O jornalista Philip Eade conta que foi em silêncio que o príncipe suportou os golpes. Num tempo em que cada um salienta a sua bondade e aponta a dedo os erros dos outros, Philip tornou-se uma exceção. Artigo de André Abrantes Amaral para o Observador:
Quando
nasceu há praticamente 100 anos ninguém vaticinava o que acabou por
suceder. Apesar de tudo, os acasos já lá estavam: em 1863, o bisavô de
Filipe, um dinamarquês, nobre de segunda linha, foi chamado para suceder
ao rei da Dinamarca, que morreu sem filhos. Nesse mesmo ano o avô foi
escolhido pelas potências europeias para rei da Grécia. Mesmo assim, e
apesar de neto e bisneto de reis de dois países europeus, era pouco
provável que Filipe chegasse longe, já que o seu pai era apenas um dos
filhos mais novos do novo rei grego. Estes foram os acontecimentos
felizes que o posicionaram para ser aquilo em que se tornou.
Já
no decorrer da sua vida ocorreram as infelicidades que acabaram por o
ajudar: a expulsão do seu pai da Grécia; a ida para França e depois para
Inglaterra, para uma infância longe dos pais; o casamento das suas
irmãs com príncipes alemães e nazis; a esquizofrenia da mãe; a morte em
1937 da sua irmã Cecília; a separação dos pais e uma família desunida; a
morte, também inesperada, do seu tio e tutor logo em 1938. De acordo
com o jornalista Philip Eade (‘Young Prince Philip’, publicado pela
Harper Press), Filipe suportou todos estes golpes em silêncio. Foi nesse
mesmo ano de 1938 que o seu outro tio, o futuro Lord Mountbatten, o
tomou a seu cargo. Com 17 anos e com poucas referências de estabilidade,
as perspectivas de Filipe estavam longe de serem boas.
O
casamento com com a futura rainha catapultou-o para a ribalta, mas isso
apenas foi possível devido ao impacto que provocou, naturalmente nela,
mas também no tio e no próprio Rei. Apesar deste não ser favorável ao
casamento entre os dois, Jorge VI considerava o futuro genro
‘inteligente, portador de um bom sentido de humor e que pensa sobre os
assuntos da maneira certa’ (‘Young Prince Philip’, p.155). Acima de tudo
o que todos viam era um jovem seguro e confiante. Uma segurança e
confiança alimentada pela desgraça vivida durante a infância e
adolescência. Foi essa segurança, essa confiança que lhe permitiu
prescindir de uma promissora carreira na marinha e viver publicamente à
sombra de uma mulher, numa época em que tal era causa de embaraço entre
os homens. Há quem diga que duque suportou o encargo, mas o que ele fez,
em silêncio, foi aceitá-lo. O silêncio de Filipe acabou por ser um
sucesso de entrega. Numa altura em que a igualdade de género se discute
com tanta verborreia, a naturalidade da decisão do príncipe é de louvar e
ter em conta.
A
vida de Filipe chama a nossa atenção também outras realidades:
primeiro, que no passado a vida não era fácil. Podemos ter desafios
complicados pela frente, mas nem nisso somos pioneiros. Todas as
gerações tiveram de lidar com gente estúpida. Segundo, que a confiança e
a segurança se conseguem com força de espírito. Por estes dias há quem
se refira a Filipe como um exemplo de uma geração que praticamente
desapareceu e que hoje em dia já não se sabe sofrer em silêncio; que
praticamente ninguém guarda para si os seus problemas, menos ainda os
seus feitos; que vivemos num tempo de vaidade em que qualquer pretexto,
seja uma desgraça ou um êxito, serve para chamar a atenção. Para todos
os efeitos não creio que na actualidade esta característica esteja assim
tão agravada, pois vaidosos e narcisistas existiram sempre. Pessoas que
não sabem como desfrutar com elas próprias os seus triunfos e que se
recusam a não carregar os demais com os seus problemas. Mas o silêncio
de Filipe diz-nos mais: evidencia que é possível agir bem e
correctamente sem que se chame a atenção. Isto é importante numa época
de virtue signalling em que se tornou costume cada um salientar a sua
própria bondade e apontar em riste os erros dos outros. É interessante
que, sendo o silêncio o seu segredo, as suas gaffes fossem tão
conhecidas. Estas, segundo outro jornalista, Harry Mount,
tinham o propósito de tornar os eventos sociais mais fáceis para todos.
Possivelmente seriam ainda um escape para o homem que se silenciara e
que comunicava pela atitude frontal, um privilégio e audácia que só
alguém confiante e seguro se pode dar ao luxo de assumir. E de
exteriorizar sem muitas palavras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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