Fragmentação política já é histórica, mas dessa vez pode acontecer o impensável, com união de árabes e judeus que se execram mutuamente. Vilma Gryzkinski:
“Agora é o momento de entendermos uns aos outros, de entendermos a narrativa do outro”.
“Estendo minha mão para criar a possibilidade de coexistência nessa terra que é santa para as três religiões monoteístas”.
“Não
precisamos concordar a respeito de tudo e é claro que vamos discordar a
respeito de muito. Mas precisamos dar aos nossos filhos a oportunidade,
o direito de entender uns aos outros”.
Quem
disse estas palavras de derrubar queixos mundo afora foi Mansour Abbas,
não um estadista experiente ou um líder admirado por diferentes
tendências, mas um islamista que surgiu de repente na complicada
constelação política israelense.
Para
entender melhor: islamistas como Abbas, relacionados à Irmandade
Muçulmana, costumam estar entre os maiores inimigos de Israel, cujo
direito a existir não reconhecem.
Pois
Abbas apresentou-se em seu discurso, transmitido ao vivo pela
televisão, como um homem que tem orgulho de ser “muçulmanos e árabe, e
um cidadão do Estado de Israel”.
Apenas
estas simples palavras introduzem um fator simplesmente espetacular: um
islamista que não quer explodir judeus israelenses ou varrer o país do
mapa, mas participar do jogo político e nele ser aceito com todas as
suas crenças.
Abbas
está sendo cortejado, mais ou menos explicitamente, porque seu partido,
Raam, conseguiu eleger cinco deputados e se transformou no fiel da
balança.
A
ideia de alianças heterodoxas está por toda parte, como uma tentativa
de romper o impasse que quatro eleições em menos de dois anos não
conseguiram resolver: nenhum bloco consegue votos para formar um governo
estável.
“Espero que os representantes eleitos ouçam o apelo do povo israelense em favor de coalizões fora do comum”.
Assim
falou o presidente de Israel, Reuven Rivlin, que geralmente só aparece
em momentos como o atual: compete a ele ouvir os partidos e propor a uma
ala que tente formar um governo. Se não der, a bola passa para o campo
contrário.
O
apelo de Rivlin foi interpretado como uma sugestão para que o campo do
centro e da esquerda, altamente fragmentadas se alie aos partidos da
direita nacionalista rompidos com Benjamin Netanyahu.
Mas
uma coalizão mais “fora do comum” ainda envolve Mansour Abbas, que se
descolou da frente de partidos que tradicionalmente representam a
população árabe israelense, identificados na origem com a esquerda e
mais próximos da Fatah, a organização que controla a Autoridade
Palestina.
Com
a vitória eleitoral, Abbas, que consagrou o slogan “não temos rabo
preso com ninguém”, virou um personagem que parece ter sido criado por
uma das excelentes séries de televisão feitas por israelenses.
Sem
o Raam, nenhum dos blocos consegue formar uma maioria estável. Com ele,
ambos fazem uma aposta de alto risco, sujeitando-se, com razão ao
rótulo de oportunismo da mais baixa estirpe.
A
linha da Irmandade Muçulmana, o influente movimento que surgiu no Egito
nos anos trinta do século passado e procura liderar o islamismo
conservador em vários países onde predomina a religião de Alá, é a mesma
linha seguida pelos militantes no poder na Faixa de Gaza.
No
papel ou num discurso histórico como o que fez ontem, Mansour Abbas
aceita a existência de Israel e se declara um cidadão do estado que é
anátema para os islamistas.
Fora dele, é difícil acreditar nisso, embora a ideia seja incrivelmente tentadora.
Em
silêncio desde que a eleição criou mais uma situação de impasse,
Netanyahu tem plantado através de representantes oficiosos que uma
coalizão com o Raam não seria impossível.
Se
o impensável acontecesse, partilhariam o governo Israelense
representantes da corrente político-religiosa muçulmana que nega o
direito à existência de Israel e os sionistas mais extremistas, oriundos
de dois partidos das franjas minoritárias que recusam liminarmente
qualquer concessão territorial aos palestinos e advogam a exclusão total
dos árabes israelenses que não sejam “leais” ao Estado de Israel.
Na
posição de fiel da balança, Mansour Abbas está aproveitando seus quinze
minutos de fama – ou infâmia, dependendo do ponto de vista.
Já se reuniu com a frente de centro-esquerda, liderada por Yair Lapid. E não descarta uma abertura na direção de Bibi.
Se
houver um acordo, Lapid, ex-apresentador do principal noticiário da
televisão israelense, seria o primeiro-ministro em sistema rotativo,
dividindo o governo com Naftali Bennett, da direita nacionalista, que
rompeu com Netanyahu.
Ou
seja, é difícil saber qual governo seria um bicho mais quimérico,
juntando peças não só absolutamente incompatíveis como de uma total
precariedade. Mansour Abbas poderia ameaçar romper com qualquer um dos
blocos ao qual se aliasse ao menor sinal de divergência – e divergência é
o que não faltaria.
Imagine-se
o que aconteceria no caso de um conflito com os islamistas em Gaza, com
o Hezbollah no Líbano ou com os xiitas do Irã, as três frentes
potencialmente explosivas, tendo um partido como o Raam integrando o
governo israelense.
O
estilo abrasivo e imperioso de Bibi tem um grande peso na balança que
criou esta situação surreal por ter expelido aliados de direita como
Bennett e Avigdor Liberman, líderes vistos como competidores a ser
eliminados.
Agora,
o primeiro-ministro acena a ambos, sabendo muito bem que eles já
estiveram lá – num governo de coalizão – e não querem voltar de jeito
nenhum.
No
regime parlamentarista, é normal fazer coalizões, principalmente quando
não existem apenas dois partidos que se alternam, um sistema que
predominou durante as primeiras décadas de existência do Estado de
Israel, mas que refluiu quando a esquerda tradicional encolheu e a
direita cresceu, abrindo espaço a novos partidos.
O
súbito aparecimento de Mansour Abbas e sua proposta de cooperação – “O
que temos em comum é maior do que nos divide” – adiciona um novo e
inesperado elemento num quadro político já complicado por si.
Dá
para acreditar nele? Esta é a pergunta que muitos judeus israelenses
estão se fazendo. E que algum dos dois blocos em disputa terá que
responder na prática.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário