A decisão de Fachin nos afeta naquilo que temos de mais divino: a capacidade de distinguir o certo e o errado e a nossa esperança. Paulo Polzonoff Jr. para a Gazeta do Povo:
Por
causa da decisão de Fachin sobre Lula, passei a tarde de ontem
recebendo mensagens de amigos. Umas com mais, outras com menos pontos de
exclamação. Todas cheias de indignação, frustração, revolta impotente e
dúvidas. Muitas dúvidas. A todas eu tentei reagir com algum humor,
repetindo o velho adágio do “isso também passará”. Até que recebi a
ligação do meu pai.
Meu
pai é um homem simples. Um homem extraordinariamente comum que viveu
para dar uma vida melhor do que teve aos filhos. Ele é também um homem
íntegro, que nunca suportou desonestidade e mentira. Ao telefone, ele,
que nunca fala palavrão, soltou um ou dois efedepês para se referir aos
envolvidos. E concluiu com um lamento: “Não vou viver para ver o Brasil
ser um país melhor”.
Ao
ouvir aquilo, eu, que estava no meio de um texto pretensamente leve e
engraçado sobre a “fachinada” do STF, percebi que essa era uma daquelas
raras situações em que o riso não ajuda em nada. Apesar de fazer parte
de um teatro distante, com personagens que parecem semideuses,
interpretados por atores canastrões num cenário cheio de pompa vazia, a
decisão de anular as sentenças de Lula na Lava Jato afeta, sim, a vida
das pessoas honestas, íntegras e comuns.
Lei Natural
E
afeta naquilo que temos de mais divino: a capacidade de distinguir o
certo e o errado, o bem e o mal. Num processo que já dura anos, os
juízes, que deveriam expressar a consciência moral coletiva da
sociedade, abandonaram esse dever nobre para prestar mesuras à política
mais rasteira, para se subjugar a um Estado sem alma e sem moral. Fachin
e seus colegas há muito abandonaram a submissão à Lei Natural para se
tornarem escravos de Maquiavel.
Não
é de hoje que o STF agride nosso já combalido senso de justiça. Já no
julgamento do Mensalão, há remotos 9 anos, pairava no ar a sensação de
que nossa Corte tinha interesses outros que não tentar apaziguar as
relações entre os homens públicos e a verdade. Uma sensação que, nos
últimos anos, com Inquérito do Fim do Mundo e afirmações de que o STF
deveria agir como “editor da sociedade”, foi se intensificando.
Hoje
estamos à mercê não de Juízes, no sentido até bíblico do termo. Estamos
à mercê de técnicos do direito, todos positivistas acreditando piamente
que, se não são deuses, chegam perto disso. Na base da canetada
monocrática, eles são capazes de moldar a realidade de forma a adequá-la
a seus caprichos. Nós, homens comuns, não somos súditos; somos peões
numa experiência jurídica que parece ter como objetivo provar que a
Letra é maior do que o Verbo. Não é.
A
decisão de Fachin também abala nossa esperança. Esperança que, mais do
que uma palavra a enfeitar agendas de adolescentes, é aquilo que nos
impulsiona à virtude. Meu pai viveu com a esperança de ver seus filhos e
netos vivendo num país melhor do que o Brasil em que ele nasceu. Não um
país perfeito, mas melhor. Mais próspero, e mais pacífico. Um país
recompensasse o trabalho e repreendesse os vícios.
É
a esperança, mesmo que a ela possamos dar nomes diversos, o que nos
move a acordar todos os dias. E, no meu caso, vir aqui e escrever este
texto que, se é incapaz de acalmar o leitor mais exaltado, talvez ao
menos lhe dê uma perspectiva menos sombria (e menos pragmática) sobre
tudo o que acontece naquele paraíso de tecnocratas desalmados que é
Brasília.
Impotentes
diante de um poder que parece infinito e de uma justiça que há muito
abandonou a lógica mais elementar, sem um ou vários líderes capazes de
nos devolver verdadeiramente a esperança de ver a ordem reinstaurada e
impossibilitados até mesmo de criticar o onipotente e impiedoso STF, o
que nos resta? Cada um há de encontrar sua saída. Eu vou de paciência e,
quando for a hora, de riso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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