![]() |
| Bia, robô do Bradesco. |
O politicamente correto é prejudicial para a sociedade porque não leva em conta a verdade, mas sim o discurso. Eduardo Gama para a Gazeta do Povo:
Ainda
está em curso a polêmica a respeito da decisão do Bradesco de elaborar
uma campanha para combater o assédio contra BIA, a atendente virtual da
empresa que opera por meio de inteligência artificial. Qualquer ser
humano com um mínimo de ética sabe que alguém que xinga ou busca
humilhar uma mulher, ou uma representação dela, é um canalha, para
utilizar uma expressão de Nelson Rodrigues. Embora antiga, a palavra
ainda é insubstituível para essas atitudes.
Porém,
uma certa direita brasileira já saiu correndo para passar vergonha em
primeiro lugar, como costuma fazer. Sem compreender o básico, saiu
vociferando que xingar uma máquina não é o mesmo que xingar uma mulher
de carne e osso, e que já havia dito impropérios para o aspirador de pó e
outros eletrodomésticos de sua casa. E dá-lhe dizer que o progressismo é
isso e aquilo, mimimi, e blablablá.
Essa
ainda púbere direita brasileira é incapaz de compreender que o sujeito
que se dirige à inteligência artificial do Bradesco e pede para transar
com ela não está se dirigindo a um robô, mas à representação feminina
ali escancarada em sua frente. Mas essa obviedade não é compreendida. E
tira sarro da campanha, e se acha superior só porque resolveu mais um
problema de forma muito fácil. Da forma errada, como de costume, mas
resolveu.
Poderíamos
deixar essa certa direita no seu canto, mas a questão é que, sem
querer, ela dá força para o politicamente correto. Explico-me: a ação do
Bradesco e de sua agência de propaganda é, evidentemente, certa pela
causa que defende. O assédio a uma mulher ou a sua representação (repito
na esperança de ser compreendido) é abjeto. No primeiro caso, crime; no
segundo, passível de uma campanha de conscientização, como a empresa
está fazendo. Portanto, nenhuma objeção à propaganda.
Mas
algo cheira mal na campanha do banco, como em todos os politicamente
corretos de hoje. Muitas vezes, as causas que defendem são justas, mas
se resumem a elaborar campanhas, agitar bandeiras, fazer discursos, mas
jamais praticar o que falam. Agora somos capazes de identificar o cheiro
de muitos casos de politicamente correto: hipocrisia.
Por esse motivo, a reportagem da Gazeta do Povo intitulada “Bia x Beatriz: mulheres reais não são protegidas contra o assédio no Bradesco”
é brilhante. Afinal, qual é a única forma de lidar com a hipocrisia?
Denunciando-a. É preciso mostrar de forma clara que “suas ideias não
correspondem aos fatos”, como já foi até cantado.
A
reportagem da Gazeta mostra que o banco é célere em promover campanhas
de conscientização apenas para parecer preocupado com as mulheres.
Porém, a prática é outra, já que assédio moral é comum e as denúncias de
assédio sexual por parte de clientes são ignoradas, levadas na
brincadeira ou como uma chance de se fechar mais um negócio. Basta ler
um pequeno trecho da reportagem – depoimento de uma ex-funcionária –
para perceber uma conduta dupla:
“Tive
outro gestor que dizia para nós, mulheres, usarmos saia e decote, para
fazer visitas aos clientes. Um cliente me mandou mensagens com cantadas,
levei para o conhecimento da minha gestora e ela riu, dizendo que eu
estava arrasando corações e nada fez. Inclusive para bater uma meta de
consórcio disse para eu ligar e oferecer para o cliente, pois ele estava
‘apaixonadinho’ e compraria a carta.”
Não
é fácil desvelar a hipocrisia nas pessoas. Entretanto, é mais fácil
quando institucional. A empresa fala sobre racismo e faz questão de ter
negros em suas propagandas? OK. E o que ela faz pelos negros? Quais
oportunidades oferece, especialmente na própria empresa? Nenhuma? Bom,
então se trata de mero discurso. Fala a respeito de incluir todos e que
somos iguais, mas não tem nenhum programa específico para pessoas com
deficiência, transtorno, síndrome? Pura hipocrisia. Faço questão de
mencionar transtorno e síndrome porque é para essas pessoas que as
empresas menos olham, e isso porque dá menos repercussão social,
lamentavelmente.
O
politicamente correto é prejudicial para a sociedade porque não leva em
conta a verdade, mas sim o discurso. No fim das contas, é o velho jogo
das aparências. A preocupação não em ser bom, mas parecer bom segundo os
valores de uma determinada época. Por isso que, assim como fez a
reportagem da Gazeta, é preciso denunciá-lo, prestando um serviço à
verdade.
Eduardo Gama é mestre em Literatura, professor de Redação e de Literatura, jornalista e publicitário.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

Nenhum comentário:
Postar um comentário