CPI. Quando, numa entrevista, perguntei a razão
do bloqueio, ele respondeu com os argumentos usais de que é preciso
união, foco no combate à doença. Na verdade, usou o argumento da própria
pandemia para negar direitos legais, algo que muitos governos
autoritários tentam fazer no mundo.
A
reação de Bolsonaro à CPI foi uma nova forma de demonstrar seu
negacionismo. Ele sabe que CPI, além do número legal de assinaturas,
precisa de fato determinado. Na conversa gravada com o senador Kajuru,
ele pede que a investigação seja estendida aos prefeitos e governadores.
É preciso investigar tudo, diz ele. E nós sabemos que essa é a senha
para não investigar nada.
A
proposta é quase tão absurda quanto chamar a covid-19 de gripezinha ou
insinuar que a vacina transforma gente em jacaré. O Senado teria de usar
seus recursos limitados para investigar todo o Brasil, sabendo que 11
Estados já fazem essa investigação e em dois, Rio de Janeiro e Santa
Catarina, os governadores investigados já foram afastados do cargo.
Isso
tudo sem contar o fato de que a Polícia Federal trabalha no tema em
nove Estados e já recuperou em torno de R$ 7 milhões desviados, até com
incursões em gabinetes de governador, como no caso de Helder Barbalho,
no Pará.
Bolsonaro
convidou o Senado à dispersão de esforços para se proteger. E não
satisfeito em lançar mão de Estados e municípios como escudo, quer que
se abram processos contra ministros do Supremo.
São
duas lições importantes sobre a política no Brasil. Acusados tentam
sempre ampliar as investigações para desaparecerem nela, e quase sempre
alegam que todos estão errados. No caso, a ideia é pôr a limitada
estrutura do Senado a investigar todo o Brasil e, simultaneamente,
tentar cassar membros do Poder Judiciário.
Em
outras palavras, a melhor maneira de investigar a omissão criminosa de
Bolsonaro é uma ofuscante e laboriosa atividade cujo resultado pode ser
nulo. É uma nova pirueta do negacionismo. Não houve pandemia, muito
menos responsáveis pela mortandade. A CPI seria apenas, como em Macbeth,
uma história, contada por idiotas, cheia de som e fúria, significando
nada.
O
nó do Orçamento também é interessante, por mostrar que se tornou um
instrumento tão precário que não serve nem para um desgoverno como esse
que existe hoje no Brasil. Negociações medíocres entre governo e
Congresso acabaram fazendo a balança pender para alguns ministérios e,
sobretudo, para o lado dos parlamentares.
Não
se sabe onde vai parar parte do dinheiro da Previdência, do
seguro-desemprego, do financiamento da agricultura familiar. O próprio
Paulo Guedes afirma que com esse Orçamento é impossível prosseguir e
teme até o impeachment de Bolsonaro. Como sempre, a conta está um pouco
mais alta: R$ 33 bilhões.
O
que é esclarecedor sobre o Brasil são as soluções discutidas nos
bastidores. Aí, sim, o observador conhecerá um pouco da nossa cultura,
seguindo o debate. Uma das propostas para livrar Bolsonaro de processo é
uma viagem ao exterior. O Orçamento seria assinado por Arthur Lira, que
já está queimado mesmo e serviria de escudo para o presidente.
Também
muito didática é a troca de ideias entre Guedes e os parlamentares. O
ministro propõe que sejam cortados os R$ 33 bilhões e se façam ajustes
lá na frente. Os parlamentares propõem que sejam mantidos e se façam
ajustes lá na frente. Uma ausência tão completa de planejamento é também
uma espécie de negação do governo. O Orçamento é apenas para tocar os
assuntos correntes.
O
problema é que essa ausência de governo real assusta até o mercado.
Hoje apenas por ser uma dispendiosa ausência. Logo o próprio mercado
sentirá falta de um governo com projetos de renovação pós-pandemia.
Nos
Estados Unidos discute-se uma nova relação entre governo e forças
produtivas, trabalha-se com a consciência de um desastre climático,
aprofunda-se a experiência digital. O Brasil costuma levar alguns anos
para se sintonizar com o mundo. Quase sempre foi assim, mas com um
governo negacionista certamente despontamos para o atraso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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