Escrito há quase 70 anos, “Cristianismo Puro e Simples”, de C. S. Lewis, surpreende o leitor ao falar de assuntos atualíssimos, como Lula e STF. Paulo Polzonoff Jr. para a Gazeta do Povo:
Em
meio à tediosa discussão sobre a cobrança ou não de impostos sobre os
livros, considerados pela Receita Federal artigos destinados ao consumo
dos ricos (quem dera!), bato com a cabeça na parede. Sem querer. E pela
terceira vez no dia.
É,
estou um tanto quanto avoado ultimamente. E dessa vez a culpa é de
ninguém menos do que o sr. Clive Staples Lewis. Que com seu magnífico,
estupendo e extraordinário “Cristianismo Puro e Simples”, desde o começo
do ano me faz perceber que as respostas para todos esses dileminhas que
poluem as páginas do jornal estão dadas e são de certa forma óbvias.
Veja,
por exemplo, o capítulo que li ainda na semana passada, sobre
esperança. Uma coisinha à toa. Na edição impressa deve ter umas cinco
páginas. E que, no entanto, explicam com perfeição por que nos causam
tanta ojeriza os homens que vivem para a glória mundana – como
políticos, celebridades, artistas e até jornalistas.
De
quebra, os parágrafos econômicos deste capítulo específico de
“Cristianismo Puro e Simples” iluminam o caráter trevoso dessa pandemia,
com nossa obsessão pela saúde à custa de uma liberdade a duras penas
conquistada e da qual neste momento só existem resquícios que uns poucos
heróis guardam sob seus colchões.
STF, Kajuru, Lula
Mas
aí eu penso, penso, penso e, em pensando, acabo me distraindo e batendo
com a cabeça na parede. Para a alegria da minha mulher que, do outro
lado da casa, ri sua risada mais divertida. Como expressar essas coisas
para leitores afundados no debate político mais rasteiro, mais
agressivo, mais conflituoso possível? Como convencê-los não da
infalibilidade das ideias de C. S. Lewis (afinal, ele é um ser humano
falho), mas da necessidade de recuperarmos a dimensão espiritual da
vida?
(E
tudo isso em meio a uma decisão do Supremo Tribunal Federal que, em
essência, determinou que, em questões sanitárias, as decisões do Estado
se sobrepõem às do espírito, concretizando o sonho marxista de um Estado
de mentalidade materialista e ateia).
Me
sento diante do computador. Tento escrever, mas é difícil. Qual o
assunto do dia? Ah, um senador divulga uma conversa privada com o
presidente. Ânimos se exaltam. Traição, golpe, impeachment. Aquela coisa
toda. Por sob os óculos escuros, os olhos semicegos do senador Kajuru
denunciam o deserto moral que as palavras de Lewis descrevem tão bem: a
capitulação do homem a tudo o que é transitório e nada virtuoso. Mas
como expressar isso sem me imiscuir também nessa discussão fétida e
pegajosa de tudo o que é efêmero?
Pelo
celular, sou informado de que o ex-presidente Lula, o Mentiroso,
recuperou seus direitos políticos e já está livre para ser derrotado em
2022. E encontro nesse fato a justificativa perfeita para citar C. S.
Lewis. “Os apóstolos que se puseram a converter o Império Romano, os
grandes homens que construíram a Idade Média, os evangélicos ingleses
que puseram fim ao tráfico de escravos, todos deixaram sua marca na
Terra justamente porque suas mentes estavam ocupadas com o Céu”, escreve
ele, iluminando o caráter mundano de um político corrupto que se perdeu
na própria história e, em abdicando de desejar o Céu, acabou por se
autocondenar à miséria das discussões políticas. (Uma autocondenação que
nem o STF é capaz de anular).
Glórias
Quando
dou por mim, a noite caiu. O texto avançou pouco, ao contrário das
discussões infrutíferas nas redes sociais. Antes de fechar o computador e
dar o dia por encerrado, contudo, anoto uma pergunta: será que o que
queremos para nós é a glória pseudovirtuosa das querelas políticas?
Queremos dinheiro, sucesso, milhares de seguidores nas redes sociais e
um verbete na Wikipedia? Ou será que está mais do que na hora de nossas
figuras públicas almejarem uma glória que transcenda a conta bancária
recheada e os aplausos?
Diante
do caráter insaciável daqueles que buscam as glórias mundanas, explica
Lewis, o tolo age com ressentimento, culpando as coisas mundanas em si.
Lewis fala de mulheres ou férias em hotéis de luxo. Poderia falar também
das ambições pelas coisas intangíveis: um político com um discurso
“totalmente diferente”, a implementação de alguma medida identitária, a
vitória revolucionária. “Eles [os tolos] passam a vida toda trocando de
mulher, viajando de um continente a outro, mudando de passatempo, sempre
pensando ter finalmente encontrado ‘A Coisa Certa’, e sempre se
decepcionando”, escreve Lewis.
E
eu não posso deixar de pensar na sensação de derrota que se abate sobre
mim nos dias em que mais anseio por me fazer compreendido. Como hoje.
Mas agora é hora de encerrar. Encerrando. Está encerrado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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